A Comédia Grega
Clássica
Introdução
Para se entender o fenômeno político e artístico que foi o surgimento da
comédia grega, é necessário primeiramente estudar o processo histórico que
originou a Grande Atenas, a Atenas Clássica, com sua democracia, sua filosofia
e suas artes, que até o presente, dois mil e quinhentos anos depois, ainda
influencia e assombra o mundo ocidental.
Acompanhar o desenvolvimento daquela sociedade é fundamental neste trabalho,
principalmente devido à origem acentuadamente política que a comédia assumiu em
Atenas.
Uma dificuldade em estudar esse fenômeno reside primeiramente no fato de que só
restaram ao século XX o texto integral de doze peças. Onze destas pertencem a
um só autor, Aristófanes.
Aristófanes pertenceu ao período mais antigo da comédia e que coincidiu com o
apogeu da sociedade ática. Este período, classificado de Comédia Antiga,
representou a fase mais política deste gênero de teatro em Atenas. Foi quando a
liberdade de expressão atingiu um padrão jamais igualado ---ressalte-se que o
mesmo era permitido somente aos homens livres, nem mulheres e, obviamente,
escravos, tinham esse direito-, mesmo em comparação com o período
contemporâneo. A décima Segunda peça tem como autor Menandro, e já pertence à
fase decadente da polis.
Outro fator para explicar o por quê de a comédia não tenha a mesma divulgação e
o mesmo status da tragédia talvez resida em nossa tradição cultural do
Ocidente, que talvez se explique nos versos do Poeta Mário Quintana,
"... um canto muros
erige
um riso os faz desabar"
Origens e formação do Estado
democrático ateniense
Da monarquia ao arcontado
O sistema monárquico acabou em Atenas
por volta do século VIII ac. As referências históricas sobre o fim deste
período são esparsas. Não resisto, porém, à tentação de contar a lenda pela
qual os áticos explicam o fim da monarquia.
Segundo a lenda ateniense, o último rei da polis chamava-se Codros. Durante uma
guerra em que Atenas ficou sitiada, este rei consultou o oráculo para saber
quem seria o vencedor do conflito. O oráculo lhe disse que a guerra seria ganha
pelo Estado cujo rei fosse morto pelo inimigo. Ao saber disso, o rei vestiu-se
de soldado e avançou sozinho sobre as forças sitiantes para desta forma morrer.
Foi o que aconteceu. Atenas, como predisse o oráculo, ganhou. Sensibilizados
com tamanha demonstração de virtude de seu rei morto, os atenienses decidiram
pôr fim à monarquia, certos de que nunca mais encontrariam um rei como este.
A partir do século VIII ac, foi instituído o sistema de arcontado. Atenas, a
partir de então, passava a ser governada pelos bem nascidos, os eupátridas (a
palavra significa "chefe de família nobre"). O poder da época
dividia-se entre uma espécie de Judiciário e Executivo. Na função de tribunal,
havia um conselho de juízes. A este conselho era dado o nome de Aerópago.
Neste século (VIII ac), havia sido introduzido em Atenas o cultivo da vinha e
da oliveira. A prática deste tipo de agricultura exigia um capital
considerável, por necessitar de um longo tempo de maturação. Isto provocou uma
verdadeira crise social em Atenas, já que os pequenos e médios agricultores não
tinham infra-estrutura para o cultivo destes gêneros. Eles terminavam caindo
num círculo vicioso de contrair mais e mais empréstimos até culminar com a
falência.
A maioria destes falidos terminava tornando-se escravos, visto que era possível
hipotecar a si próprio. Esta situação agravou-se até chegar a um limite que
beirava a convulsão social. No século VI ac, a situação era gravíssima. Foi
neste momento que surgiu um movimento no sentido de reformar as instituições
atenienses. Este foi o momento de brilho do arconte Sólon.
As reformas de Sólon
De todas as mudanças implantadas por
este legislador, a mais importante foi a seisáktheia. Esta lei proibia a
escravização de qualquer pessoa por motivo de dívida. Sólon instituiu também o
direito a todos os cidadãos atenienses, a partir de uma determinada renda, de
participar politicamente da polis. Instituiu ele também a limitação da
quantidade de terras que cada indivíduo deveria possuir -reforma agrária-, o
ensino obrigatório de um ofício às crianças e a instituição de um tribunal supremo
em que o júri deveria ser composto por sorteio. Este regime foi chamado do
plutocracia (governo dos ricos).
