sábado, 17 de outubro de 2009

RUY JOBIM NETO ESCREVEU:

GALEANO TECE O INVENTÁRIO NOSTÁLGICO DA AMÉRICA




Na Cúpula das Américas, em abril de 2009, em Trinidad e Tobago, quando o presidente venezuelano Hugo Chávez deu de presente ao colega norte-americano Barack Obama um “livro obscuro” (nos óbvios termos do site da rede de televisão CNN), um encontro de duas Américas pretendia acontecer. Este “livro obscuro”, em sua versão em inglês, era simplesmente um dos maiores clássicos contemporâneos latino-americanos, “As Veias Abertas da América Latina”, escrito pelo uruguaio Eduardo Galeano.

Pois é exatamente um outro lado de Galeano, bem diferente do jornalístico e crítico já tão conhecidos, uma outra vertente deste escritor genial - um homem que segundo ele mesmo diz, formou-se na Universidade da vida - que retorna a São Paulo num belíssimo trabalho do Grupo Teatro do Fubá, “O Inventário das Sensações Perdidas”. O espetáculo reestréia dia 17 de outubro, sábado, ficando em cartaz até 1º. de novembro na Vila Maria Zélia, no Belenzinho (Zona Leste de São Paulo). Vale muito a pena ver.

O Teatro do Fubá estreou o espetáculo, em 2008, na própria Vila Maria Zélia, e depois cumpriu temporada na Casa de Dona Yayá (Centro de São Paulo), na primeira metade de 2009.

Foram dois anos de processo, como explica uma das produtoras da montagem dirigida por Ronaldo Serruya, a também atriz do elenco Gisele Lavalle. “O Inventário” se vale de segmentos de textos variados do autor de “As Veias Abertas”, enfocando basicamente na prosa poética do uruguaio. É a própria América Latina, pela visão de Galeano, em sua vastidão de território e nostalgia, que salta às mentes e aos corações da platéia.

São duas atrizes (Gisele Lavalle e Flávia Naves) e dois atores (João Júnior e Paulo Plácido) que trazem à cena um conjunto de textos de Galeano (alguns estão em obras dele como “O Livro dos Abraços”, “Mulheres”, “Espelhos” e outros) sob a forma do teatro narrativo. A América Latina de Galeano é apresentada sob a forma de cartas, de pequenas histórias de pessoas comuns, gente do dia-a-dia, viventes latino-americanos, e é onde reside a beleza intrínseca da montagem.

Os atores estão envoltos numa atmosfera lírica, entre velas, pedaços de espelhos e porções de água, levando a pulsação do povo simples da América Latina aos patamares da memória pessoal e coletiva.

É uma pulsação latente, latina, quente e sedutora. Segundo o próprio diretor Ronaldo Serruya, “a tentativa do Galeano, como autor, é exatamente essa: trazer a luz nossa formação de povo latino, nossas raízes, aquilo de que somos feitos”.

A encenação separa grupos de espectadores em quatro porções simétricas. Cada porção, quase em formação de yin e yang, como se fossem os quatro pontos cardeais em relação ao círculo onde se encontra a cena, assiste do seu ponto-de-vista as particularidades de um todo que se costura, que se alinhava.

Os pequenos e grandes dramas, as pequenas e grandes comédias, as cartas de amantes e familiares, as belezas do dia-a-dia, a imensidão da paisagem que vai dos Andes à Colômbia, da Patagônia argentina ao cerrado brasileiro, tudo é motivo para celebrar a América pela qual o próprio Galeano viajou, o continente que ele vasculhou com tanta sensibilidade e carinho.

Tudo isso está no palco e a platéia sai da Vila Maria Zélia com a sensação de ter viajado por cordilheiras territoriais de emoções humanas e cativantes. O fato de que recordar vem do latim “re-cordis”, ou seja, voltar a passar pelo coração (como muito bem assinala um dos momentos da montagem, abertura que é de “O Livro dos Abraços”) já dá mote ao que vem.

Desnecessário dizer, Galeano fala diretamente à alma do continente. Além da beleza do espetáculo, com suas porções de espelhos e água, pés descalços, incontáveis velas e pingentes de luz, o texto vem a casar com a plástica irretocável do edifício-sede do Grupo XIX de Teatro, na Vila Maria Zélia, a primeira vila operária de São Paulo, no coração do Belenzinho.

O coração latino-americano percorre, assim, um inventário de emoções e nostalgia, histórias e sensações perdidas e encontradas em pequenos e grandiosos momentos de rara beleza.

A platéia ganha, através da literatura de Galeano e da montagem do Teatro do Fubá, um chão que escorre docemente como se fosse uma verdadeira raiz sob nossos pés cotidianos. Um espetáculo imperdível.

Serviço:

“O INVENTÁRIO DAS SENSAÇÕES PERDIDAS”

Textos: Eduardo Galeano
Dramaturgia: Teatro do Fubá e Ronaldo Serruya
Direção: Ronaldo Serruya
Elenco: Flávia Naves, Gisele Lavalle , João Júnior e Paulo Placido
Rua Cachoeira, 50, esquina com a Rua dos Prazeres (Belenzinho)
Fone: 2081-4647
Quando:
Dias 17 e 18/10/2009 – sábado e domingo às 20h
Dias 24 e 25/10/2009 – sábado e domingo às 20h
Dia 01/11/2009 – domingo às 20h
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)
Informações e Reservas: 9388-6253 e 9705-4632

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