terça-feira, 1 de dezembro de 2009

GENTE DE TEATRO: CHICO DE ASSIS, por Isaias Edson Sidney

HOMENAGEM A CHICO DE ASSIS





Chico de Assis completa 76 anos. Receberá amigos e admiradores de seu apostolado pela dramaturgia, a boa e velha dramaturgia, dia 9 de dezembro, na Cantina Piolim, (rua Augusta, 311), a partir das 20h30.

Chico de Assis é um sábio. De teatro, conhece tudo. E mais: usa esse conhecimento para ensinar. Só isso já o torna um homem mais do que especial. Porque ensinar exige a humildade da renúncia de criar. Ensinar esgota. O mestre esvai-se física, emocional e criativamente pelo aluno. Seca. Por isso, o apostolado a que me referi acima.

Chico costuma terminar suas palestras com as seguintes palavras que, meio canhestramente, tendo reproduzir:


“Quando você chegar em casa, olhe-se bem no espelho. Contemple essa maravilha que é o ser humano. Depois observe atentamente as suas mãos, com o polegar opositor. E vá para o seu quarto. Mas, não adormeça na mediocridade de seu quarto, de sua cama. Adormeça no Universo, entre milhares de galáxias e estrelas. E pense que o Sol, o centro de nosso sistema, um dia vai-se apagar, daqui a milhares ou milhões de anos, talvez. E sonhe que, nesse dia em que o Sol desaparecerá, o homem estará pronto para ocupar outros planetas, com outros sóis. E então, chegará o dia em que todos abandonarão para sempre a Terra. E nesse dia, haverá uma grande festa nos céus, de despedida. Com espaçonaves cruzando os espaços, para um espetáculo derradeiro, a ser transmitido para todos os homens. E pense que esse espetáculo será uma peça de teatro. E essa peça de teatro será HAMLET. Porque, até daqui a muitos milhares ou milhões de anos, o homem ainda não terá compreendido totalmente todo o mistério que ó o próprio homem, retratado pelo teatro desse gênio, que é Shakespeare.”



terça-feira, 17 de novembro de 2009

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE DRAMA E COMÉDIA, por Isaias Edson Sidney







A tragédia grega teve o seu tempo e seus autores. Construiu, sobre a miserabilidade humana, uma forma ideal de arte que se eternizou em textos inexcedíveis de beleza e compreensão do homem. Mergulhou fundo. Para atingir o sublime, não poupou suas personagens, mergulhou-as nas mais profundas raízes do amor e do ódio, da solidariedade e da vingança, do rancor e do incesto, matizando todas as formas de sentimentos, purgando crimes e apontando o caminho trágico do homem sobre a terra.



Da tragédia grega nasceu o drama moderno. Teve em Shakespeare o seu fundador e seu gênio maior. O drama moderno contempla novas formas de averiguar a consciência e as dores do homem. Também não poupa suas personagens, abrindo a caixa de ferramentas da sordidez e do sublime que o homem traz consigo em sua trajetória em busca de algo que não sabemos bem o que é, mas que alguns denominam felicidade.




São as duas formas tradicionais de teatro. Se bem que há, ainda, o Brecht, a apontar ao homem o caminho da ética, através da epicidade de suas personagens cuja tragédia é a perplexidade diante da escolha entre o bom e o mau caminho, entre a polis (o belo) e o inferno da miséria (o horror, seja da guerra, seja da falta de solidariedade).

E a comédia, onde entra?



Na verdade, eu creio que a comédia é a cunha que perfura o tecido da tragédia ou do drama, para mostrar o caos e a vergonha. Ou seja, a comédia é apenas o lado tosco e, por isso, mais trágico ainda, do espectro humano em seu caminho de angústias. Por trás de toda comédia, há o lado obscuro do trágico e do drama. Do cadinho das emoções humanas, o riso sempre esconde o trágico, para torná-lo mais trágico. Rimos de nós quando somos toscos, idiotas, traídos, enganados e pisoteados, seja pela vida, seja pelo poder, seja por nossas próprias escolhas enganosas.

Por isso, os dois maiores recursos da comédia: a automação e o inusitado. A automação (e sua quebra) revela as nossas semelhanças diante dos fatos da vida, aquilo que temos que todos têm, o que já constitui, em si, uma tragédia (ou um drama): pensamos que somos espertos ou sublimes, mas somos os idiotas e toscos de sempre. Já o inusitado (ou inesperado) rompe a mesmice do cotidiano conhecido para mostrar a mesmice de nossa psique desconhecida,quebrando automatismos que ignorávamos, o que revela a nossa soberba e a nossa estupidez.


quinta-feira, 29 de outubro de 2009

GENTE DE TEATRO: GRUPO CLARIÔ - HOSPITAL DA GENTE, por Beth Néspoli





Vida na periferia, por quem é de lá




Hospital da Gente, da trupe de Taboão, é brilhante radiografia do cotidiano nas bordas da metrópole


BETH NÉSPOLI – O ESTADO DE SÃO PAULO, 28 DE OUTUBRO DE 2009


Começa na Rua Santa Luzia, em Taboão da Serra, o espetáculo Hospital da Gente, mais especificamente diante do portão da sede do Grupo Clariô. É noite de sábado e a reportagem do Estado junta-se aos espectadores para acompanhar a criação dessa companhia que há algum tempo vem despertando atenção pela qualidade de seu trabalho, provocando a chamada propaganda boca a boca. Acostumados às sessões teatrais dos fins de semana, moradores já se colocam às varandas para ver o início da apresentação. Através da janela de uma das casas, no momento mesmo em que uma atriz começa sua cena é possível ver um homem secar a cabeça com uma toalha.




