Para ilustrar as idéias que desenvolveremos sobre o herói épico e o herói dramático, vamos usar Édipo e Galileu como exemplos modelares de seus gêneros, por considerarmos ÉDIPO REI a tragédia por excelência, ou seja, o modelo de todas as tragédias e GALILEU GALILEI o produto mais bem acabado do teatro épico.
(Denise Fraga, no papel de Galileu - S.P. 2015)
Na tragédia, a saga do protagonista tem finalidade catártica e, no teatro épico, anagnótica. Até aí, nenhuma novidade. Mas é justamente o tipo de catarse e o tipo de anagnose que desejamos analisar.
Édipo tem uma vontade (descobrir a verdade) que, ao encontrar um obstáculo, volta-se contra ele mesmo. É o detetive que busca um assassino que, por acaso, é ele mesmo. Seu destino, traçado ou não pelos deuses, conhecido ou não por ele mesmo, segue um caminho inexorável. Mas Édipo não é um assassino frio e cruel. Ele assim se torna à medida que se descobre, à medida que se conhece a si mesmo, num processo de mudança de qualidade contínua até o ato final da revelação de quem é ele, culminando na crise, no arrependimento e na autocondenação. Édipo arranca os olhos e esse ato, muito mais que provocar a dor física, simboliza a condenação fatal de obrigá-lo a voltar-se para dentro de si, num processo de autocontemplação definitiva do ser monstruoso que ele se tornou. O castigo do herói leva a platéia, através da emoção catártica, a mitigar seus próprios crimes, saindo do teatro com a sensação de limpeza de alma. “Alguém pagou por mim um crime que eu poderia vir a cometer”. Nesse sentido, a catarse do protagonista é a catarse do público. Algo semelhante fazem todas as igrejas cristãs: “através do sacrifício, da oração ou da confissão, eu participo do sacrifício do Cristo que morreu para me salvar. Então, eu também estou salvo”. Pelo menos, até cometer o próximo pecado. O público da tragédia também está salvo, pelo menos até cometer o próximo crime, não necessariamente o mesmo cometido pelo protagonista.
Galileu também tem uma vontade (também a verdade) que, ao encontrar um obstáculo, volta-se contra ele mesmo. Mas termina aí a diferença entre ele e Édipo. Galileu não é um herói na mesma acepção do trágico. Ele é um homem comum, um cientista que acredita naquilo que pensa, mas não está disposto a dar a vida por essas idéias. Nesse sentido, Galileu sempre foi assim. Na sua trajetória rumo à crise, ele não muda de qualidade, pelo menos não no sentido que se atribui essa expressão em relação a Édipo - o autoconhecimento, a revelação daquilo que ele não era e passa a ser, à medida que a ação se desenvolve. Galileu não, ele já é o que é, quando inicia sua trajetória. A ação tem por finalidade revelar ao público aquilo que ele é. Não há catarse do herói, mas esta é transferida ao público. Como não é possível haver catarse coletiva (já que os crimes não são os mesmos para todos), ela se transforma em conhecimento de que o sofrimento do herói tem causas exógenas ao protagonista. A culpa não está nele, mas na estrutura social, política ou religiosa em que ele está inserido. Assim, em vez de comover-se, o público, teoricamente, revolta-se. Por isso o teatro de estrutura brechtiana torna-se um teatro revolucionário, épico, no sentido de afastamento, de não envolvimento do protagonista na ação dramática, mas de transferência para o publico do julgamento de suas ações frente a uma realidade.
ISAIAS EDSON SIDNEY
S.P.26.3.97
Oi, querido.
ResponderExcluirVc me falou do seu blog no dia da leitura da minha peça "Quadrantes", no Letras em Cena.
Demorei de acessar por conta da correri da vida. MAs cá estou finalmente.
É um prazer ser a nova frequentadora desse espaço dedicado à dramaturgia.
Um gde abraço e parabéns pela iniciativa,
Uirá Irahcema
o que é anagnose?
ResponderExcluir