domingo, 19 de maio de 2013

LAND LEAL ESCREVEU...




ADEUS, CRÍTICA!


Drama é: ação e conflito, em sequência ascendente de causa e efeito, com começo, meio e fim, mas não necessariamente nessa ordem.                                                                                          

                                                                                                Aristóteles




                Considere o público. Nunca o tema nem o despreze. Provoque encanto,  charme ou mesmo adulação; provoque estímulo, interesse ou mesmo  choque. Faça o rir e chorar, mas acima de tudo... nunca, nunca, nunca aborreça.                                             

                                                                                                          Noel Coward

                      Uma peça de 10 minutos parecerá ter uma hora se fizer isso depois  daquilo. Uma peça de uma hora parecerá ter 10 minutos se fizer isso por  causa daquilo.
                                                                         
                                                                                                           Aristóteles


(Brecht: A alma boa de Setsuan)

            Alguém tem de assumir o papel do chato. Em tempos passados a Bárbara Heliodora era péssima na crítica a atores (especialmente aos jovens atores) e chegava às raias da falta de educação. Hoje, nesse quesito, tudo para ela não é escola de samba mas é “10!!!”. Especialmente se forem celebridades. Mas em tudo o mais ela era da maior seriedade e competência, embora assumindo o papel de chata de plantão.

Por que é que sempre repito a mesma coisa? Porque pago para ver e tenho o direito de espectador.

Adeus crítica. Nem vou mais comentar espetáculos épicos, descritivos, narrativos depois de ver tantos belos artistas jogarem fora o bebê junto com a água da bacia.

Quero apenas lembrar que é IM-PO-SSÍ-VEL impor uma arte sobre outra dentro dos meios de expressão e gênero da outra. (Claro está que não estou me referindo a shows, dança, performance, stand-up, esquetes, etc.)

Se o Brecht que é o super BB não conseguiu impor o épico sobre o dramático e depois pediu arreglo, por que tanta gente quer reinventar a roda? Podem dizer que é intencional, experimental, etc. Mas o que vejo nesses espetáculos é uma platéia (geralmente pequena) passiva, de olhos alheios, com a tradicional finura do público brasileiro sempre apoiando o esforço dos atores no final, mas encantamento mesmo que é bom, necas de pitibiriba.

Às vezes me dizem que dramaturgia é uma coisa superficial e linear. Ora:


 i) linearidade é apenas uma ferramenta que a história pode pedir ou não. Edipo Rei, a mãe de todas as peças, não apenas não é linear, como funciona de trás para a frente, como um filme policial onde o “detetive” só descobre o criminoso no final, que é ele próprio. É mole? Melhor que Hollywood; 


ii) já a superficialidade vem do artista e não do gênero.

Com todo respeito e carinho que tenho pela coragem e ousadia de tão belos artistas, fica a sensação de desinformação sobre sua própria arte. 

Claro, pode haver compensações em alguns espetáculos com dança, expressão corporal e vocal, artes visuais refinadas, etc. Mas tudo isso no palco (no caso de uma suposta peça: drama, comédia, farsa, melodrama, tragédia) não passa de coadjuvantes à dramaturgia. Sem ela, sem a ascenção de causa e efeito, com riscos cada vez maiores, nada feito.

Por que é que vocês acham que Hollywood e a Rede Globo faturam milhões? Porque são rasos? Nunquinhas. É porque fazem dramaturgia, porque fazem para as pessoas, para o público, para o povo, e não para “brilhar”. Arte é feita para quem então? Para uma plateia cult? Na-na-nin-na-não! Arte é popular por natureza. (Atenção: Nada a ver com a apelação “popularesca”  a qualquer custo).

O gênero drama (na acepção de dramaturgia) é uma máquina tão infernal de encantamento que dá sustentação até às coisas rasas. É como um rio, que mesmo raso, quando tem margens (estrutura, caixa, encaixe), seguirá seu curso.


PS – Por exemplo:

i)                            Não sei como um homem da experiência do Marcos Fayad se fixa e goste tanto daquele papo à toa, digo, Artaud, digo, careca. Já não era bom com o Rubens!? Mas fica tempos em cartaz!? Será que o público gosta tanto do papo com os artistas como compensação depois do espetáculo após a bunda doer e segurar os pigarros?

ii)                         Ver duas atrizes de primeira linha como Lorena da Silva (As Regras do Bem Viver...) e Ester Jablonski (Silêncios...) jogando contra e ainda jogar o público contra é uma pena. Onze contra dez já é uma covardia, imagine dois contra um? Lástima ainda maior porque o material humano (histriônico) delas é “dukha”!