A plutocracia ateniense não cessou os conflitos sociais, apenas amenizou-os
muito temporariamente. Ainda no século VI, no ano de 560 ac, um tirano assume o
poder em Atenas. Seu nome é Pisístrato.
Pisístrato é um reflexo das lutas sociais que vinham se desenvolvendo. Seu
governo baseava-se nas classes médias e baixas. Este tirano exilou vários
aristocratas e confiscou vários latifúndios, distribuindo-os aos sem-terra.
Seus atos tirânicos, paradoxalmente, alicerçaram a futura democracia ática,
amenizando as diferenças sociais em Atenas. Após sua morte, em fins do século
VI (527 ac), e um relativamente curto período de poder de seu filho, Hípias (de
527 ac a 510 ac), foi restaurado o poder dos aristocratas. O Estado ateniense
passou a ser comandado por Clístenes.
As reformas de Clístenes
Apesar de sua origem nobre, o arconte
Clístenes foi o grande responsável pela consolidação da participação popular na
política de Atenas. Este arconte dividiu a cidade em dez distritos,
reorganizando a estrutura habitacional da acrópole. Cada um desses distritos,
chamados demos (daí democracia), deveria possuir em igual número e proporção
ricos, pobres, metecos (estrangeiros), camponeses e citadinos. Nesta reforma,
Clístenes outorgou o direito a qualquer homem livre nascido em Atenas com mais
de 30 anos a participar da vida política da cidade. Cada um dos dez demos
elegia um general (em grego strategoi, chefe), 50 senadores, e 500 candidatos
para o tribunal. Mulheres e escravos estavam excluídos do sistema.
Clístenes reforçou e ampliou as reformas de Sólon, alicerçando politicamente a
democracia em Atenas. A partir de Clístenes, a sociedade ática passa por um
processo de engrandecimento cultural, econômico e militar que culmina no século
V ac, quando do governo de Péricles, que durou 30 anos, mas ficou conhecido na
história como Século de Péricles.
Apogeu e declínio da grande Atenas
O século V ac é o século que marca o clímax da Grécia Clássica. Neste momento,
Atenas se destaca como a mais proeminente cidade da hélade. A cidade-estado
distinguia-se das demais por sua cultura, prosperidade e poderio militar. É a
época da grande Tragédia, da grande Comédia, do escultor Fídias e do filósofo
Sócrates. É a era do historiador Túcides e do filósofo Demócrito.
Foi no século V ac que os gregos venceram o seu maior inimigo, aquela nação que
anteriormente detinha a hegemonia sobre os povos do Mediterrâneo e do Oriente
Próximo na Antigüidade, a Pérsia. Este império foi derrotado definitivamente,
no que tange ao controle político do Mediterrâneo, no ano de 479 ac, quando
todas as cidades-estado gregas, capitaneadas por Atenas e Esparta, arrasaram as
forças do rei Xerxes. Após essa vitória, nenhuma outra força era páreo para a
Grécia.
Um ano depois desta vitória, os gregos criaram a Liga de Delos, da qual fazia
parte a maioria das cidades-estado da Grécia e tinha fins estritamente
militares.
O sucesso bélico e econômico da hélade foi a base para o crescimento e o
fortalecimento das já delineadas instituições democráticas.
Péricles é o grande articulador desta gloriosa Atenas. Eleito para general pela
primeira vez em 460 ac, será sucessivamente recolocado no poder por meio do
voto por praticamente 30 anos. Por iniciativa sua, os fundos do tesouro da Liga
de Delos passaram a ser usados no embelezamento de Atenas. Péricles defendia a
idéia da paz como uma situação favorável para o crescimento econômico e
cultural da hélade. É com Péricles que o teatro grego adquire o seu esplendor.
Péricles foi contemporâneo de Ésquilo. Para incentivar os cidadãos mais pobres
a irem ao teatro, Péricles instituiu um subsídio. Como o objetivo também de
estimular o povo a participar das sessões do tribunal, Péricles instituiu o
pagamento de uma determinada quantia aos freqüentadores.
A hegemonia da hélade sob o comando de Atenas termina por criar uma situação de
antagonismo com a segunda mais importante cidade-estado grega, Esparta. O
acirramento desta rivalidade culmina com a Guerra do Peloponeso. Durante o
Peloponeso, no ano de 429 ac, morre Péricles, vitimado por uma epidemia que
atingiu a cidade.
Esta guerra representa o fim da grande Atenas.
Este é o cenário histórico no qual se desenvolveu a Comédia Antiga.
Origens e formação
da comédia grega
A origem da comédia é comum à origem da tragédia.