Mas a atmosfera de precariedade característica das periferias urbanas se dissipa às primeiras palavras da atriz Martinha Soares. Sua atitude corporal, os gestos precisos e expressivos, a voz colocada num tom de voz audível sem perda de nuances e, sobretudo, a segurança que se apropria das palavras de Marcelino Freire, cujos contos são base da dramaturgia da montagem, logo dão ao espectador a certeza de que estará diante de um espetáculo profissional, termo usado aqui no sentido da elaboração cuidadosa, do burilamento necessário à boa arte. Martinha, assim mesmo no diminutivo, é uma das sete atrizes desse grupo dirigido por Mario Pazini que nasceu em 2002, ali mesmo em Taboão da Serra, e há quatro anos conseguiu abrir sua sede, alugando duas casinhas, mantida durante os primeiros três anos sem nenhum apoio financeiro, público ou privado.


Quando o portão se abre, o espectador - conduzido pela personagem do prólogo, uma mulher indignada por ter sido impedida de vender seu rim - se depara com uma cenografia impactante, feita não para olhar, mas para "estar". Em simbiose com as duas casas, construiu-se uma "ocupação" com madeira e centenas de elementos cênicos como varais de roupas, mobiliário e utensílios domésticos, reprodução artística da paisagem visual e sonora característica de uma favela, com seus becos, botecos e barracos. Dentro dessa cenografia-instalação, o público "vivencia" o cotidiano dos moradores.


Flagrantes da vida da periferia? Sim, mas numa abordagem original dessa temática cada vez mais presente em telas e palcos. E não é só uma qualidade "de origem", do lugar de onde se fala, de dentro para fora. Antes de mais nada há um desejo manifestado por esses artistas de entender e discutir a vida nas bordas da metrópole - sem drama. A ausência de autopiedade é elemento essencial na poética da trupe e se faz presente na encenação, na dramaturgia e, sobretudo, nas interpretações. Por exemplo, Naloana Lima, no papel da mulher que "dá" seus filhos paridos, não busca explorar a dor, mas a aguerrida firmeza de quem dela se defende, e assim revela o que a mulher nega. Mérito da direção, essa cena se estrutura numa discussão comum de vizinhas, o que retira dela a intenção de comover. Recurso que, com variantes, perpassa toda a encenação. Aparentemente, são recortes da vida. Na verdade, está-se diante de construção simbólica, da simplicidade fruto de consciente elaboração estética.


Mesmo quando a dor se faz presente, como na cena da prostituta cuja memória do pai que abusou dela na infância vem à tona pelos olhos azuis de um cliente idoso, a atriz Alaíssa Rodrigues consegue expressar sentimentos contraditórios sem cair na autopiedade. Há cenas densas, como a da mãe (Janaína Batuíra) em busca da filha raptada ou da mulher que se recusa a ir à passeata pela paz, uma bela interpretação de Nanura Costa. Há ainda "respiros", como na figura patética encarnada por Maíra Galvão, a dona do "boteco Fênix", que após levar uma surra do marido, compensa o presente árido relembrando (fantasiando?) sua beleza física no passado. A leveza chega em toques de humor, como faz Paloma Oliveira tanto no papel de uma bêbada ressentida, quanto na "evangélica" numa tragicômica discussão com a vizinha prostituta, que pede remédio para o filho.


Pelo menos um espectador soltou o riso na plateia, Gabriel Mota, de 6 anos. "A gente não tinha como deixá-lo", argumentou o casal Gisele e Eduardo Duwal. Na cena do lixão, Gabriel não se conteve: "Não come isso, é sujo, você vai pegar vírus.


"Um conjunto de atrizes expressivas integra o Clariô. Naruna, uma das fundadoras, já foi "descoberta" pela televisão, vai estar no elenco da próxima novela da Globo, Tempos Modernos. Não por acaso, a força das mulheres de periferia foi o tema sobre o qual a montagem começou a ser construída, antes mesmo de "entrar em cena" o texto de Freire. "Tínhamos feito algumas peças, o grupo passou por transformações, algumas pessoas saíram, outras se integraram e, de repente, nos demos conta de que éramos sete mulheres e três homens", comenta Naruna. Os homens, no caso, são o ator Will Damas, responsável pela iluminação; o diretor Pazini e o cenógrafo Alexandre Costa, o João, como é chamado. Esse é especial. Assina a cenografia, opera luz e som. "E cozinha muito bem", falam as atrizes em coro. Do processo, o que João mais lembra é das enchentes. "A gente já tinha construído boa parte do cenário e perdeu tudo, tivemos de recomeçar." Não por acaso, a trupe avisa no site: "Se chover não tem peça, risco de enchente" (leia no quadro).


Um encontro feliz de Naruna com o compositor Chico César - cuja canção Beradêro está na trilha e inspirou o título do espetáculo - foi a ponte para conhecer Marcelino Freire. Assim surgiu o texto, tessitura de 12 contos extraídos de seus livros e um inédito, que embasaram as imagens já criadas. A montagem estreou em 2008, recebeu cinco indicações para o Prêmio da Cooperativa Paulista de Teatro e venceu em três categorias: grupo revelação, ocupação de Espaço e trabalho desenvolvido no interior ou litoral.


Até o final de 2008, custos do espaço e montagem sempre foram divididos pelos artistas do Clariô, que têm outras atividades. "O poder público local nunca apoiou. Felizmente temos ótimos vizinhos e apoio da comunidade", diz Pazini. Este ano, pela primeira vez, além de um edital de circulação, o Clariô ganhou o Prêmio Miriam Muniz, da Funarte. Entusiasmados, já preparam uma nova montagem. "Existe uma estética de periferia? O que é estar na borda? Se há margem, o que está no centro? Queremos discutir isso em cena", diz Naruna. Até lá, apresentam Hospital da Gente e abrem a casa para receber outros grupos, todo mês, para apresentações, encontros, debates.


Serviço:

Hospital da Gente.

90 min.

12 anos.

25 lug.

Espaço Clariô.

Rua Santa Luzia, 96.

Reservas pelo tel. 9995-5416.

Sábs., 21 h.

