quinta-feira, 27 de setembro de 2018

A BIBLIOTECA BÁSICA DE TEATRO




AS 30 PEÇAS MAIS IMPORTANTES NA HISTÓRIA DO TEATRO OCIDENTAL.





A Cantora Careca
Eugène Ionesco 

Peça em um só ato que fez de Ionesco um dos quatro nomes do antiteatro (com Adamov, Becket e Tardieu).Francês, de origem romena, Ionesco usa a linguagem coloquial, mas sem o significado habitual. Inaugurando o Teatro do Absurdo, La Cantatrice Chauve (de 1950), revolucionou a dramaturgia.Ex-revisor, as peças Rhinoceros (59) e Le Pieton de L’Air (63) trouxeram para ele a fama de ser um dos maiores teatrólogos do seu tempo. 


A Celestina
Lope de Vega (Lope Félix de Vega Carpio) 

La Celestina é, para os críticos, o texto mais maduro e profundo de Lope de Veja, uma das maiores comédias de todos os tempos. Ele foi, certamente, o autor de teatro que mais produziu: cerca de 1.800 peças, além de contos, e novelas e poemas.A história, originalmente, era uma novela curta, depois adaptada para o teatro por ele mesmo. Em espanhol, Celestina passou a ser sinônimo de destino, contra o qual não adianta lutar. 


A Moratória
Jorge de Andrade 

Ao ser lançada, em São Paulo, a peça não fez sucesso de público, mas foi muito bem recebida pela crítica, que comparou Jorge de Andrade a Tenessee Williams e a Arthur Miller.A ação é simultânea, em 1929 e 1933, exigindo dois planos no palco para contar a história de uma família paulista do meio rural, lutando para sobreviver à decadência do café e ao desespero. 


A Morte do Caixeiro Viajante
Arthur Miller 

A história de um homem frustrado mas ambicioso, que acaba por ter consciência do fracasso e tenta uma jogada final, em benefício da família.É o trabalho mais conhecido de Miller e o mais premiado (inclusive com o Prêmio Pulitzer de 1949).Mas muitos críticos preferem Depois da Queda. Ele começou a escrever para teatro aos 16 anos, no colégio e se dizia influenciado por Ibsen. 


A Ópera dos Três Vintens
Berthold Brecht 

Dreigroschenoperé inspirada em Beggars Opera, de John Gay. Escrita em 1928, também tem traços de Edward II, de Christopher Marlowe.Sempre insatisfeito, Brech rasgou o texto, esqueceu-o, voltou a escrevê-lo.É uma ópera popular sobre um bandido londrino, suas aventuras, sua condenação e o perdão que recebeu.Brech tem um humor muito pessoal, alemão, seco, e uma incrível percepção para pequenos detalhes da vida comum.Brecht fugiu do nazismo, viveu nos Estados Unidos, voltou para a Alemanha (Oriental) em 1947, onde produziu a melhor parte da sua obra, inclusive de teoria teatral.Em 1955 recebeu o Prêmio Stalin da Paz. 



A Profissão da Senhora Warren
Bernard Shaw (George Bernard Shaw) 

Uma das peças mais representadas e representativas do irlandês Shaw. Escrita em 1893, só foi encenada em 1902, por causa da censura britânica.É que a prostituição é apresentada sem a tradicional condenação moralista e sem sentimentalismo romântico.É uma comédia de costumes que diverte mas que toca no problema social e econômico da sobrevivência da mulher pobre e desamparada. 


A Tempestade
William Shakespeare 

The Tempest é a última tragédia escrita por Shakespeare e foi montada durante as festas de casamento da princesa Elizabeth (futura rainha da Boêmia). A história tem várias fontes e explora os depoimentos sobre o naufrágio do Sea Venture, que abalaram a Inglaterra do início do século XVII. O nome Caliban tem sido apontado como anagrama de canibal.As passagens mágicas e sobrenaturais são típicas do bardo.A peça é de 1609 mas foi encenada dois anos depois. 


As Cerejeiras
Anton Tchecov (Anton Pavlovich Tchecov) 

Último trabalho do autor para o teatro, é uma crônica de decadência e nostalgia, a história de uma família culta e aristocrática que perde tudo, inclusive uma cerejeira.Obra-prima de inteligência e humor foi encenada pelas primeira vez em 1904.Os críticos discutem até hoje, se Tchecov foi maior contista ou dramaturgo. Nélson Rodrigues dizia que o som do machado, abatendo a cerejeira na cena final, era a coisa mais dramática que ele havia visto em teatro. 


Casa de Bonecas
Ibsen (Henrik Johan Ibsen) 

Foi a peça que deu fama universal ao a Ibsen e criou o chamado ibsenismo. Ela é de 1879 e inaugura a fase social do autor.Casa de Bonecas passou anos em cena, em Londres e em Berlim. 