Sua raiz está nas festas dionisíacas, consagradas ao deus Dioniso, que se realizavam
em toda a hélade. As dionisíacas eram em número de três.
As Dionisíacas Urbanas eram, de todas, a mais importante.
Ela realizava-se na primavera, em fins de março e durava sete dias. Outra
comemoração, as Leneanas, era realizada no inverno, aproximadamente
nos fins de janeiro, nas montanhas. A terceira ocorria também no inverno, em
fins de dezembro. Eram as Dionisíacas Rurais.
A palavra comédia vem do grego komoidía. Sua origem etimológica é komos
(procissão jocosa) e oidé (canto). A palavra komos tem múltiplos sentidos no
vocabulário grego. Todos no entanto remetem-se ao sentido de procissão. Havia
dois tipos de procissão que tinham a designação komoi. Um deles consistia-se
numa espécie de cordão carnavalesco, na qual participavam os jovens. Estes
saíam às ruas da acrópole batendo de porta em porta, pedindo prendas e
donativos. Nestas komoi era hábito também expor à zombaria os cidadãos da
polis. Estes jovens costumavam desfilar nestas komoi fantasiados de animais. A
tradição pode ser detectada em três das onze peças de Aristófanes que chegaram
até nós e têm nome de animais e insetos: As vespas, As rãs e As aves.
Outro tipo de komoi era de natureza religiosa. Esta segunda era realizada nas
festas dionisíacas. Nesta procissão, era celebrada a fertilidade da natureza.
Escoltava-se nesta komoi uma escultura representando um pênis. Era hábito
também que, durante a procissão, as pessoas trocassem palavras grosseiras entre
si. Estes palavrões tinham conotações religiosas. Era a forma de desejar ao seu
próximo a fertilidade da natureza e fartura, haja vista que a Grécia tinha
grandes problemas com a fertilidade da terra e das mulheres.
Outra possível origem do gênero komoidia está, segundo o filósofo Aristóteles,
nos cantos fálicos. Neles, uma prostituta liderava um cordão em que todos
cantavam obscenidades. Os cantos fálicos eram entoados nas dionisíacas.
A komoidía tem várias complexas e perdidas origens.
A primeira encenação
A primeira vez que a comédia foi encenada em Atenas foi no século V ac, no ano
de 486 ac. Entre a primeira encenação da comédia e o aparecimento da tragédia
no teatro grego existe uma diferença de aproximadamente 50 anos (a instituição
da tragédia como gênero teatral ocorreu aproximadamente entre 536 e 533 ac -no
século VI). Neste ano, e a partir daí, a comédia passou a ser o penúltimo
acontecimento das dionisíacas, que se encerravam com a reapresentação da
tragédia vencedora.
Sob vários aspectos, a comédia incorporou elementos da tragédia. Dela, a komoidía
se apropriou do coro, das máscaras e da música. É bom ressaltar que a
semelhança entre os dois estilos se resume aos aspectos formais.
A encenação da comédia, na forma como ela surgiu, no período que foi
caracterizado como Comédia Antiga, dividia-se em duas partes com um intervalo,
chamado de parábase.
A primeira parte constituía-se no agón. Neste, prevalecia um duelo
verbal entre o protagonista e o coro. O agón, segundo o pesquisador
Junito de Souza Brandão, no livro Teatro Grego (Petrópolis, Editora
Vozes) , é de origem ática. Nele, o coro é fundamental, representando um
verdadeiro papel de ator. Esta fórmula cênica tem íntima relação com as komoi
religiosas, em que havia um agón entre o líder da komoi e seus
seguidores (coro).
Logo após esta primeira parte, havia uma espécie de intervalo. Este intervalo
era chamado de parábase. Neste momento, o coro retirava sua máscara e
falava diretamente com o público. A parábase estava dissociada da ação
que se desenrolara até então no palco. Era uma espécie de chamada aos
espectadores à realidade. O objetivo da parábase era de estabelecer uma
conclusão improvisada da primeira parte. Nela também o autor ou o coro dirigia
palavras para o público. Este discurso versava, na maioria das vezes, a
respeito da política da cidade, das virtudes do autor (assim como a tragédia, a
comédia também era submetida a um concurso) e mesmo de queixas (um exemplo
disto é a parábase de As vespas, de Aristófanes, encenada em 423
ac, em que Aristófanes censura o público por não haver dado à sua comédia As
nuvens o primeiro lugar no ano anterior).