R$ 10.

Se chover, não haverá sessão

sábado, 17 de outubro de 2009

RUY JOBIM NETO ESCREVEU: GALEANO TECE O INVENTÁRIO NOSTÁLGICO DA AMÉRICA

GALEANO TECE O INVENTÁRIO NOSTÁLGICO DA AMÉRICA




Na Cúpula das Américas, em abril de 2009, em Trinidad e Tobago, quando o presidente venezuelano Hugo Chávez deu de presente ao colega norte-americano Barack Obama um “livro obscuro” (nos óbvios termos do site da rede de televisão CNN), um encontro de duas Américas pretendia acontecer. Este “livro obscuro”, em sua versão em inglês, era simplesmente um dos maiores clássicos contemporâneos latino-americanos, “As Veias Abertas da América Latina”, escrito pelo uruguaio Eduardo Galeano.

Pois é exatamente um outro lado de Galeano, bem diferente do jornalístico e crítico já tão conhecidos, uma outra vertente deste escritor genial - um homem que segundo ele mesmo diz, formou-se na Universidade da vida - que retorna a São Paulo num belíssimo trabalho do Grupo Teatro do Fubá, “O Inventário das Sensações Perdidas”. O espetáculo reestréia dia 17 de outubro, sábado, ficando em cartaz até 1º. de novembro na Vila Maria Zélia, no Belenzinho (Zona Leste de São Paulo). Vale muito a pena ver.

O Teatro do Fubá estreou o espetáculo, em 2008, na própria Vila Maria Zélia, e depois cumpriu temporada na Casa de Dona Yayá (Centro de São Paulo), na primeira metade de 2009.

Foram dois anos de processo, como explica uma das produtoras da montagem dirigida por Ronaldo Serruya, a também atriz do elenco Gisele Lavalle. “O Inventário” se vale de segmentos de textos variados do autor de “As Veias Abertas”, enfocando basicamente na prosa poética do uruguaio. É a própria América Latina, pela visão de Galeano, em sua vastidão de território e nostalgia, que salta às mentes e aos corações da platéia.

São duas atrizes (Gisele Lavalle e Flávia Naves) e dois atores (João Júnior e Paulo Plácido) que trazem à cena um conjunto de textos de Galeano (alguns estão em obras dele como “O Livro dos Abraços”, “Mulheres”, “Espelhos” e outros) sob a forma do teatro narrativo. A América Latina de Galeano é apresentada sob a forma de cartas, de pequenas histórias de pessoas comuns, gente do dia-a-dia, viventes latino-americanos, e é onde reside a beleza intrínseca da montagem.

Os atores estão envoltos numa atmosfera lírica, entre velas, pedaços de espelhos e porções de água, levando a pulsação do povo simples da América Latina aos patamares da memória pessoal e coletiva.

É uma pulsação latente, latina, quente e sedutora. Segundo o próprio diretor Ronaldo Serruya, “a tentativa do Galeano, como autor, é exatamente essa: trazer a luz nossa formação de povo latino, nossas raízes, aquilo de que somos feitos”.

A encenação separa grupos de espectadores em quatro porções simétricas. Cada porção, quase em formação de yin e yang, como se fossem os quatro pontos cardeais em relação ao círculo onde se encontra a cena, assiste do seu ponto-de-vista as particularidades de um todo que se costura, que se alinhava.

Os pequenos e grandes dramas, as pequenas e grandes comédias, as cartas de amantes e familiares, as belezas do dia-a-dia, a imensidão da paisagem que vai dos Andes à Colômbia, da Patagônia argentina ao cerrado brasileiro, tudo é motivo para celebrar a América pela qual o próprio Galeano viajou, o continente que ele vasculhou com tanta sensibilidade e carinho.

Tudo isso está no palco e a platéia sai da Vila Maria Zélia com a sensação de ter viajado por cordilheiras territoriais de emoções humanas e cativantes. O fato de que recordar vem do latim “re-cordis”, ou seja, voltar a passar pelo coração (como muito bem assinala um dos momentos da montagem, abertura que é de “O Livro dos Abraços”) já dá mote ao que vem.

Desnecessário dizer, Galeano fala diretamente à alma do continente. Além da beleza do espetáculo, com suas porções de espelhos e água, pés descalços, incontáveis velas e pingentes de luz, o texto vem a casar com a plástica irretocável do edifício-sede do Grupo XIX de Teatro, na Vila Maria Zélia, a primeira vila operária de São Paulo, no coração do Belenzinho.

O coração latino-americano percorre, assim, um inventário de emoções e nostalgia, histórias e sensações perdidas e encontradas em pequenos e grandiosos momentos de rara beleza.

A platéia ganha, através da literatura de Galeano e da montagem do Teatro do Fubá, um chão que escorre docemente como se fosse uma verdadeira raiz sob nossos pés cotidianos. Um espetáculo imperdível.

Serviço:

“O INVENTÁRIO DAS SENSAÇÕES PERDIDAS”

Textos: Eduardo Galeano
Dramaturgia: Teatro do Fubá e Ronaldo Serruya
Direção: Ronaldo Serruya
Elenco: Flávia Naves, Gisele Lavalle , João Júnior e Paulo Placido
Rua Cachoeira, 50, esquina com a Rua dos Prazeres (Belenzinho)
Fone: 2081-4647
Quando:
Dias 17 e 18/10/2009 – sábado e domingo às 20h
Dias 24 e 25/10/2009 – sábado e domingo às 20h
Dia 01/11/2009 – domingo às 20h
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)
Informações e Reservas: 9388-6253 e 9705-4632

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

ELIANA IGLÉSIAS ESCREVEU: IN DRAMA VERITAS

IN DRAMA VERITAS




Escrever sobre dramaturgia é sempre um prazer. Fazer dramaturgia é uma arte, muito prazerosa, porém bastante sofrida, e que nem todos (muito poucos, eu diria) conseguem chegar a um bom termo. Você pode passar toda uma vida aprendendo a técnica de escrever para teatro, produzir um texto irretocável, mas que no final das contas “não pega” . E isso por que? Porque na maioria das vezes falta o principal: a alma do autor naquele texto. E se não houver de imediato, uma identificação da platéia com aqueles personagens, a obra morre ali, no instante exato em que se revela para o mundo. Poderia falar aqui de vários gêneros teatrais, mas elegi o drama e o melodrama, deixando para outra ocasião, a comédia, o épico, a tragédia (que é a base do Drama Moderno).