Don Juan
Tirso de Molina (frei Gabriel Téllez) 

A peça de maior sucesso e que deu fama ao dramaturgo espanhol. O Don Juan em El Burlador de Sevilla é uma mistura do personagem folclórico com as fantasias do Molina: o herói libertino é profundamente humano e bem humorado.Ele escreveu cerca de 80 peças mas foi sempre acusado de copiar outros autores e até de comprar trabalhos de anônimos.Comparado a Shakespeare, ele é mais ousado que Lope de Veja, embora menos engenhoso, mas certamente é o autor de alguns dos momentos mais brilhantes da dramaturgia mundial. 


Édipo Rei
Sófocles 

Encenada em 430 antes de Cristo, Oedipus Rex é a maior das sete tragédias que restaram da obra de Sófocles. È a história da cidade de Tebas, assolada por uma epidemia.O rei, Édipo, consulta um oráculo e ele diz que o castigo só será suspenso quando forem punidos os assassinos do rei Laio.Investigando, Édipo descobre que foi ele mesmo quem matou o pai e casou com a mãe, sendo o responsável pelo flagelo de Tebas. Sigmund Freud usa o personagem para nomear o complexo de Édipo. 


Entre Quatro Paredes 
Jean-Paul Sartre 

Huis Clos é uma peça em um ato.Os personagens, após a morte, descobrem que o inferno são os outros e que o sofrimento a eles reservado é a convivência. Anos depois, Sartre mudou de opinião. 


Hamlet
William Shakespeare 

A mais admirada das tragédias de Shakespeare e sobre a qual há maior número de ensaios.Hamlet é o príncipe herdeiro da Dinamarca. Ele quer vingar a morte do pai, cujo fantasma aparece a ele nas muralhas do castelo de Elsingor. Apaixonado e violento, Hamlet mata o pai de sua amada Ofélia. 


Lisístrata
Aristófanes 

Encenada em 411 antes de Cristo essa comédia mistura erotismo, humor e farsa: é a história da tomada da Acrópole e do tesouro de Atenas pelas mulheres. Instigada por Lisístrata, elas organizam uma greve de sexo até que os homens façam a paz. 



Longa Jornada Para Dentro da Noite
Eugene O’Neill (Eugene Gladstone O’Neill) 

A peça é autobiográfica, “drama de uma velha dor, escrito com lágrimas e sangue”, nas palavras do autor.É o sofrimento de uma família entre o amor e o ódio.Só foi encenada em 1941, depois da morte de O’Neill. Segundo sua mulher, ele escreveu sem sair do quarto e era possível ouvi-lo chorando enquanto escrevia. 


Maria Stuart
Friedrich van Schiller (Johan Christoph Friedrich van Schiller) 

Drama histórico, em cinco atos, sobre os dias que antecedem a execução da rainha da Escócia, por ordem de Elizabeth da Inglaterra. Goethe, ao contrário da crítica contemporânea, considerava essa peça uma das mais importantes do teatro e escreveu que ela era a prova de que a verdadeira liberdade nada tinha a ver com a mobilidade física. 


Medeia
Eurípides 

Quando Jasão abandona Medeia por uma princesa grega, ela resolve vingar-se: seu amor transforma-se em ódio mortal que sacrifica a princesa e os filhos de Jasão. Ele é impedido de beijar as crianças mortas e ainda ouve as pragas que Medéia lhe roga, prevendo para ele um destino miserável. Eurípides foi o mais trágico dos trágicos gregos. 


O Auto da Compadecida
Ariano Suassuna 

Um auto de fé, à maneira medieval, contada como um folhetim de cordel do Nordeste. Cristo é negro e, a pedido de sua mãe, a Compadecida, perdoa Chicó e sua espertezas para sobreviver. É um clássico e uma das peças mais encenadas no Brasil. 


O Avarento
Molière (Jean Baptiste Poquelin) 

O tema é o homem (Harpagon) desumanizado e doente pela ambição do dinheiro. Uma comédia, embora Goethe dissesse que era uma tragédia.L’Avare é de 1668 e é uma das peças mais encenadas em todos os tempos. 


O Inspetor Geral
Nikolai Gogol (Nikolai Vasilievich Gogol) 

A corrupção e a desonestidade na administração pública da Rússia czarista, denunciadas numa peça que é um libelo contra a burocracia e o formalismo dos administradores. Gogol era funcionário público. Para os contemporâneos Gogol era o maior humorista russo. 