Logo após a parábase, vinha a segunda parte da comédia. Esta era uma
espécie de revista. Seu objetivo era esclarecer os resultados do agón da
primeira parte. Neste momento da peça, predominava o humor mais vulgar. Assim
como a primeira parte da comédia de característica intrinsecamente ática, a
segunda parte é de influência jônica, mais especificamente Megarense (os gregos
chamavam a Sicília de Mégara, onde havia colônias gregas). É interessante
relembrar a peculiaridade de a obscenidade ser, tanto na tradição ática quanto
na jônica, de fundo religioso.
Comédia e tragédia
Enquanto a tragédia grega era fundamentada na temática mitológica, a
comédia não tinha nenhum padrão rígido. Ela tendia a criar situações absurdas
e, dentro destas, elaborar uma crítica essencialmente política aos governantes
e aos costumes da época.
O surgimento da comédia só foi possível por causa da democracia, conquistada no
século V ac, quando a liberdade de expressão atingiu um nível inigualado na
história para os chamados homens livres (escravos, mulheres e estrangeiros eram
excluídos deste direito), mesmo se comparado aos dias de hoje.
Apesar de a comédia ser representada nas festas dionisíacas lado a lado com o
gênero trágico no famoso teatro Odeon de Atenas, vários fatores levam-nos à
conclusão de que o gênero era visto como uma arte menor quando comparada à
tragédia. Uma das razões que induzem a esta conclusão está na diferenciação do
júri responsável por apreciar a tragédia e o grupo responsável por avaliar as
comédias.
As obras trágicas eram julgadas por cidadãos escolhidos pelo arconte entre as
famílias aristocráticas e por pessoas que se destacaram na sociedade ateniense.
Integrar o júri da tragédia já denotava ao escolhido uma espécie de distinção.
As obras cômicas, por sua vez, tinham uma forma de escolha de júri bem menos
nobre. Eram sorteadas cinco pessoas quaisquer da platéia para constituir o
corpo de jurados.
Outro motivo que sugere esta conclusão é de ordem lógica. A comédia, em sua
fase inicial, denominada Comédia Antiga, tinha caráter radicalmente político.
Tudo e todos eram satirizados pelos comediógrafos. Esta satirização não poupava
nem os deuses, como se pode constatar na comédia "As rãs". Nesta
comédia, o deus Dioniso, o mais popular dos deuses gregos, aparece
caricaturalizado com a roupa de uma prostituta. Na peça, o deus se revela
covarde e afeminado.
Este gênero de comédia teve vida relativamente cura. Durou de 486 ac até 404 ac
(ano da capitulação de Atenas na Guerra do Peloponeso). Era um estilo tão
virulento que estava permanentemente ameaçado de extinção. Sua existência
devia-se à democracia ateniense. Por mais de uma vez neste período, tentou-se
decretar a proibição da inserção de personagens relacionados a personalidades
vivas, a alusões jocosas aos mortos e até mesmo proibir a crítica aos juízes.
Somente a queda de Atenas e de sua democracia pôs termo à Comédia antiga.
Aristófanes pertenceu basicamente a esta época. Outros nomes considerados de
destaque neste período eram Magnes, Cratino, Crates, Eupolis, Amípsias e
Frínico, que são conhecidos somente por causa daas referências de textos da
época e framentos de peças.
A comédia grega antiga conheceu mais outros dois momentos. O segundo foi a
chamada Comédia Intermediária, em que predominam as paródias e a crítica de
costumes. A Comédia Nova surge em meados do século IV ac sua temática é
exclusivamente de comportamento. Ambas serão esmiuçadas adiante.
O fim da comédia antiga
Como já foi visto aqui, a comédia
antiga só poderia florescer numa autêntica democracia, em que não houvesse
censura para inibir a produção literária. Este tipo de liberdade foi efêmero em
Atenas. Durou somente o século V ac. A Guerra do Peloponeso, externamente, os
conflitos sociais e os demagogos, internamente, arruinaram o sistema.
Cleon morreu no ano 422 ac., Seu sucessor foi Hipérbolo, um demagogo. Tanto um
quanto o outro fomentaram a guerra com Esparta. A estratégia era de usar,
mediante o apelo do nacionalismo, uma política de arrocho fiscal, com o aumento
de impostos. Os tributos, entretanto, para muitos não era integralmente
destinado à guerra. Aristófanes aponta isto no agón de Os
Cavaleiros. Na cena, o salsicheiro e Panflagônio disputam a preferência
do povo. Num certo momento de distração de Panflagônio, o salsicheiro mostra a
riqueza dele ao povo.
Povo
Ah, raios! A cesta dele está cheia de tudo que é bom! O pedação de torta que o
tipo reservou para ele! A mim, deu uma fatiinha que não era maior que isso
(mostra).
