Na Grécia antiga, a procissão saía às ruas, cantando e se comovendo com a própria melodia em culto ao deus Dioniso (ou Baco), deus do vinho. Aquele que lhes ensinara o delírio da embriaguez e a exaltação dos sentidos: o prazer. Aos poucos elas vão abandonando suas vidas cotidianas: seus trabalhos, suas tristezas, as injustiças sofridas e se envolvendo nessa maravilhosa celebração divina.
No altar, de forma solene, o sacerdote prepara a cerimônia, na qual um bode será oferecido em sacrifício e sua carne distribuída entre os presentes. Todos esperam o grande momento de ingerir a carne sacrificada. A procissão se aquieta, por um instante, a fim de ouvir as orações do sacerdote.
Nas proximidades está o jovem Téspis que logo assumirá a grande missão de desdobrar-se em vários seres, transmitindo às pessoas outras imagens e outros rostos que não sejam o seu. Téspis chega apressado em Atenas, o coração em chamas e a boca prestes a proferir qualquer coisa impulsiva, apaixonada e violenta.
O povo não pode vê-lo ainda, tão disperso que está com a cerimônia. Até o momento em que Téspis abre a boca, veste-se com túnicas, máscaras cabeleiras e sandálias e faz de sua carroça um altar.
O sacerdote distribui pedaços do animal para o povo enquanto se embriagam de vinho e se enlouquecem de paixão. Os cantos são cada vez mais fortes até que Téspis os silencia com um grito: ele afirma ser o próprio Dioniso, encarnado, vivo. O silêncio assume a cena e a figura mascarada é quem a domina. O deus Dioniso sorri no céu.
Sólon o chefe do governo de Atenas irá acusar Téspis de ser o maior impostor surgido até então: o primeiro ator. Apesar das acusações, impôs-se como ator, tornou-se popular e querido em todas as cidades nas quais se apresentava. Toda a Ática acabou se entregando ao fascínio deste homem que, representando, levava os homens para mais perto dos deuses.
Foi neste momento místico, envolvidos por um estado de exaltação e graça que tiveram raízes a tragédia e a comédia grega.
A tragédia grega
No primitivo ritual dionisíaco vemos a força do ditirambo – o canto apaixonado constituído de elementos tanto alegres quanto tristes que narravam o nascimento e a vida de Dioniso. Deste coro originou-se a tragédia: a representação viva, feita por atores, das histórias míticas dos deuses.
Inicialmente o canto trágico foi marcado pela improvisação apaixonada do povo e ia crescendo juntamente com a adoração, o delírio e a embriaguez. Com o tempo foi que se introduziram no ditirambo os textos líricos, sempre em versos. Era formado por homens que se travestiam de sátiros[2] e entoavam cantos uníssonos. Posteriormente dividiu-se em dois, estabelecendo um diálogo alternado de perguntas e respostas. O corifeu era o responsável por organizar este diálogo e se destacava dos coreutas pelo fato de cantar e dançar. O exarconte era quem respondia as perguntas dos coreutas. Sua voz distinguia-se de todas as outras e por isso ganhou unidade autônoma, era tão indispensável ao ditirambo que acabou acrescendo-se de outros aspectos incluindo a representação. Passou a se chamar hypocrates, aquele que finge, ou seja, ator.
O povo deixa de ser procissão para se tornar plateia e as encenações carregadas de paixão levam-nos a catarse [2] – a purificação das almas através da descarga emocional provocada pelo drama.
Originalmente a tragédia não se dividia em atos ou cenas, mas em partes dialogadas e partes cantadas. A primeira era em número de três e constituíam a abertura – prólogo. Em seguida vinha um trecho entoado pela orquestra e pelo coro. Depois o primeiro episódio, feito pelo ator, uma parte lírica (stásimo), entoada pelo coro, o segundo episódio, o segundo stásimo, o terceiro episódio, e a parte final (êxodo), cantada pelo coro.