O teatro surgiu na Grécia com as tragédias. Estas eram construídas sobre mitos (como o de Édipo, por exemplo) amplamente conhecidos pelo povo que ia ao teatro para assistir ao espetáculo. O público já sabia o que iria ver.

O drama moderno remonta a Aristóteles. Como na tragédia grega, no drama há a preocupação moral e com a qual a plateia se identifica. O drama não mente. Ele conta sempre uma verdade. O drama tem por característica apresentar os personagens de forma clara, previsível, sem surpresas. Como na tragédia, o drama visa à catarse, que nada mais é que trazer à tona os sentimentos mais profundos do espectador (para exemplificar, na tragédia grega, sentimentos de terror e piedade), sentimentos esses vivenciados na chamada cena de crise, onde o protagonista se mostra por inteiro. A catarse provoca o alivio ou purgação desses sentimentos, que estão vivos dentro de cada espectador. O drama moderno segue a mesma trajetória da tragédia. Há um fluxo de emoção que emana do palco (dos atores) para a platéia que recebe esse fluxo da maneira como ele vem, pura, honesta, sem mentiras. O drama contém, em si, a verdade. Como a sintaxe do drama é fechada, ele não permite interpretações dúbias.

O melodrama é um subgênero do drama. O melodrama é a arte do engano, da surpresa, da mentira. O melodrama não é fechado como o drama. Ele tem aberturas sintagmáticas nas quais o espectador coloca no palco, naquele instante, suas emoções. No melodrama (ao contrário do que ocorre no drama) o fluxo da emoção flui da plateia para o palco. O melodrama permite essa abertura, esse vão, enfim, esse espaço para que eu coloque minha emoção específica na peça que está sendo encenada. O melodrama também leva à catarse, só que, neste gênero, eu complemento com meus sentimentos o que está acontecendo no palco. O melodrama é imprevisível. Eu preencho cada cena, com minha emoção específica, e esta será sempre diferente, de pessoa para pessoa.

O pai do melodrama, no cinema, é Alfred Hitchcock, que consegue isolar a pessoa na plateia, através do medo ancestral, que é inerente a todos nós. Nunca sabemos qual será o próximo passo num filme de Hitchcock e isso é melodrama puro. A plateia coloca sua emoção específica em cada gesto, cada intenção dos personagens, uma vez que estes são, invariavelmente, figuras enigmáticas e imprevisíveis. Atualmente, 90% dos filmes, principalmente, os americanos, são melodramáticos, recheados de cenas inesperadas e finais surpreendentes. As pessoas saem da sala de espetáculo, cada qual com sua emoção específica e interpretações as mais variadas, para um mesmo tema. A tendência do teatro moderno vai também por essa linha melodramática.

A diferença básica entre o drama e melodrama é que o primeiro personifica a verdade, e o segundo, a mentira. Mas, afinal, o que seria de nossas vidas se não fossem esses opostos?

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

O HERÓI ÉPICO E O HERÓI DRAMÁTICO, por Isaias Edson Sidney







Para ilustrar as idéias que desenvolveremos sobre o herói épico e o herói dramático, vamos usar Édipo e Galileu como exemplos modelares de seus gêneros, por considerarmos ÉDIPO REI a tragédia por excelência, ou seja, o modelo de todas as tragédias e GALILEU GALILEI o produto mais bem acabado do teatro épico.


(Denise Fraga, no papel de Galileu - S.P. 2015)


Na tragédia, a saga do protagonista tem finalidade catártica e, no teatro épico, anagnótica. Até aí, nenhuma novidade. Mas é justamente o tipo de catarse e o tipo de anagnose que desejamos analisar.

Édipo tem uma vontade (descobrir a verdade) que, ao encontrar um obstáculo, volta-se contra ele mesmo. É o detetive que busca um assassino que, por acaso, é ele mesmo. Seu destino, traçado ou não pelos deuses, conhecido ou não por ele mesmo, segue um caminho inexorável. Mas Édipo não é um assassino frio e cruel. Ele assim se torna à medida que se descobre, à medida que se conhece a si mesmo, num processo de mudança de qualidade contínua até o ato final da revelação de quem é ele, culminando na crise, no arrependimento e na autocondenação. Édipo arranca os olhos e esse ato, muito mais que provocar a dor física, simboliza a condenação fatal de obrigá-lo a voltar-se para dentro de si, num processo de autocontemplação definitiva do ser monstruoso que ele se tornou. O castigo do herói leva a platéia, através da emoção catártica, a mitigar seus próprios crimes, saindo do teatro com a sensação de limpeza de alma. “Alguém pagou por mim um crime que eu poderia vir a cometer”. Nesse sentido, a catarse do protagonista é a catarse do público. Algo semelhante fazem todas as igrejas cristãs: “através do sacrifício, da oração ou da confissão, eu participo do sacrifício do Cristo que morreu para me salvar. Então, eu também estou salvo”. Pelo menos, até cometer o próximo pecado. O público da tragédia também está salvo, pelo menos até cometer o próximo crime, não necessariamente o mesmo cometido pelo protagonista.

