segunda-feira, 5 de outubro de 2009

O HERÓI ÉPICO E O HERÓI DRAMÁTICO, por Isaias Edson Sidney







Para ilustrar as idéias que desenvolveremos sobre o herói épico e o herói dramático, vamos usar Édipo e Galileu como exemplos modelares de seus gêneros, por considerarmos ÉDIPO REI a tragédia por excelência, ou seja, o modelo de todas as tragédias e GALILEU GALILEI o produto mais bem acabado do teatro épico.


(Denise Fraga, no papel de Galileu - S.P. 2015)


Na tragédia, a saga do protagonista tem finalidade catártica e, no teatro épico, anagnótica. Até aí, nenhuma novidade. Mas é justamente o tipo de catarse e o tipo de anagnose que desejamos analisar.

Édipo tem uma vontade (descobrir a verdade) que, ao encontrar um obstáculo, volta-se contra ele mesmo. É o detetive que busca um assassino que, por acaso, é ele mesmo. Seu destino, traçado ou não pelos deuses, conhecido ou não por ele mesmo, segue um caminho inexorável. Mas Édipo não é um assassino frio e cruel. Ele assim se torna à medida que se descobre, à medida que se conhece a si mesmo, num processo de mudança de qualidade contínua até o ato final da revelação de quem é ele, culminando na crise, no arrependimento e na autocondenação. Édipo arranca os olhos e esse ato, muito mais que provocar a dor física, simboliza a condenação fatal de obrigá-lo a voltar-se para dentro de si, num processo de autocontemplação definitiva do ser monstruoso que ele se tornou. O castigo do herói leva a platéia, através da emoção catártica, a mitigar seus próprios crimes, saindo do teatro com a sensação de limpeza de alma. “Alguém pagou por mim um crime que eu poderia vir a cometer”. Nesse sentido, a catarse do protagonista é a catarse do público. Algo semelhante fazem todas as igrejas cristãs: “através do sacrifício, da oração ou da confissão, eu participo do sacrifício do Cristo que morreu para me salvar. Então, eu também estou salvo”. Pelo menos, até cometer o próximo pecado. O público da tragédia também está salvo, pelo menos até cometer o próximo crime, não necessariamente o mesmo cometido pelo protagonista.

Galileu também tem uma vontade (também a verdade) que, ao encontrar um obstáculo, volta-se contra ele mesmo. Mas termina aí a diferença entre ele e Édipo. Galileu não é um herói na mesma acepção do trágico. Ele é um homem comum, um cientista que acredita naquilo que pensa, mas não está disposto a dar a vida por essas idéias. Nesse sentido, Galileu sempre foi assim. Na sua trajetória rumo à crise, ele não muda de qualidade, pelo menos não no sentido que se atribui essa expressão em relação a Édipo - o autoconhecimento, a revelação daquilo que ele não era e passa a ser, à medida que a ação se desenvolve. Galileu não, ele já é o que é, quando inicia sua trajetória. A ação tem por finalidade revelar ao público aquilo que ele é. Não há catarse do herói, mas esta é transferida ao público. Como não é possível haver catarse coletiva (já que os crimes não são os mesmos para todos), ela se transforma em conhecimento de que o sofrimento do herói tem causas exógenas ao protagonista. A culpa não está nele, mas na estrutura social, política ou religiosa em que ele está inserido. Assim, em vez de comover-se, o público, teoricamente, revolta-se. Por isso o teatro de estrutura brechtiana torna-se um teatro revolucionário, épico, no sentido de afastamento, de não envolvimento do protagonista na ação dramática, mas de transferência para o publico do julgamento de suas ações frente a uma realidade.


ISAIAS EDSON SIDNEY
S.P.26.3.97

2 comentários:

  1. Oi, querido.
    Vc me falou do seu blog no dia da leitura da minha peça "Quadrantes", no Letras em Cena.
    Demorei de acessar por conta da correri da vida. MAs cá estou finalmente.
    É um prazer ser a nova frequentadora desse espaço dedicado à dramaturgia.
    Um gde abraço e parabéns pela iniciativa,
    Uirá Irahcema

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