As primeiras manifestações teatrais em Atenas eram feitas na Praça do Velho Mercado. Depois de um acidente causado pelo desabamento das arquibancadas, foi transferido para um terreno consagrado a Dioniso e somente no século IV a.C. surgiram os primeiros teatros construídos de pedra. Quanto aos cenários podemos distingui-los em quatro grupos principais: o templo, o palácio e a tenda onde ocorriam as cenas principais, e a paisagem marinha ou campestre. As roupas variavam de acordo com a personagem.
O conteúdo da tragédia era o mito. Inicialmente apenas a lenda de Dioniso e de outras personagens que se relacionavam a ele. Porém o sucesso das tragédias era tão grande que passaram a buscar novos assuntos e lendas que pudessem servir de enredo. Recorreu-se às histórias sobre heróis e também sobre outros deuses.
Quando criaram os heróis, a imaginação do povo iniciou um grande protesto às injustiças e vê-los representados nos teatros, frente aos deuses e ao destino, excitava os ânimos e convidava os cidadãos a pensarem e a agirem de novas maneiras. Em paralelo as divindades continuam sempre presentes no palco grego. Pune, adverte, profetiza, orienta, julga e massacra.
O herói não é um homem comum. Ele é capaz de enfrentar e desobedecer aos deuses. E as tragédias irão narrar suas ações e reações diante do sofrimento imposto pelo destino. É aí que irá descobrir o bem e o mal, possibilitando a catarse no espectador. Neste ponto reside o valor educativo e religioso da tragédia.
Este sofrimento se dará quando o herói infringe uma ordem estabelecida pelos deuses antes mesmo dos homens. A culpa por quebrar qualquer ponto desta cadeia ordenada irá cair não somente naquele que o fez, mas também sobre todas as gerações vindouras. Assim criaturas inocentes pagavam com fatalidade as culpas que herdaram de seus ancestrais.
Há o destino condenando as ações dos homens. Os deuses que podem ser bons ou maus, dominadores, libertadores, justos ou injustos. Há uma ordem divina que será rompida a qualquer momento e por qualquer motivo. A partir do sofrimento imposto ao herói pelo destino, é que ele deverá assumir uma atitude e será sobre esta atitude que se organizara a ação dramática.
Principais tragediógrafos e seus textos:
Ésquilo: Os persas; Prometeu acorrentado; As suplicantes; Sete contra Tebas; Oréstia (trilogia): Agamenão, As Coéforas e As Eumênides.
Sófocles: Electra; As Traquínias; Ájax, Filoctetes; A trilogia: Édipo Rei, Édipo em Colona,Antígona.
Eurípides: As Bacantes; Medéia; Ifigênia em Áulis; Ifigênia em Táurida, As Troianas; As Suplicantes; As Fenícias; Andrômaca; Hipólito; Hércules; Orestes; Helena; Hécuba; Alceste e Ione.
A Comédia Grega
Assim como a tragédia, a comédia grega está relacionada às celebrações ritualísticas em celebração à vida, aos feitos e aos poderes misteriosos do deus Dioniso.
Cronologicamente a comédia encontra-se um século depois da tragédia. Teve suas raízes aprofundadas nas cerimônias “falofóricas”[4]; ao cortejo foram adicionadas elementos de outros cultos além das farsas dos fliacos, estes representavam, em simples palcos de madeira, cenas da vida cotidiana; utilizavam-se de máscaras, vestes grotescas e linguagem licenciosa. Foi a partir deste elemento cômico, no ritual dionisíaco, que surgiu a comédia, isolada da cerimônia religiosa assumindo-se unicamente como representação, alegre e zombeteira. À frente do cortejo cômico seguia as canéforas, mulheres jovens responsáveis por carregar os objetos necessários ao sacrifício do bode. Atrás seguiam os falófaros, escravos que empunhavam lanças como símbolos fálicos.