O Juiz de Paz na Roça
Martins Pena (Luís Carlos Martins Pena) 

Fundador do teatro brasileiro, Martins Pena escrevia sobre os costumes da época no Rio de Janeiro. O Juiz de Paz era uma autoridade da província, que explorava a ingenuidade das partes misturando ignorância e esperteza. A comédia, em um ato, foi encenada pela primeira vez em outubro de 1838, no Teatro São Pedro (que não existe mais). 


O Misantropo
Molière (Jean Baptiste Poquelin) 

Le Misasnthrope não cuida da misantropia e sim da cegueira geral em que cada homem está envolvido (como diz Celimene). Alceste é um censor feroz de todos à sua volta e invoca as mais altas razões para justificar suas decisões mais mesquinhas.É uma comédia psicologicamente profunda e fascinante. 


Orestíada
Ésquilo 

Essa trilogia (compreendendo Agamemnon, Eumenides e Choephori) é a origem da tragédia. Ésquilo é o mais antigo e um dos maiores trágicos gregos e seus temas são a tirania, o ódio, a opressão, sempre observados do ponto de vista político e psicológico. A trilogia é a história criminosa da casa de Atreus: Agamemnon é morto pela mulher, Orestes é perseguido pela mãe, Citemnestra vinga seu pai matando a própria mãe. 


Peer Gynt
Ibsen (Henrik Johan Ibsen) 

As peripécias de um herói lendário do folclore norueguês que não conhece valores absolutos.Ibsen foi o criador do moderno teatro realista.Sua penetrante psicologia e a poesia constante mas discreta, valeram a ele um lugar de destaque entre os maiores nomes do teatro em todos os tempos. E o termo ibsenismo, criado por Bernard Shaw. 


Romeu e Julieta
William Shakespeare 

A tragédia dos dois jovens (Julieta tinha apenas 13 anos) já era conhecida em um poema de Arthur Brooke, datado de 1562.Nele é que Shakespeare inspirou-se para escrever a sua tragédia e a mais popular das suas obras. Os críticos não são particularmente atraídos pela peça que, no entanto, foi escolhida em votação popular como a mais conhecida em todo o mundo. 


Seis Personagens à Procura de um Autor
Luigi Pirandelo 

A mais famosa peça do escritor italiano (Prêmio Nobel de Literatura em 1934) foi recebida pelo público romano com vaias e protestos em 1921. Ela procura revelar o mecanismo da criação literária, mostrando a dificuldade de fazer coincidirem a realidade e as necessidades da criação artística. 


Senhorita Júlia
Strindberg (Johan August Strindberg) 

A luta dos sexos somada à luta de classes: uma drama violento, frenético como os anos da revolução industrial que parecia querer devorar o homem.Uma peça naturalista (embora ele fosse romântico, melancólico, solitário e instável). 


Vestido de Noiva
Nelson Rodrigues (Nelson Falcão Rodrigues) 

Sua melhor peça, incorporando à dramaturgia a linguagem coloquial e técnicas de corte inéditas. O palco tem três planos: a realidade, a alucinação e a memória. Encenada na década de 40, depois de enormes dificuldades para vencer a censura, é tida como a maior peça do teatro brasileiro.Sua encenação deu início ao moderno teatro do Brasil. 


Vida e Morte Severina
João Cabral de Melo Neto 

Um longo poema transformado em teatro para contar o drama dos retirantes nordestinos com a seca no semi-árido brasileiro. Musicado por Chico Buarque, tornou-se uma ópera popular. É outra das peças mais encenadas do teatro brasileiro. 


Volpone
Ben Johnson 

A melhor comédia do autor e uma das mais amargas da dramaturgia. É a história dos herdeiros que, para conseguirem a herança de um velho agonizante, perdem o próprio dinheiro, a honra, e são enganados por ele. A peça é de 1606. Aos 45 Bem Jonhson já havia escrito todas as suas peças. Ganhou uma pensão do governo, parou de escrever e ainda viveu vinte anos.



Pesquisa e texto de Luiz Lobo






quarta-feira, 25 de julho de 2018

PARA ACABAR COM O JULGAMENTO DE DEUS






Esse texto, de 1948,  deve ser lido pensando-se na sua finalidade original: como suporte para uma transmissão radiofônica, uma leitura a quatro vozes entremeada de gritos, uivo, efeitos sonoros com tambores, gongos e xilofones. (N. do t.)
 