Galileu também tem uma vontade (também a verdade) que, ao encontrar um obstáculo, volta-se contra ele mesmo. Mas termina aí a diferença entre ele e Édipo. Galileu não é um herói na mesma acepção do trágico. Ele é um homem comum, um cientista que acredita naquilo que pensa, mas não está disposto a dar a vida por essas idéias. Nesse sentido, Galileu sempre foi assim. Na sua trajetória rumo à crise, ele não muda de qualidade, pelo menos não no sentido que se atribui essa expressão em relação a Édipo - o autoconhecimento, a revelação daquilo que ele não era e passa a ser, à medida que a ação se desenvolve. Galileu não, ele já é o que é, quando inicia sua trajetória. A ação tem por finalidade revelar ao público aquilo que ele é. Não há catarse do herói, mas esta é transferida ao público. Como não é possível haver catarse coletiva (já que os crimes não são os mesmos para todos), ela se transforma em conhecimento de que o sofrimento do herói tem causas exógenas ao protagonista. A culpa não está nele, mas na estrutura social, política ou religiosa em que ele está inserido. Assim, em vez de comover-se, o público, teoricamente, revolta-se. Por isso o teatro de estrutura brechtiana torna-se um teatro revolucionário, épico, no sentido de afastamento, de não envolvimento do protagonista na ação dramática, mas de transferência para o publico do julgamento de suas ações frente a uma realidade.


ISAIAS EDSON SIDNEY
S.P.26.3.97

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

GENTE DE TEATRO: OFICINA DE TEATRO TEATRÊS


(Alzira Andrade e Mauro Henrique Toledo)


A Teatrês Oficina Teatral foi fundada em 2001 por Alzira Andrade, Denise Del Vecchio e Mauro Henrique Toledo.

A empresa oferece assessoria e consultoria em arte teatral, técnicas teatrais para entretenimento artístico, capacitação e educação corporativa.


(Denise Del Vecchio)

Na área artística, atua na formação de atores com cursos livres semestrais de teatro, na criação e na produção de espetáculos.

Na área corporativa, a atuação é voltada para a criação e a produção de eventos personalizados, com intervenções, dinâmicas e esquetes, além da apresentação de espetáculos temáticos, com humor e conteúdo focados em áreas de treinamento.

OFICINA LIVRE DE TEATRO PARA INICIANTES

Metodologia:

A Oficina de Teatro Teatrês conduzida pelos professores e consultores de comunicação Alzira Andrade e Mauro Henrique Toledo, visa aprimorar nos participantes as técnicas necessárias para a qualidade de interpretação artística de personagens de ficção.

O participante vai aprender também a reconhecer suas qualidades e habilidades, desenvolvendo capacidades para um contato criativo com sua individualidade, projetando-se para relacionamentos sadios e inteligentes com seu grupo e criando um ambiente colaborativo.

Incentivamos a reflexão pessoal (auto-estima), a reflexão social (qualidade de relacionamentos) e a reflexão universal (fator sociedade), fazendo com que o indivíduo recupere e valorize sua sensibilidade; que entenda a criatividade como uma busca possível em si mesmo; e que através dos exercícios propostos encontre entendimento e qualidade de vida, buscando soluções inteligentes e criativas para a resolução dos seus desafios cotidianos.

O teatro com suas variadas situações dramáticas e sua ação presente de cena, nos ensina a ter distanciamento emocional, ajudando-nos a refletir melhor sobre as decisões que devemos tomar na vida.

Máximo de 12 alunos por turma.

Ao término do curso, apresentação de montagem de espetáculo.

Uma aula por semana com 3 horas de duração.

Horários das turmas:


3ª feira, das 19 às 22h00
4ª feira, das 19 às 22h00
Sábado, das 9 às 12h30


SERVIÇO

- Teatrês Oficina Teatral


- Localização: Rua Madre Emille de Villeneuve, 292 – Vila Mascote – São Paulo/SP
- Telefone 5562 5182 / 5216




Responsáveis:

- Alzira Andrade: empresária, atriz, dramaturga, professora de teatro, diretora e consultora de comunicação.

- Denise Del Vecchio: atriz e diretora de teatro e televisão.

- Mauro Henrique Toledo: empresário, ator, dramaturgo, cantor, compositor, educador vocal-corporal e consultor de comunicação.



segunda-feira, 21 de setembro de 2009

AÇÃO PRESENTE DE CENA, por Isaias Edson Sidney


(Godot - johnny murphy, stephen brennan, barry mc govern)


A essência do teatro é a ação. Ação que acontece naquele momento, na frente do espectador. E é a grande arma do dramaturgo. E também sua armadilha.

Sem ação presente, o teatro, pelo menos o bom teatro, desaparece e a peça entra em entropia. Ou seja, perde energia. Torna-se aborrecida. Chata.

Como “escrever” ou “construir” ações presentes de cena?

Já dizia Nietzsche:

“PRECEDE A AÇÃO ÀS PALAVRAS”.

Ou seja, deve-se pensar, primeiro, O QUE a personagem está fazendo? O QUE ESTÁ ACONTECENDO? E só depois colocar em sua boca a palavra.

Observe esta fala de Hamlet:




Hamlet – Anjos e ministros da graça, protegei-nos! Sejas tu um espírito benéfico ou um gênio maldito; sejas tu circundado por auras celestes ou labaredas infernais; seja tua intenção má ou benéfica, tu te apresentas em forma tão sugestiva que hei de falar contigo!... Dou-te o nome de Hamlet, real dinamarquês, rei e pai!... Oh!... Responde-me! Não me atormentes com a ignorância! Deixa-me saber por que teus ossos abençoados, sepultos na morte, rasgaram assim a mortalha em que estavam? Por que teu sepulcro, no qual te vimos quietamente depositado, abriu suas pesadas mandíbulas marmóreas para jogar-te novamente para fora? Que significa, corpo defunto, novamente revestido de aço, tua nova visita aos pálidos fulgores da lua, enchendo a noite de pavor? E nós, pobres joguetes da natureza, precisamos contemplar nosso ser tão horrivelmente agitado com pensamentos além do alcance de nossas almas? Dize-me: para que tudo isto? A que fim obedece? Que deveríamos fazer?