1 - TRABALHOS DE ATOR “PERDIDOS”
  
(Policarpo Quaresma)


Há enormes diferenças entre a montagem de Policarpo Quaresma (Antunes Filho, Rio/2011), e Palácio do Fim (José Wilker, Rio/2011). Contudo, a crítica é semelhante. Mais incisiva a este último, por ser totalmente épico e o outro apenas epicizante. O premiado texto da eminente dramaturga canadense Judith Thompson, Palácio do Fim, foi montado com atores célebres e sucesso de crítica. O público também afluiu, aparentemente sustentado em boa medida pelos dois primeiros fatores. O diretor descobriu o texto em espetáculo produzido por um grupo chamado The Epic Ensemble Theater (Teatro de Repertório Épico) em Nova York.

Aproveitando o que há de pior em Brecht - a própria concepção epicizante -  como não poderia deixar de ser em grupo com esse propósito. E também algo do que há de melhor: texto político e corajoso que denuncia tanto crimes do Império Hegemônico quanto do regime de Saddam Hussein. Além de trazer um personagem com alguns traços do Galileu Galilei de Brecht. Como se vê, há uma dialética, um jogo de contrários, embora totalmente épica, isto é, deslocada de seu melhor meio de expressão, a literatura. Diferente de Brecht, vai às útimas consequências do épico, sem dar chance ao jogo dramático, algo de que Brecht não apenas não conseguia se livrar como ainda teve tempo de reconsiderar ao final de sua trajetória.   

Embora o texto seja um tanto documental, a habilidade de Thompson nos traz contundentes “personagens” e, portanto, certa “dramaticidade”. Mas, intencionalmente ficam presos no discurso, na narração, na história contada, mas não dramatizada.  

Nem o profissionalismo dos artistas envolvidos e nem mesmo a interpretação de Vera Holtz, em sensivel trabalho de força vesus contenção, poderia “salvar” uma peça que fica na periferia do drama, quaisquer que tenham sido os motivos para a opção anticlimática de Thompson. Talvez permaneça aí o equivocado conceito de que determinadas representações no palco só possam ser feitas através do épico.

A confusão entre literatura e drama é uma onda que parece ganhar cada vez mais força, juntamente com o performático, o pós-dramático e o, digamos, “desconstrutivismo”. Contudo, de modo geral (exceções à parte), nem de longe se sustentam no palco ao nivel da velha e boa dramaturgia.

Na mesma linha, a excelente atriz Dani Barros leva ao palco uma adpatação do filme documentário Estamira – Beira do Mundo (Marcos Prado, Brasil/2004). Espetáculo classificado de “excepcional”, por Bárbara Heliodora: “Nada seria o mesmo, no entanto, sem a excepcional atuação de Dani Barros que, como a diretora, foi também parte da criação do texto” (O Globo, 11/12/2011).

Cada artista tem suas livres opções. Entretanto, o teatro de representação do documental tende ao antidramático em seu sentido “puro”, não apenas por ser naturalmente épico, mas por transformar o documento real e visceral do filme em representação. 

Do ponto de vista do artesanato dramatúrgico, a equação é o exato oposto. Por mais talentoso que seja o ator, a desdramatização empobrece o espetáculo e não ultrapassa as fronteiras do encantamento natural da forma específica para a ficcionalização cênica.

Não se trata de imposição formal* ortodoxa, purista e muito menos temática.  Apenas de técnica mais apropriada a determinado meio de expressão. Arte é sempre convenção, mas em relação aos meios de expressão e ao material uma convenção é mais apropriada ou eficaz que outra.

Do ponto de vista dramatúrgico, todas as experimentações são válidas, desde que submetidas ao crivo dramático. O drama é o centro ou ao menos abrange 50% + um ponto, mesmo que em mínima fração. E nem se trata de forma ou estética, mas da essência do jogo cênico, isto é, de ação e conflito. Caso contrário, perde-se força gravitacional, de atração e concentração. Qualquer outra dispersão seria, do ponto de vista da dramaturgia, trabalhos de ator - e diretor, figurinista, etc. – “perdidos”, ou melhor, esvaidos. Sem eixo e direção ou, na melhor das hipóteses, fragilizados em pontos de envolvimento e encantamento. Por isso mesmo, menos consistentes.    