Para Acabar com o Julgamento de Deus

kré                    tudo isso deverá                   puc te
kré                    ser arranjado                        puk te
pek                   muito precisamente               li le
kre                    numa sucessão                     pec ti le
e                       fulminante                             kruk
pte
Fiquei sabendo ontem
(devo estar desatualizado ou então é apenas um boato, uma dessas intrigas divulgadas entre a pia e a privada, quando as refeições ingurgitadas são mais uma vez devidamente expulsas para a latrina)
fiquei sabendo ontem
de uma das mais sensacionais dentre essas práticas das escolas públicas americanas
sem dúvida daquelas responsáveis por esse país considerar-se na vanguarda do progresso.
Parece que, entre os exames e testes requeridos a uma criaança que ingressa na escola pública, há o assim o assim chamado teste do líquido seminal ou do esperma,
que consiste em recolher um pouco do esperma da criança recém-chegada para ser colocado numa proveta
e ficar à disposição para experimentos de inseminação artificial que posteriormente venha a ser feitos.
Pois cada vez mais os americanos sentem falta de braços e crianças ou seja, não de operários
mas de soldados
e eles querem a todo custo e por todos os meios possíveis fazer e produzir soldados
com vistas a todas as guerras planetárias que poderão travar-se a seguir e que pretendem demonstrar pela esmagadora virtude da força a superioridade dos produtos americanos
e dos frutos do suor americano em todos os campos de atividade e da superioridade do possível dinamismo da força.
Pois é necessário produzir,
é necessário, por todos os meios de atividade humana, substituir a natureza onde esta possa ser substituída,
é necessário abrir mais espaço para a inércia humana,
é necessário ocupar os operários
é necessário criar novos campos de atividade
onde finalmente será instaurado o reino de todos os falsos produtos manufaturados
todos os ignóbeis sucedâneos sintéticos
onde a maravilhosa natureza real não tem mais lugar
cedendo finalmente e vergonhosamente diante dos triunfantes produtos artificiais
onde o esperma de todas as usinas de fecundação artificial operará milagres na produção de exércitos e navios de guerra.
Não haverá mais frutos, não haverá mais árvores, não haverá mais plantas, farmacológicas ou não, e consequentemente não haverá mais alimentos,
só produtos sintéticos até dizer chega,
entre os vapores,
entre os humores especiais da atmosfera, em eixos especiais de atmosferas extraídas violentamente e sinteticamente da resistência de uma natureza que da guerra só conheceu o medo.
E viva a guerra, não é assim?
Pois é assim – não é? – que os americanos vão se preparando passo a passo para a guerra.
Para defender essa insensata manufatura da concorrência que não pode deixar de aparecer por todos os lados,
é preciso ter soldados, exércitos, aviões, incouraçados,
daí o esperma
no qual os governos americanos tiveram o descaramento de pensar.
Pois temos mais de um inimigo
que nos espreita, meu filho,
a nós, os capitalistas natos
e entre esses inimigos
a Rússia de Stalin
à qual também não faltam homens em armas.
Tudo isso está muito bem
mas eu não sabia que os americanos eram um povo tão belicoso.
Para guerrear é preciso levar tiros
e embora tenha visto muitos americanos na guerra
eles sempre tiveram enormes exércitos de tanques, aviões, encouraçados, que lhes serviam de escudo.
Vi as máquinas combatendo muito
mas só infinitamente longe
                                 lá atrás
vi os homens que as conduziam.
Diante desse povo que dá de comer aos seus cavalos, gado e burros
as últimas toneladas de morfina autêntica que ainda restam, substituindo-a por produtos sintéticos feitos de fumaça,
prefiro o povo que come da própria terra o delírio dso qual nasceram, refiro-me aos Taraumaras
comendo o Peiote rente ao chão
à medida que nasce,
que matam o sol para instaurar o reino da noite negra
e que esmagam a cruz pra que os espaços do espaço nunca mais possam encontrar-se e cruzar-se.
E assim vocês irão ouvir a dança de TUTUGURI.
                                        TUTUGURI
                                 O Rito do Sol Negro
E lá embaixo, no pé da encosta amarga,
cruelmente desesperada do coração,
abre-se o círculo das seis cruzes
                                         bem lá embaixo
como se incrustada na terra marga,
desincrustrada do imundo abraço da mãe
                                         que baba.
A terra do carvão negro
é o único lugar úmido
nessa fenda de rocha.
O Rito é o novo sol passar através de sete pontos antes de explodir no orifício da terra.
Há seis homens,
um para cada sol
e um sétimo homem
que é o sol
            cru
vestido de negro e carne viva.
mas este sétimo homem
é um cavalo,
um cavalo com um homem conduzindo-o.
Mas é o cavalo
que é o sol
e não o homem.
No dilaceramento de um tambor e de uma trombeta longa,
estranha,
os seis homens
que estavam deitados
tombados no rés-do-chão,
brotaram um a um como girasóis,
não sósi
porém solo que giram,
lótus d'água,
e a cada um que brota
corresponde, cada vez mais sombria
                                       e refreada
                                       a batida do tambor
até que de repente chega a galope, a toda velocidade
o último sol,
o primeiro homem,
o cavalo negro com um
                        homem nu,
                        absolutamente nu
                        e virgem
                        em cima.
Depois de saltar, eles avançam em círculos crescentes
e o cavalo em carne viva empina-se
e corcoveia sem parar
na crista da rocha
até os seis homens
terem cercado
completamente
as seis cruzes.
Ora, o tom maior do Rito é precisamente
                      A ABOLIÇÃO DA CRUZ
Quando terminam de girar
arrancam