Nesta cena, há duas ações presentes:

1. A aparição do fantasma, pai de Hamlet, o rei assassinado.

2. A angústia interna de Hamlet, relacionada às suas dúvidas quanto à morte do pai e ao seu assassínio.

Portanto, Shakespeare pode colocar todas essas palavras na boca de Hamlet, porque ele as escreve A PARTIR da aparição do fantasma e das dúvidas que atormentam a personagem. Elas só ganham sentido nesse contexto da peça.

Portanto, pense sempre antes de escrever um diálogo ou um solilóquio: O QUE ESTÁ ACONTECENDO NESTE MOMENTO? QUAL A MOTIVAÇÃO DA MINHA PERSONAGEM?

Se o autor já conhece a sua personagem, ela lhe dirá o que escrever. E o teatro brotará cristalino, como deve ser, com a ação presente de cena. Ação que leva ao conflito. Ao drama.


sábado, 19 de setembro de 2009

ELIANA IGLÉSIAS ESCREVEU: "NOS CAMPOS DE PIRATININGA", DE RENATA PALLOTINI E GRAÇA BERMAN






"NOS CAMPOS DE PIRATININGA" 

DE RENATA PALLOTTINI E GRAÇA BERMAN






Trata-se de um espetáculo musical, bem humorado, que conta a história do futebol em São Paulo desde o início do século passado até o presente.


Eu havia assistido à montagem anterior no Maria Dela Costa. As autoras conseguem com o texto interessar uma platéia de aficcionados ou não, ao futebol. Contam como surgiram os primeiros times de futebol na nossa São Paulo.


Um grupo de 11 atores dá conta de uma missão nada fácil, sendo que todos eles cantam, dançam e interpretam, como tem que ser um musical. Como no Brasil não temos escola para isso, ficam aqui meus cumprimentos e respeito, para quem consiga montar um musical, nos dias de hoje, no Brasil. Destaque para Eduardo Silva, grande comediante, que é o fio condutor de todo o espetáculo e que é a graça da peça.


Todas as quintas-feiras, o grupo leva a debate, o tema futebol, com depoimento ao vivo de futebolistas convidados, o que é muito interessante, mesmo para quem não conheça futebol. Essa é a terceira vez que assisto ao espetáculo. Achei mais ágil, dinâmico, a única ressalva é que poderia ser um pouco mais breve. Existem nomes na história do futebol, creio eu, desnecessários serem citados, porque isso só alonga o espetáculo, ficando por vezes no narrado de datas e acontecimentos e isso logo é esquecido pela platéia, e em nada contribui para o bom entendimento da peça. Porque, o que aprendemos durante todos esses anos, é que teatro tem que ser encenado naquele momento, naquele lugar, sem contar uma historinha. Teatro é Ação presente de Cena. Não pode se amarrar no narrado, que assim você estará afastando a atenção da platéia. Se você quer alinhavar fatos passados no decorrer de quase um século, trazê-los para o presente, você tem que amarrá-los bem em ações presentes, que estejam acontecendo ali, naquele instante, para que o público sinta-se próximo ao tema em questão do espetáculo. Principalmente, futebol como é o caso dessa peça, cuja história e nomes são desconhecidos por muitos, meu caso por exemplo.


Mas, por outro lado, devemos nos concentrar no esforço dos atores, autores, direção, para brindar a platéia com o melhor deles próprios. Nesse sentido toda a equipe atingiu sua meta. Revelaram uma meticulosa pesquisa do tema. O público se divertiu, participou, e em muitos momentos aplaudiu em cena aberta. Valeu o esforço!


Parabéns a todos!




(Eliana Iglésias é escritora, dramaturga e atriz).




SERVIÇO:


· NOS CAMPOS DE PIRATININGA
· Texto - Renata Pallottini e Graça Berman

· Direção Geral – Imara Reis

· Diretor Assistente – Augusto Marin

· Produção – Graça Berman ,Wilma de Souza , Décio Pinto e Paulo Del Castro .

· Elenco: Eduardo Silva, Graça Berman, Wilma de Souza, Décio Pinto, André Persant, Gira de Oliveira, Murilo Inforsato, Nívio Diegues, Rodrigo Dorado, Sônia Andrade e Valéria Simeão

· Administração – Fátima Collétti

· Criação e Direção Musical – Paulo Herculano

· Criação Musical – Matias Capovilla

· Preparação e Arranjos Vocais – Tato Fischer

· Iluminação – Kiko Jaess

· Preparação Corporal e Coreografias – Augusto Pompeo

· Criação de cenário, figurinos e adereços – Luis Carlos Rossi

· Assistente de Figurinos - Natália Volpe

· Criação e edição de imagens - Zeca Rodrigues e Renata Borges

· Pesquisa de imagens – Décio Pinto, Zeca Rodrigues e Renata Borges

· Criação Gráfica – Edu Reyes

· Assessoria de Imprensa – Sonia Kessar

· Coordenação de Produção – Paulo Del Castro

· Gênero – Comédia musical

· Teatro João Caetano - Rua Borges Lagoa, 650, Vila Clementino – SP – Fone (11) 5549-1744

· Estreia: 17 de setembro

· Temporada: até 1 de novembro de 2009

· Horários: quintas, 20h30; sextas e sábados, 21h; domingos, 20h

· Ingressos: 20,00 (inteira); 10,00 (meia-entrada);8,00, para quem estiver vestindo camiseta de qualquer time (a bilheteria abre duas horas antes de cada sessão e aceita só dinheiro).

· Duração: 120 minutos (dividida em dois atos)

· Classificação indicativa: livre

· Acesso e banheiro adaptado para pessoas com necessidades especiais.