Em outra vertente, o espetáculo performático Por que Você é Pobre (Tania Alice/Coletivo Heróis do Cotidiano/Rio/2012) que, em termos de gênero é uma arte híbrida atinge uma intensidade ao mesmo tempo dramática e documental de visceralidade e singeleza que vai além e acima do drama enquanto forma. Talvez por ser real, ao vivo e a cores no caso do depoimento pessoal das duas atrizes. No sentido de um teatro ao mesmo tempo pessoal e de crítica social, isso nos parece o sonho alcançado de um Brecht ou um Boal. Ou seja: tudo é possível. Mesmo assim, ainda fica um ranço de experimentação formal. O público não quer saber disso. Pergunto sempre. Eles querm uma história bem contada nos termos dos filmes e novelas, ou seja, ação e conflito.






Já a comédia Sem Pensar  (Anya Reiss/Rio/2012), embora escrita por uma adolescente, mostra como se faz uma peça longa. Com personagem, ação e linha de ralcionamento principais, com vários outros eventos/personagens significativos e suas respectivas linhas de ação e relacionamento. 


  * Veja-se, por exemplo, o caso de duas peças da incensada dramaturga francesa Yasmina Reza (O Deus da Carnificina e Arte) ambas em cartaz no Rio em 2012. São peças com estrutura de peça curta (apenas um evento ou incidente significativo) espichadas para duração de peça longa. O resultado é a verborragia e o anticlímax, quando poderiam ser duas excelentes peças curtas.


2 - ARTES VISUAIS CONTEMPORÂNEAS


(Jeff Koons)

As artes visuais em nosso mundo pós-moderno é de uma profusão criativa e democrática sem paralelo na história. Por dois motivos, já que se expressam em: i) escala planetária; ii) quantidade e variedade impensáveis no passado.   
                             
O que era pura genialidade criativa dos renascentistas Bosch e Bruegel ou dos modernos Dali e Picasso, hoje é quase prática diária, ao menos em termos de ousadia. Freud e Marx explicam?        
                                
Além disso, a mimese hoje não passa de rico detalhe opcional nas artes visuais. Contudo, a mimese é a própria razão de ser da dramaturgia. Daí sermos obrigados a um olhar mais crítico sobre as artes visuais ao colocar termos de comparação. 

Em 1917 Marcel Duchamp (1887-1968) exibiu um urinol como obra de arte. De lá pra cá as coisas começaram a mudar. As artes visuais contemporâneas, no rastro desse conceito, dependem mais de um mercado elitista do que da comunicação com o público. Trata-se de grandes eventos via instituições e museus. Jogo de publicidade e celebridades. De investimentos financeiros no mercado bursátil, antes e acima de qualidades técnicas individuais ou tradicionais.

          Por outro lado, se não se exige do artista visual de hoje o domínio técnico e artesanal, é verdade que, como no Renascimento, os artistas célebres têm equipes de especialistas trabalhando para eles. O que importa hoje é a ideia. Mesmo que baste um “conceito” e a ideia não diga muito a que veio. A realização técnica é trabalhada pela equipe, embora dirigida pelo artista. 

          Há artistas que ficam famosos antes mesmo de produzir trabalhos significativos, tamanha a importância da promoção pessoal e das conexões com galerias, curadorias e a mídia. Que o diga Jeff Koons, o escultor de obras multimilionárias. O próprio Andy Warhol, que começou como excelente artista gráfico, reiventa a pop art com a reprodução em massa da mesma ideia. Obras ao mesmo tempo críticas e absorvidas pelo sistema, como quase sempre. Tanto nesse sentido como no sentido comercial as artes visuais alcançam maior prestígio que o teatro, a música e o cinema experimentais.

Atualmente o crítico de arte já não tem a mesma importância que teve no passado. Hoje quem manda é o curador, geralmente um teórico de arte bem preparado que está ligado a uma universidade ou museu. Isso não é bom nem ruim. É a realidade.

As artes visuais, por outro lado, são uma espécie de termômetro do enriquecimento material e cultural da sociedade. Novos artistas e galerias aparecem, o consumidor se sofistica, seja em termos de gosto decorativo ou, digamos, “filosófico”, buscando obras que levem a maior reflexão.

Contudo, o movimento experimental, “pós-tudo” e “vale tudo” está presente e com muita força.

          A nós interessa o fato de que essa energia e conceito invadiu o teatro e domina boa parte dele. O que fazer? Para quem, ao menos *em tese, não quer ficar no gueto de um público restrito e da encenação de si mesmo, a saída é a outra porta.


*Falamos “em tese” porque o teatro é, na maioria das vezes, “de pobres”, ou seja: pequenos grupos, pouco investimento e quase nenhuma publicidade. Portanto, o público aí também será em boa medida,  restrito.
      
          Para quem se interessa por dramaturgia, o conceito, a atividade, o artesanato e a arte são o exato oposto. Os valores são invertidos e a comunicação com o público é o valor máximo, embora não a qualquer preço. Obviamente verdade e criatividade são partes inerentes em qualquer  arte.  