as cruzes do chão
e o homem nu
a cavalo
ergue
uma enorme ferradura
banhada no sangue de uma punhalada.
                      A BUSCA DA FELICIDADE
Onde cheira a merda
cheira a ser.
O homem podia muito bem não cagar,
não abrir a bolsa anal
mas preferiu cagar
assim como preferiu viver
em vez de aceitar viver morto.
Pois para não fazer cocô
teria que consentir em
não ser,
mas ele não foi capaz de se decidir a perder o ser,
ou seja, a morrer vivo.
Existe no ser
algo particularmente tentador para o homem
algo quem vem a ser justamente
                                        O COCÔ
                                       (aqui rugido)
Para existir basta abandonar-se ao ser
mas para viver
é preciso ser alguém
e para ser alguém
é preciso ter um OSSO,
é preciso não ter medo de mostrar o osso
e arriscar-se a perder a carne.
O homem sempre preferir a carne
à terra dos ossos.
Como só havia terra e madeira de ossos
ele viu-se obrigado a ganhar sua carne,
só havia ferro e fogo
e nenhuma merda
e o homem teve medo de perder a merda
ou antes desejou a merda
e para ela sacrificou o sangue.
Para ter merda,
ou seja, carne
onde só havia sangue
e um terreno baldio de ossos
onde não havia mais nada para ganhar
mas apenas algo para perder, a vida.
                                      o reche modo
                                       to edire
                                       de za
                                       tau dari
                                       do padera coco
Então o homem recuou e fugiu.
E então os animais o devoraram.
Não foi uma violação,
ele prestou-se ao obsceno repasto.
Ele gostou disso
e também aprendeu
a agir como animal
e a comer seu rato
delicadamente.
E de onde vem essa sórdida abjeção?
Do fato de o mundo ainda não estar formado
ou de o homem ter apenas uma vaga idéia do que seja o mundo
querendo conservá-la eternamente?
Deve-se ao fato de o homem
ter um belo dia
detido
                 a idéia do mundo.
Dois caminhos estavam diante dele:
o do infinito de fora,
o do ínfimo de dentro.
E ele escolheu o ínfimo de dentro
onde basta espremer
o pâncreas,
a língua,
o ânus
ou a glande.
E deus, o próprio deus espremeu o movimento.
É deus um ser?
Se o for, é merda.
Se não o for,
não é.
Ora, ele não existe
a não ser como vazio que avança com todas as suas formas
cuja mais perfeita imagem
é o avanço de um incalculável número de piolhos.
"O Sr. está louco, Sr. Artaud? E então a missa?"
Eu renego o batismo e a missa.
Não existe ato humano
no plano erótico interno
que seja mais pernicioso que a descida
do pretenso jesus-cristo
nos altares.
Ninguém me acredita
e posso ver o público dando de ombros
mas esse tal cristo é aquele que
diante do percevejo deus
aceitou viver sem corpo
quando uma multidão
descendo da cruz
à qual deus pensou tê-los pregado há muito tempo,
se rebelava
e armada com ferros,
sangue,
fogo e ossos
avançava desafiando o Invisível
para acabar com o JULGAMENTO DE DEUS.
A QUESTÃO QUE SE COLOCA...
O que é grave
é sabermos
que atrás da ordem deste mundo
existe uma outra.
Que outra?
Não o sabemos.
O número e a ordem de suposições possíveis
neste campo
é precisamente
o infinito!
E que é o infinito?
Não o sabemos com certeza.
É uma palavra que usamos
para designar
a abertura
da nossa consciência
diante da possibilidade
desmedida,
inesgotável e desmedida.
E o que é a ciência?
Não o sabemos com certeza.
É o nada.
Um nada
que usamos
para designar
quando não sabermos alguma coisa
e de que forma
não o sabemos
e então
dizemos
consciência,
do lado da consciência
quando há cem mil outros lados.
E então?
Parece que a consciência
está ligada
em nós
ao desejo sexual
e à fome.
mas poderia
igualmente
não estar ligada
a eles.
Dizem,
é possível dizer,
há quem diga
que a consciência
é um apetite,
o apetite de viver:
e imediatamente
junto com o apetite de viver
o apetite da comida
imediatamente nos vem à mente;
como se não houvesse gente que come
sem o mínimo apetite;
e que tem fome.
Pois isso também
existe:
os que tem fome
sem apetite;
e então?
Então
o espaço do possível
foi-me apresentado
um dia
como um grande peido
que eu tivesse soltado;
mas nem o espaço
nem a possibilidade
eu sabia exatamente o que fossem,
nem sentia necessidade de pensar nisso,
eram palavras
inventadas para definir coisas
que existiam
diante da premente urgência
de uma necessidade:
suprimir a idéia,
a idéia e seu mito
e no lugar instaurar
a manifestação tonante
dessa necessidade explosiva:
dilatar o corpo da minha noite interior,
do nada interior
do meu eu
que é noite,
nada,
irreflexão,
mas que é explosiva afirmação
de que há
alguma coisa
para dar lugar:
meu corpo.
Mas como,
reduzir meu corpo
a um gás fétido?
Dizer que tenho um corpo
porque tenho um gás fétido
que se forma em mim?
Não sei
mas
sei que
    o espaço,
    o tempo,
    a dimensão
    o devir,
    o futuro
    o destino,
    o ser,
    o não-ser,
    o eu,
    o não-eu
nada são para mim;
mas há uma coisa
que é algo,
uma coisa
que é algo
e que sinto
por ela querer
SAIR:
a presença
da minha dor
do corpo,
a presença
ameaçadora
infatigável
do meu corpo;
e ainda que me pressionem com perguntas
e por mais que eu me esquive a elas
há um ponto
em que me vejo forçado
a dizer não,
                                       NÃO
à negação;
e chego a esse ponto
quando me pressionam,
e me apertam
e me manipulam
até sair de mim
o alimento
e seu leite,
e então o que fica?
Fico eu sufocado;
e não sei que ação é essa
mas ao me pressionarem com perguntas
até a ausência
e a anulação
da pergunta
eles me pressionam
até sufocarem em mim
a idéia de um corpo
e de ser um corpo,
e foi então que senti o obsceno
e que
soltei um peido
de saturação
e de excesso
e de revolta
pela minha sufocação.
É que me pressionavam
ao meu corpo
e contra meu corpo
e foi então
que eu fiz tudo explodir
porque no meu corpo
não se toca nunca
 