· Estacionamento conveniado – 5,00 (Allpark - Hospital São Paulo - Rua Napoleão de Barros, 715)

· Toda quinta-feira, após a sessão, bate-papo com jornalistas, técnicos e jogadores convidados.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

LAND LEAL ESCREVEU: O QUE É DRAMATURGIA?

O QUE É DRAMATURGIA?


(Caminho de Damasco, de Strindberg - cena realista)

Há muitos princípios, mas talvez o mais básico e fundamental para o encantamento seja a definição que sintetiza os ensinamentos de Aristóteles:

DRAMA É AÇÃO E CONFLITO EM SEQUÊNCIA ASCENDENTE DE CAUSA E EFEITO, COM COMEÇO, MEIO E FIM, MAS NÃO NECESSARIAMENTE NESSA ORDEM.

1 – Em algumas línguas a palavra “drama” já significa dramaturgia, ou seja: o gênero de ficção para as artes cênicas, o rádio e a história em quadrinhos. Em português usamos o termo para designar também um dos cinco gêneros básicos da dramaturgia: drama, comédia, tragédia, melodrama e farsa. Em alguns países já se chamou o drama de “tragicomédia” ou de “tragédia burguesa”. Aqui usaremos o termo "drama" como sinônimo de dramaturgia e de teatro.

2 – O teatro (ou drama), como qualquer arte, não é a vida real. É uma convenção e está, portanto, sujeito a procedimentos arbitrários.

3 – O enredo é justamente isso: uma coisa engendrada, cuidadosamente planejada pelo dramaturgo, onde nada acontece por acaso (embora pareça e deva assim parecer). Tudo é resultado da escolha deliberada do autor, mas:

a) nada deve ser apresentado de forma que a platéia não possa absorver imediatamente;
b) nada que seja importante deve ser apresentado rápido demais e nada que não seja importante deve ser alongado;
c) tudo o que é dito no palco passa pela platéia. Por isso, o autor escreve pensando no público. Se o personagem A fala com o personagem B, a fala passa antes pela platéia e quando o personagem B responde, a fala chegará a A também através da platéia;

Resumindo: teatro = ator + espectador

d) o autor deve se identificar com todos os personagens, pois do contrário a peça ficaria capenga, isto é, ele usaria o personagem com o qual se identifica para promover suas idéias ou teses e os outros personagens seriam vazios e apenas suportes sem interesse dramático, o que tornaria o texto monótono, uma exposição de motivos em forma de diálogo mas não uma peça de teatro, onde cada personagem é humanizado e tem vida própria, exceto, é claro, os pequenos personagens funcionais que não tem espaço para maior desenvolvimento como um garçom, um carteiro, etc.

3 – Teatro (drama) é ação. A velha máxima é a mesma desde os gregos e se mantém inalterada. E se mudar, deixa de ser teatro[*]. Pelo menos como o conhecemos. Ação é a essência do personagem. É através dela que se revela o coração, a mente, a mudança e o crescimento do personagem: comprar roupa é o desejo de mudar ou melhorar a aparência; telefonar é o desejo de se comunicar; rir é expressar satisfação, surpresa, felicidade.

A ação pode ser interna, contida nos limites da fala e da pausa. O movimento físico não implica necessariamente em ação dramática e nem mesmo em caracterização. Há muita peça cheia de correria e sem ação dramática.

Ação dramática é aquela que tem relação significativa com o enredo, ou seja, que provoca uma conseqüência, seja ação física ou não, seja ela de caracterização ou não.

Exemplo: servir-se de uma bebida antes de dirigir automóvel ou ao chegar de uma reunião dos Alcoólicos Anônimos pode ter consequência dramática, mas simplesmente beber em cena seria apenas uma parte da caracterização criada pelo autor ou pelo ator que representa o papel, mas não é uma ação dramática.

Já é clássica a comparação entre o lenço de Desdêmona e um lenço qualquer. Deixar o lenço cair porque o personagem tem o hábito de esquecer coisas é uma caracterização (talvez pelo dramaturgo?); deixar cair porque o personagem gosta de flertar é caracterização (talvez pela atriz?), mas quando Desdêmona deixa o lenço cair se configura um momento crucial no enredo, devido às suas consequências.

Também o diálogo, quando leva a uma mudança de tom ou de comportamento, a uma revelação, uma complicação ou uma resolução, estará desenvolvendo o enredo, levando o movimento dramático para frente mesmo que os atores fiquem estáticos. A ação interna do diálogo é o movimento dramático.

Exemplo:

Marido – Por que você quer ir embora?
Cunhada – Você não percebe?
Marido – Não. E sua irmã também não.
Cunhada – Ainda bem.
Marido – Como assim?
Cunhada – Eu te amo!

Esse diálogo seria uma ação dramática porque provocaria outras ações, seja em comédia ou tragédia. A ação é o maior fundamento do teatro (na verdade, do drama) e sem ela não há jogo, não há espetáculo (na verdade, espetáculo que prende totalmente o espectador). Isso não quer dizer que o movimento físico não seja desejável. Ao contrário, uma vez que o teatro é um espetáculo essencialmente visual, a ação física é fundamental em muitas das grandes obras primas.

Em Hamlet (geralmente considerada uma peça introspectiva) há mais peripécia física do que na maioria das peças: fantasma, esconde-esconde, lutas, mortes (até no enterro tem briga), viagens etc., todas altamente dramáticas e essenciais ao enredo.

Em Romeu e Julieta, a luta de espadas entre Teobaldo e Mercútio acaba sendo uma ação dramática de consequências imprevisíveis na disputa entre Capuletos e Montéquios.

4 – Teatro não é "historinha". Essa é uma importante orientação dada por dramaturgos experientes. Embora uma peça tenha começo, meio e fim, essa não deve ser a preocupação do autor. Ele simplesmente desenvolve a ação dramática, que por sua vez provocará outra ação e assim por diante. A história, automaticamente, se fará de ações lógicas e consequentes.