O próprio Picasso tinha uma posição que serve aos dois lados. Para ele a arte não precisa de explicação nem de racionalização, assim como não se explicam o canto dos pássaros ou as belezas naturais. Elas se comunicam por si mesmas, uma vez aferido o olho humano. Mas esse é o problema. Em que nível técnico ou comunicativo, uma vez que o primeiro é instrumento do segundo?

No caso da música o ouvido é a via direta aos sentimentos e à emoção. A dança é movimento e pode-se daí extrair dramaticidade. Na canção a “letra” é o “drama”. A ópera inverte a equação e faz drama via música, etc.

Na esfera da cena (estética) em combinação com o texto falado (racionalização) a dramaturgia é o meio mais eficaz para tocar fundo em problemas centrais ao indivíduo e à sociedade. E ao mesmo tempo encantar o público, seja em palco, tela, quadrinhos ou rádio. É o dedo na ferida e o sopro na alma. 


3 - TEXTO, CONTEXTO, SUBTEXTO



(Lisístrata)

De volta à estaca zero, a Aristóteles. A estrutura (trama ou ordenação dos incidentes) é o que há de mais importante. Em uma peça ou roteiro há coisas feitas, ditas e pensadas. Mas as personagens só podem dizer e pensar através da ação, que é a essência da estrutura. Sair dessa linha é sair do drama (ação) e partir para o épico e outras contrafações menos votadas.

            Ação dramática não é a representação de personagens. Estas é que são subsidiárias das ações ou delas afloram. Marx se encontra com Aristóteles quando diz que a consciência é fruto da realidade objetiva e não o inverso. Naturalmente há um retorno, uma retroalimentação da personagem e da consciência à realidade e às ações. Uma relação dialética, enfim. 

            O guia para análise de um texto dramático é a ação, ou seja, as coisas feitas. As coisas pensadas ou ditas, à ação se submetem ou à luz da ação se revelam. Para saber o que a personagem diz precisamos saber o que ela pensa, pois às vezes ela diz o contrário do que pensa. E para saber o que ela pensa necessitamos observar a ação.

            Não há como fazer inferências generalizantes com base em falas esparsas e fora do contexto da ação. A cena seguinte pode contradizer, via ação, o que aparentemente era a verdade da personagem.

            Eis porque se constrói a personagem a partir das ações realizadas ou recebidas.   

terça-feira, 30 de abril de 2013

MONÓLOGO







(Denise Stoklos)




O monólogo é um texto para um só ator.

Simples, assim, a definição esconde algumas armadilhas para o dramaturgo. Porque muitos pensam que um monólogo é uma história contada por um só ator, no palco, com começo, meio e fim. E não é bem assim.

Se não, vejamos.

Primeiro, o monólogo pode, sim, ter mais de uma personagem. E isso pode enriquecê-lo, torná-lo mais dinâmico. Claro que todas as personagens serão interpretadas pelo mesmo ator, com recursos variáveis, desde mudança de voz até mudança de figurino e cenário, conforme for possível e for determinado pela direção.

Segundo, o monólogo deve conter os elementos básicos do drama (drama, propriamente dito, e comédia): uma ideia central, conduzida por um protagonista, através da ação central da peça; ação presente de cena, isto é, o ator vive no palco, naquele momento, as ações da peça; um obstáculo a ser transposto pelo protagonista, o que vai levá-lo a mudar de qualidade, isto é, a tornar-se aos olhos do público uma personagem cada vez mais complexa a cada cena (verticalização).

Terceiro, como dissemos, o monólogo não é um texto com exatamente uma história linear, mas um texto construído à base da reiteração. A partir de uma ideia central, que se repete e se repete, de forma cada vez mais profunda, o texto deve revelar a cada repetição uma faceta do protagonista, seus anseios, suas motivações, seus pensamentos etc. É essa reiteração (repetição circular de um tema central) que diferencia o monólogo do drama comum e que o torna realmente teatral, sem aquele discurso linear que se come pelas pontas - com um fato levando a outro, a outro, a outro - que faz com que o monólogo entre em entropia, perca energia e se torne chato, muito chato.

No caso do monólogo cômico, o autor, muitas vezes é atraído para esse tipo de discurso linear, porque, apesar de ruim dramaturgicamente, ele acaba funcionando na base do carisma do ator ou da sequência de piadas. Mas isso transforma o texto numa espécie de stand up ou de show de narrativas divertidas, que iludem o público, ao não apresentar de forma consistente a ideia central da peça e não permitir que se conheça com profundidade o protagonista.  Não é, definitivamente, bom teatro.