A tragédia grega teve o seu tempo e seus autores. Construiu, sobre a miserabilidade humana, uma forma ideal de arte que se eternizou em textos inexcedíveis de beleza e compreensão do homem. Mergulhou fundo. Para atingir o sublime, não poupou suas personagens, mergulhou-as nas mais profundas raízes do amor e do ódio, da solidariedade e da vingança, do rancor e do incesto, matizando todas as formas de sentimentos, purgando crimes e apontando o caminho trágico do homem sobre a terra.
Da tragédia grega nasceu o drama moderno. Teve em Shakespeare o seu fundador e seu gênio maior. O drama moderno contempla novas formas de averiguar a consciência e as dores do homem. Também não poupa suas personagens, abrindo a caixa de ferramentas da sordidez e do sublime que o homem traz consigo em sua trajetória em busca de algo que não sabemos bem o que é, mas que alguns denominam felicidade.
São as duas formas tradicionais de teatro. Se bem que há, ainda, o Brecht, a apontar ao homem o caminho da ética, através da epicidade de suas personagens cuja tragédia é a perplexidade diante da escolha entre o bom e o mau caminho, entre a polis (o belo) e o inferno da miséria (o horror, seja da guerra, seja da falta de solidariedade).
E a comédia, onde entra?
Na verdade, eu creio que a comédia é a cunha que perfura o tecido da tragédia ou do drama, para mostrar o caos e a vergonha. Ou seja, a comédia é apenas o lado tosco e, por isso, mais trágico ainda, do espectro humano em seu caminho de angústias. Por trás de toda comédia, há o lado obscuro do trágico e do drama. Do cadinho das emoções humanas, o riso sempre esconde o trágico, para torná-lo mais trágico. Rimos de nós quando somos toscos, idiotas, traídos, enganados e pisoteados, seja pela vida, seja pelo poder, seja por nossas próprias escolhas enganosas.
Por isso, os dois maiores recursos da comédia: a automação e o inusitado. A automação (e sua quebra) revela as nossas semelhanças diante dos fatos da vida, aquilo que temos que todos têm, o que já constitui, em si, uma tragédia (ou um drama): pensamos que somos espertos ou sublimes, mas somos os idiotas e toscos de sempre. Já o inusitado (ou inesperado) rompe a mesmice do cotidiano conhecido para mostrar a mesmice de nossa psique desconhecida,quebrando automatismos que ignorávamos, o que revela a nossa soberba e a nossa estupidez.
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