Talvez daí venha uma outra importante dica dos dramaturgos que nos orientam a começar com uma situação que já esteja armada: comece com cena que você tem na cabeça; ou: comece pelo clímax da peça; ou: não tente fazer uma historinha desde o começo. Porque isso pode bloquear o processo criativo e porque o importante é a lógica da ação e não a da cronologia. Em volta da cena que você tem na cabeça a peça começa a se formar, seja em ações para a frente (em direção ao fim da peça) ou para trás (em direção ao começo).

São apenas sugestões. Não há nenhuma receita. Se alguém prefere escrever como um romancista que puxa uma frase atrás de outra até o final, que o faça, mas esse é o mais contraproducente. Mesmo o romancista arma antes um esquema ou argumento. É sempre melhor primeiro escrever um esboço da história e depois preencher o esqueleto. Cada um perderá menos tempo com seu próprio método. Certamente qualquer método é melhor do que tentativas de erro e acerto sem noção de como usar o material.

Arme uma situação concreta com ramificações aos diferentes personagens da cena (ação). Crie ações que signifiquem, incluam ou mostrem o conteúdo, a idéia, o tema.

Isso sem falar nas revisões porque talvez aí esteja o pulo do gato. É no processo final de revisão que o autor pode até descartar a idéia inicial da peça, inverter, cortar, mudar e afinar detalhes que darão aquele último toque “mágico” do artista.

5 – Não se pode escrever sem saber o que se quer dizer.

A dramaturgia não foge à regra. O vislumbre criativo pode vir de qualquer fonte: um sonho, uma notícia de jornal, um livro, um incidente no trabalho, em família ou na rua, a experiência pessoal, profissional, amorosa, a experiência de terceiros, uma piada, interesse pelo comportamento de uma pessoa ou grupo (futuros personagens) uma outra peça ou filme, etc. É no trabalho com essas imagens que o dramaturgo se torna um pensador e desenvolve um tema.

Contudo, antes do tema é preciso ter o assunto a tratar - por exemplo: amor, ciúme, ambição, ganância, fanatismo, terrorismo, valores ultrapassados, tradição, etc. Tudo isso são assuntos mas não ajudam muito porque lhes falta uma idéia: assunto + idéia = tema.

Eis um assunto com uma idéia, um tema: O amor pode ter consequências trágicas (Abelardo e Heloisa?)

Outros: A tradição pode ser uma prisão/libertação (Abelardo e Heloisa?); O amor pode tornar o amante completamente irresponsável sobre a conseqüência de seus atos (Romeu e Julieta?); O amor pode transformar dois adolescentes ingênuos e sonhadores em adultos firmes e decididos a enfrentar o mundo (Romeu e Julieta?); O ciúme é uma doença que pode destruir a pessoa (Otelo?); A retidão de caráter aliada a uma certa ingenuidade pode ser uma perigosa armadilha (Otelo?).

Se o assunto precisa de uma idéia, esta precisa de uma situação, um estado de coisas que somente se desenvolve através dos personagens.

Eis a equação: tema + situação + personagens = enredo.

Embora uma peça seja uma seqüência de situações (ou seja, de ações), elas nem sempre são situações dramáticas e, portanto não constituem teatro.

Exemplo: acordo cedo, tomo café, vou trabalhar, volto à noite e vou dormir.

Não há nada de dramático aí porque não há um incidente que provoque uma ação e outra e mais outra. Além disso, quem provoca o incidente é (naquele dado momento) o personagem mais importante.

Exemplo: acordo cedo, tomo café (quando meu chefe me telefona para anunciar que estou despedido).

Neste momento sou o personagem “passivo” e meu chefe é mais importante. Este incidente pode ter conseqüências de acordo com os personagens e a trama que o autor desenvolve:

assunto + idéia + personagens + situação + incidentes = enredo.

O movimento (ação dramática) em uma peça é contínuo até o final da peça – um incidente leva a outro – sempre ligado à idéia guia, ao tema central.

Uma peça pode ter ainda vários outros temas paralelos e subsidiários ao tema principal.

Finalmente, não importa se alguém começa a escrever sem saber direito ainda o que quer dizer, mas as coisas somente vão se encaixar, arredondar, quando souber exatamente o que quer dizer.


[*] Talvez pudéssemos dizer: teatro é ação. Mas teatro aceita tudo, desde esquete, happening, performance, aula-espetáculo e até "strip-tease" (que não deixa de conter telementos “dramáticos”, como instigar o interesse do público, prometendo coisas mais interessantes para logo mais). Portanto, o drama se restringe a apenas uma das categorias do teatro, embora, certamente, a mais volumosa, bem sucedida e funcional. em todas as épocas. Como tudo é dinâmico e se transforma, não podemos deixar de mencionar a importante emergência da figura do “encenador moderno” – aliás, herdeiros ou de alguma forma seguidores de Appia, Reinhart, Meyerhold ou Piscator - em contraposição ao diretor e até ao dramaturgo tradicionais. Há mesmo algumas memoráveis e já históricas criações de alguns luminares dessa corrente (independentemente de suas carreiras tradicionais) como Robert Wilson, Mnouchkine, Peter Brook e o nosso Antunes Filho, que em muitas instâncias colocam em xeque a dramaturgia tradicional. Contudo, no que tange à “ação dramática”, quanto mais eles contestam a concepção original, menos interessantes se tornam seus espetáculos. Reinventar a roda? Ora, o “truque” já funciona há pelo menos 2.500 anos. Nada contra a inovação e o progresso. É preciso correr riscos, mas se preceitos fundamentais de uma determinada técnica são rompidos, o risco não seria o risco natural da criatividade, mas o de se inventar uma terceira coisa (como aliás, o hoje chamado pós-drama) que ainda seria teatro, mas não seria dramaturgia. Isso, a nosso ver, leva à perda de força do encantamento.



(Land Leal é tradutor e homem de teatro e tem o saudoso Barale Neto como modelo de homem de teatro total. )