MONTAR A CARA – A IDENTIDADE NACIONAL EM CENA
O fio condutor do teatro brasileiro, rompido em 1968, é reciclado e mostra um rosto forte em centros menores. O viés "fumaça e luzes", pós-modernista, esgota-se em belos cenários e falta de idéias.
A ditadura no Brasil coincidiu com uma etapa muito acelerada da revolução tecnológica no resto do mundo. A transição lenta, gradual, interminável, impossibilitou aos velhos protagonistas e aos novos figurantes uma solução honrosa para a distância entre os projetos abortados em 68 e as transformações imprescindíveis para que o país não perdesse em definitivo o trem da história.
O teatro brasileiro, dividido entre retomar processos interrompidos pelo regime de exceção e identificar novas estéticas (e, principalmente, novos públicos), acabou por repetir erros de avaliação e inaugurar novos desvios. É necessário identificar os fios perdidos dos projetos que se escondiam sob os nomes TBC - Arena - Oficina para distinguir o que é o novo indispensável do que é apenas o velho inevitável.
As saídas já são visíveis para qualquer observador da cena nacional: o aprofundamento das relações com o exterior e o interior do país. Para fora do eixo Rio-São Paulo, os caminhos do teatro nacional passam por Nova Iorque e Barbacena (MG), por Manizales (Colômbia) e Londrina (PR).
Franco Zampari fundou, em 1948, o TBC - Teatro Brasileiro de Comédia - e com ele a primeira companhia profissional brasileira a viabilizar, a longo prazo, temporadas com aquele repertório e aquela estética pelas quais toda uma geração de paulistas e cariocas vinha lutando através de projetos como "Os comediantes" .
Último alento hegemônico de uma aristocracia falida, ou ao contrário, gesto de afirmação de uma cultura imigrada (Zampari é um pouco o Egisto Guirotto de Jorge de Andrade), a verdade é que o TBC estabeleceu critérios estéticos que não só se reproduziram à exaustão - e ainda estão presentes na produção mais comercial - como foi a base sólida para que projetos tão díspares como os de Boal, Guarnieri, Zé Celso Martinez ou Amir Haddad pudessem se concretizar, ainda que por oposição.
Dessa experiência surgiu um teatro que, ainda hoje, 45 anos depois, predomina no gosto do público médio. Trair e coçar é só começar de Marcos Caruso, Porca miséria, do mesmo autor em parceria com Jandira Martini, Procura-se um tenor, dirigida por Bibi Ferreira e protagonizada por Juca de Oliveira, Fulvio Stefanini e Débora Duarte e, principalmente, O céu tem que esperar, produzida por Paulo Autran são montagens que repetem, hoje, no palco - e na platéia - a estética do TBC.
O interessante é que desta mesma matriz surgiu o que nosso teatro tem de mais "experimental" e pessoal: a trajetória de Antunes Filho. Assistente dos italianos do TBC, Antunes foi nosso melhor sucedido encenador "comercial", antes de se lançar na aventura que desembocaria em Macunaíma (1977), obra-prima que nos colocou no mapa do circuito internacional. Misturando influências que vão de Bob Wilson a Suzuki a um discurso quase new age, Antunes criou com o CPT (Centro de Pesquisa Teatral) um núcleo de fazer teatral de Primeiro Mundo. Da cenografia à interpretação ele chegou a um método sempre anunciado, mas nunca publicamente exposto - que se traduz em uma postura e não em uma estética estratificada. O centro de sua reflexão é o homem brasileiro, presente em obras que partem de Guimarães Rosa, Shakespeare ou mesmo de texto "próprio" (Nova velha estória). Mas o nó da produção nacional, Antunes ainda não venceu: ele não conseguiu encontrar ou produzir uma dramaturgia específica para sua estética. Aliás, sua experiência com um autor de primeiro time e vivo (Luiz Alberto de Abreu - Xica da Silva) resultou no espetáculo mais fraco dessa fase.
Sua interpretação para o fato coincide com a de seu contrário no espectro ético-ideológico: Gerald Thomas. Com palavras diferentes os dois confessam o que vários encenadores da nova geração repetem: o novo teatro ainda não encontrou uma nova dramaturgia. Os autores escrevem nos anos 90 "liderando atores intelectualmente limitados". Como se estivessem nos 40 - à espera de diretores decepa, fiéis ao "autor".
A verdade é que Antunes encontrou, sim, sua solução. E ela é macunaímica. Ele reescreve Nelson Rodrigues, Guimarães e Shakespeare sob a justificativa da direção e sem o ônus de uma adaptação. E agora anuncia um retorno ao início mesmo de toda a sua trajetória de pensador do palco. Vai remontar Pedreira das almas, de Jorge Andrade, texto com o qual encerrou as atividades do TBC em 1964.
Um estudo atento do texto de Andrade, da história daquela montagem e da trajetória posterior de Antunes levam a uma conclusão curiosa: nosso mais ambicioso artista do palco não existiria sem a herança "retrógrada" da Cia. da Rua Major Diogo e, em seu primeiro espetáculo de autor, ele fechou as portas de seu berço com um retrato profético do processo de depauperização da população sob o jugo do regime que então se inaugurava. Que ele retorne agora a esse texto é sinal de que um ciclo se conclui - ou se reinicia. E, com ele, o país também volta a enfrentar velhas quimeras.
Arena
O Arena terminou porque a ditadura prendeu, torturou, matou e forçou ao exílio seus integrantes. A mesma afirmativa é verdadeira no caso do grupo Oficina. Mas tanto um como o outro teria suas atividades encerradas mesmo se a ditadura não eclodisse. Esse final já se encontrava claramente anunciado em sua própria história.
O projeto de Guarnieri e de Vianinha era, em sua base, muito diferente do projeto de Augusto Boal. Hegemônico no grupo, Boal desenvolvia um trabalho que inevitavelmente teria que fazer a opção entre o político e o estético. Sua experiência de teatro-jornal e mesmo a sistematização rígida do Sistema Coringa já apontavam para uma opção clara pela ação política direta em detrimento da militância restrita ao universo tradicional da encenação.
06/05/1993 - Aimar Labaki
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