CONCLUSÃO
– E para que serviu essa emissão radiofônica, Sr. Artaud?
– Em primeiro lugar para denunciar um certo número de sujeiras
sociais oficialmente sacramentadas e aceitas:
1o essa emissão do esperma infantil doado por crianças par a fecundação artificial de fetos ainda por nascer e que virão ao mundo dentro de um ou mais séculos.
2o para denunciar este mesmo povo americano que ocupou completamente todo o continente dos Índios e que fez renascer o imperialismo guerreiro da antiga América, o qual fez com que o povo indígena anterior a Colombo fosse por toda a humanidade precedente.
3o Sr. Artaud, que coisas estranhas o Sr. está dizendo!
4o Sim, estou dizendo coisas estranhas,
pois contrariamente ao que todos foram levados a crer, os povos anteriores a Colombo eram estranhamente civilizados
e isso pelo fato de conhecerem uma forma de civilização baseada exclusivamente no princípio da crueldade.
5o E o que, exatamente,
vem a ser isso de crueldade?
6o Isso eu não sei responder.
7o Crueldade significa extirpar pelo sangue e através do sangue a deus,
o acidente bestial da animalidade humana inconsciente, onde quer que se encontre.
8o O homem, quando não é reprimido, é um animal erótico, há nele um frêmito inspirado,
uma espécie de pulsação
que produz numeráveis animais os quais são formas que os antigos povos terrestres universalmente atribuíam a deus.
Daí surgiu o que chamaram de espírito.
Ora, esse espírito originários dos Índios americanos reaparece hoje em dia sob aspectos científicos que meramente acentuam seu mórbido poder infeccioso, seu grave esta de vício, um vício no qual pululam doenças
pois, riam-se à vontade,
isso que chamam de micróbios
é deus.
e sabe o que os americanos e os russos usam para fazer seus átomos?
Usam os micróbios de deus.
– O Sr. está louco, Sr. Artaud.
Está delirando.
– Não estou delirando.
Não estou louco.
Afirmo que reinventaram os micróbio para impor uma nova idéia de deus.
Descobriram um novo meio de fazer deus aparecer em toda sua nocividade microbiana:
Inoculando-o no coração
onde é mais querido pelos homens
sob a forma de uma sexualidade doentia
nessa aparência sinistra de crueldade mórbida que ostenta sempre que se compraz em tetanizar e enlouquecer a humanidade como agora.
Ele usa o espírito de pureza de uma consciência que continuou cândida como a minha para asfixiá-la com todas as falsas aparências que espalha universalmente pelos espaços e é por isso que Artaud, o Momo, pode ser confundido com alguém que sofre de alucinações.
– O que o Sr. Artaud que dizer com isso?
– Quero dizer que descobri a maneira de acabar com esse macaco de uma vez por todas
e já que ninguém acredita mais em deus, todos acreditam cada vez mais no homem.
Assim, agora é preciso emascular o homem.
– Como?
Como assim? sob qualquer ângulo o Sr. não passa de um maluco, um doido varrido.
– Colocando-o de novo, pela última vez, na mesa de autópsia para refazer sua anatomia.
O homem é enfermo porque é mal construído.
Temos que nos decidir a desnudá-lo para raspar esse animalúculo que o corrói mortalmente,
                                                deus
                                   e juntamente com deus
                                         os seus órgãos
Se quiserem, podem meter-me numa camisa de força
mas não existe coisa mais inútil que um órgão.
Quando tiverem conseguido um corpo sem órgãos,
então o terão libertado dos seus automatismos
e devolvido sua verdadeira liberdade.
Então poderão ensiná-lo a dançar às avessas
como no delírio dos bailes populares
e esse avesso será
seu verdadeiro lugar.