Para os gregos existem duas forças centrais que regem o universo: 1) Páthos: o sofrimento do homem diante dos desígnios do Destino. 2) Sarcasmo: o desmascaramento das motivações que guiam os homens em seus atos, muitas vezes grandiosos só em aparência. Ambos são capazes de causar emoção, educar e conscientizar.
No século IV a.C. Alexandre Magno invade e conquista a Grécia. Tudo o que havia sido então erigido, a cultura, os valores e os conceitos entram em decadência. E é neste contexto que a comédia encontra o seu ápice: chega o momento de fazer rir para fazer pensar.
Aristófanes aproveita deste momento desolador para criar, em suas comédias, um sistema de críticas e escárnio. Atacava tudo o que, para os gregos desta época, significava novas conquistas: filosofia, poesia, música, matemática. Atacava tanto o Estado quanto os governantes. Nada escapava à sua pena. Nem os sofistas, nem Sócrates, Nem Eurípedes. Quanto maior se tornava a necessidade de um conforto espiritual, mais Aristófanes utilizava-se de suas comédias para erguer a moral dos cidadãos.
A estrutura da comédia foi definida por Aristófanes: A primeira cena iniciava-se com um prólogo. Em seguida vem o párodo: a entrada do coro, composto por 24 pessoas (os coreutas) que personificavam os belicosos velhos. A terceira parte é um intervalo; A quarta parte é a parábase: o coro, que está agrupado entre o altar de Dioniso e a cena, coloca-se em linha de baralha frente ao público. Há uma longa pausa. Um entreato no qual é dado um resumo do que se passou na cena (quinta parte). A sexta parte segue-se com o corifeu destacando-se do coro e recitando, para os espectadores, alguns versos que denunciam o pensamento do comediógrafo. Os atores transformam-se em oradores. A sétima parte reúne várias cenas que não se ligam entre si e que apontam as consequências das ações dos personagens. O êxodo é a última parte: o coro sai ruidosamente, abandonando a cena, como se deixassem os cidadãos sozinhos, à própria sorte.
Os cenários eram feitos a fim de retratar realisticamente as casas da cidade, porém todas eram idênticas: andar térreo, teto plano, balcões e janelas. Os figurinos variavam segundo os papéis. As máscaras foram se desenvolvendo ao longo dos anos, chegando a existir cerca de 40 tipos diferentes delas. E embora a comédia tenha caráter grotesco, ela é inspirada nos mesmos mitos inspiradores da tragédia.
O público gargalhava e essa gargalhada penetrava nos atores como única forma de não sucumbir. Porém a cultura Grega era arrasada e o riso era incapaz de reerguê-la. E ao contrário dos Gregos os romanos nunca consideraram o teatro como uma manifestação nacional, necessário a educação moral e cívica. A arte dramática nunca conseguiu enraizar-se profundamente em Roma.
As obras de Aristófanes
Os Acarneus; Os Cavaleiros; As Nuvens; As Vespas; A Paz; Os Pássaros; Lisístrata; As Tesmoforias; As Rãs; Assembléia de Mulheres e Pluto.
Notas:
[1]Mitologia Vol. 3. AMARAL, Maria Adelaide de A. S. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 800, pp.769-800.
[2] São divindades menores da natureza, meio homem, meio bode. O troco é de homem, da cintura para baixo bode, cauda e orelhas de bode, pequenos chifres na testa, narizes achatados, lábios grossos, barbas longas e órgãos sexuais de dimensões bem acima da média - muito frequentemente mostrados em estado de ereção.
[3] Para Aristóteles, a catarse é muito importante porque “ao inspirar, por meio da ficção, certas emoções penosas ou malsãs, especialmente a piedade e o terror, ela nos liberta dessas mesmas emoções”.
[4] Nas cerimônias “falofóricas” o falo (símbolo da fecundidade) era levado em procissão e acrescentavam-se, aos hinos, zombarias e escárnios contra os espectadores.
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