(Escritos de Antonin Artaud, L&PM, 1983, trad. Cláudio Willer).


sábado, 24 de fevereiro de 2018

DANIEL DIAS* ESCREVEU: OS CAMINHOS DA DRAMATURGIA NO SÉCULO XXI,






Nota de apresentação: 
O artigo parece referir-se ao Seminário Internacional de 1997, 
mas não encontrei evidências muito claras sobre isso. 
No entanto, resolvi publicá-lo, 
porque contém ideias e sugestões de debates 
que podem interessar aos dramaturgos 
e demais militantes das artes cênicas.




                                     



A aproximação de uma nova década e, principalmente, de um novo século – como o momento que vivemos atualmente --, costuma gerar grande ansiedade, incertezas e esperanças na humanidade, uma espécie de crise global de identidade, provocada pela necessidade, criada pelo mundo moderno, de uma renovação cada vez mais urgente de heróis, de descobertas, de valores, de conceitos que superem seus antecessores. 

Em um século como o que agora finda, em que vimos ideologias tomarem corpo e (aparentemente) ruírem com a simples queda de um muro, em que flagramos diariamente na sala de nossa casa, através de uma tela de televisão, a fome na Etiópia, a guerra do Golfo, mas também a conquista do espaço e a luta contra o câncer e a AIDS, um século em que as fronteiras desaparecem graças a computadores interligados, é natural que os profissionais que trabalhem nas diversas áreas do conhecimento humano se questionem sobre as influências do desenvolvimento tecnológico. 

Assim é, também, no teatro. As possibilidades cênicas propiciadas pela tecnologia são praticamente infinitas: personagens que contracenam com imagens pré-gravadas, cenários interativos, helicópteros que pousam em cena... Os exemplos são muitos. 

E no campo da dramaturgia, o que nos reserva o próximo século? Haverá ainda espaço para as clássicas normas aristotélicas – ainda hoje as mais ditadas e seguidas, apesar de Brecht e Beckett, só para citar alguns que buscaram rompê-las—ou estão por vir novos conceitos que vão superá-las? O texto teatral poderá vir algum dia a ser dispensado? As verdades ditadas por Ésquilo, Sófocles e Eurípedes sobreviverão no terceiro milênio? 

Foi para discutir temas como esses que a SBAT – Sociedade Brasileira de Autores Teatrais --, em parceria com o Instituto Dragão do Mar, organizou o Seminário Internacional de Dramaturgos, que ocorreu em duas etapas: a primeira, no Rio de Janeiro, nos dias 12 e 13 de maio e a segunda na cidade de Fortaleza, nos dias 14 e 15 do mesmo mês. 

Na segunda metade do encontro, em Fortaleza, como alguns dos autores convidados fossem desconhecidos da maioria dos participantes—embora com obras teatrais respeitadas e relevantes em seus países de origem e até no exterior – e provenientes de realidades culturais tão distintas, grande parte do tempo do Seminário foi destinado para que os palestrantes expusessem um panorama do cenário teatral com o qual um deles trabalha e de que forma suas personagens refletem o mundo que os cerca. 

Alguns depoimentos impressionaram, como o do angolano José Mena Abrantes, que descreveu as dificuldades e as contradições em se trabalhar com teatro em um país abalado por anos de guerra, possuidor de uma rica cultura baseada na oralidade, cujo movimento teatral resume-se a rituais, danças tradicionais, coreografias carnavalescas e a montagens de peças por parte dos poucos grupos existentes – nenhum deles profissional. 

Contudo, os depoimentos – ainda que extremamente ricos – acabaram por afastar os debates dos temas principais, como se não bastasse o exíguo tempo para se discutir questões tão profundas. 

Ao ser indagado sobre a atual apatia de certos dramaturgos brasileiros diante da ausência do inimigo comum que a ditadura militar representava (e que incitava a uma efervescência criativa e cultural e a um movimento teatral mais atuante, que se pretendia transformador), o dramaturgo brasileiro Plínio Marcos tirou de cena seu habitual bom humor e esbravejou contra a generalizada ignorância em relação às suas obras. Segundo ele, que tomou a pergunta como uma crítica, sua coragem em escrever sobre temas polêmicos e atuais permanecia inalterada, mesmo sabendo que muitas de suas peças jamais serão montadas. Posteriormente, ele reconheceu o engano: “na verdade, respondi a uma pergunta que jamais foi formulada”. 

A vantagem do mal-entendido foi que, a partir de então, os debates acirraram-se e voltaram-se mais próximos dos temas propostos: a propagada crise da dramaturgia moderna e o conseqüente retorno aos clássicos, a carência de novos temas, que, possivelmente, tem raízes muito mais profundas que a simples carência de novos autores de qualidade: a aparente queda das ideologias, o labirinto em que se encontra o homem de fim de século, que não sabe o que dizer nem a quem se dirigir, a fragmentação do público com o desenvolvimento e o aumento do alcance da TV e do cinema e até mesmo a crise econômica mundial, que aproxima o homem da obscura cultura do misticismo e o afasta do caminho do conhecimento – uma recriação moderna da Idade Média. 

Para Aldo Nicolai, dramaturgo italiano, esse momento é apenas uma fase. “É saudável que as utopias e as ideologias morram, para que nasçam outras. Porque, em verdade, elas não morrem, apenas se renovam. Não há ser humano sem utopias ou ideologias.” Para ilustrar a sua visão do homem moderno, ele narrou uma fábula, sobre um pescador que foi morar na metrópole e levou consigo um aquário para recordar-se do mar. De tanto olhar o peixe nadando, ele próprio, melancólico, acaba por transformar-se em um peixe, com as mesmas cores da camisa que vestia. 

Chico de Assis (Brasil) afirma que “no teatro, não acontece o mesmo que em outras áreas do conhecimento humano, como na Física, em que Einstein supera Newton. Não podemos dizer que Sófocles supera Ésquilo e tampouco foi superado por Shakespeare”. Para ele, cabe aos que fazem o teatro de hoje descobrir a essência da comunicação que possibilite falar a este novo público que surge: “para se falar ao jovem de hoje, o teatro tem de ter um pouco de show de rock. A arte de observar o quotidiano e tirar dele o que lhe interessava foi uma das grandes armas de Brecht na composição de suas obras.” 

“O teatro tem sua linguagem própria, com gente de carne e osso e sempre haverá a participação do homem”, é o que acredita o português Hélder Costa. “Devemos ver é em que a tecnologia pode nos ser útil.” Seguidor de uma linha de trabalho ligada à educação, à aproximação do teatro com a história, preocupado em fazer com que seu povo se reconheça, que compreenda suas raízes, Costa demonstrou ser o mais político dos dramaturgos convidados. 

O também português Abel Neves resumiu seu pensamento sobre as incessantes buscas em uma frase: “não há caminhos, há que se caminhar.” 

A verdade é que as contradições humanas – fonte constante da dramaturgia – são incessantes e o teatro ainda é o ambiente mais propício para se discuti-las. Sempre haverá alguém com algo para dizer e um outro disposto a escutá-lo, por isso mesmo o teatro sobreviverá ao avanço tecnológico – aliando-se a ele ou buscando caminhos alternativos.

Vem sendo assim desde os remotos tempos gregos, foi assim com o advento do rádio, da TV, do cinema... Por diversas vezes, o teatro teve sua morte anunciada e sobreviveu sempre. E sobreviverá! 

Por essa razão, o I Seminário Internacional de Dramaturgos, embora não tendo cumprido inteiramente os seus objetivos, é um evento que merece ter continuidade. A principal conclusão tirada do encontro foi a de que ainda há muito o que se discutir. E todas as oportunidades que houver para fazê-lo ainda serão poucas. As matizes são tantas e tão diversas, que até dariam uma peça! Quem se habilita?


 ARTIGO PUBLICADO NA REVISTA "CONJUNTO" (CUBA)



                                     *Daniel Dias é ator, dramaturgo, roteirista e aluno do Instituto
                                     Dragão do Mar, em Fortaleza, Ceará, Brasil.
verdesmares@hotmail.com