Salsicheiro
Pois é assim mesmo que ele tem feito até agora. Dava-te um pedacinho do que
arranjava e guardava a maior parte para ele.
Povo (a Panflagônio)
Ah, safado! Era assim que tu me enganavas! E eu a cobrir-te de coroas e
presentes!
Apesar de diversas tentativas de paz por parte dos vários
adversários de Atenas, a cidade-estado, estimulada por suas lideranças
políticas e pelos fabricantes de armas, insistia em prosseguir com a guerra.
Hipérbolo, entretanto, caiu em desgraça e foi expulso da cidade. Seu sucessor
foi Cleofonte, que terminou por sepultar a grandeza de Atenas. No ano de 406
ac, os exércitos atenienses conseguem uma praticamente definitiva vitória sobre
Esparta. Neste ano, eles conseguiram destruir praticamente todo o poderio do
exército e da armada espartana. A sorte pendia para os atenienses.
Cleofonte, todavia, mais preocupado em manter sua supremacia política em
Atenas, ignorou as possibilidades militares de vitória final. Ele temia que um
de seus dez generais que infligiriam a derrota pudesse tomar o lugar dele.
Fundamentado em suspeitas, Cleofonte invoca uma lei para punir seus próprios
generais, que haviam acabado de voltar vitoriosos. Ele os acusa de, durante a
batalha que vencera, não terem recolhido os corpos dos mortos. A pena para esse
tipo de crime em Atenas era a morte. E foi isso que aconteceu.
A cidade ficou então acéfala militarmente. Esparta, em silêncio, reequipava
seus exércitos e fechava uma aliança com a Pérsia. No ano de 404 ac, os
espartanos marcham sobre Atenas, que capitula. Com a derrota, a democracia, da
forma como existia até então, fora extinto. Foi instalado em seguida um regime
de terror, o Governo dos Trinta Tiranos. Foi proibida a partir de então
a representação de personagens baseados em pessoas nas comédias. A comédia
passava a viver sob o jugo da censura. Aristófanes tinha na época 53 anos.
A comédia grega, no entanto, não havia terminado. Muito menos havia acabado a
produção artística de Aristófanes.
Aristófanes
"As Graças procuravam
um altar eterno.
Acharam-no na inteligência de Aristófanes."
Platão
Aristófanes nasceu em Atenas em 457 ac. Quatro anos antes do seu nascimento, em
461 ac, Péricles havia assumido o poder em Atenas. Aristófanes viveu toda a sua
juventude sob o esplendor do Século de Péricles. Aristófanes foi testemunha
também o início do fim daquela grande Atenas. Ele viu o início da Guerra do
Peloponeso, que arruinou a hélade. Ele, da mesma forma, viu de perto o papel
nocivo dos demagogos na destruição econômica, militar e cultural de sua
cidade-estado. À sua volta, à volta da acrópole de Atenas, florescia a
sofística -a arte da persuasão-, que subvertia os conceitos religiosos,
políticos, sociais e culturais da sua civilização.
O teatro de Aristófanes, principalmente aquele que integra a sua obra no
período da Comédia Antiga, é um contundente e sarcástico manifesto contra os
elementos que ele julgava responsáveis pela decadência de Atenas.
Aristófanes foi um homem contraditório. Crítico violento da democracia,
utilizava-se de uma retórica tão agressiva que somente em um ambiente de
liberdade plena como o democrático permitiria a sua veiculação. Aristófanes vê
com desprezo a forma pela qual os cidadãos gregos deixavam-se levar pelos
demagogos. Ele detestava também o teatro modernizante de Eurípedes,
cheio de sutilezas retóricas, que invocava outros deuses ao invés dos
tradicionais membros do Olimpo. Paradoxalmente, este teatro, que negava as
inovações na retórica, assimilava-as na prática, a ponto de Cratino, um
comediógrafo rival de Aristófanes, qualificar o teatro moderno de sua
época como euripidaristofanizante. Aristófanes, todavia, era
considerado o maior autor de comédias de seu tempo. Quase todas as suas 11
peças que nos restaram obtiveram sucesso nas Dionísias. Somente As Aves
e A Paz obtiveram o segundo lugar, e As Nuvens o
terceiro. Para sublinhar mais esta excelência entre os gregos, é bom citar que
a comédia As Rãs foi tão bem recebida pelo público que teve a sua
reapresentação pedida pela platéia. Na época, a reapresentação de uma peça era
privilégio da tragédia.
A primeira comédia de Aristófanes que se tem notícia foi encenada no ano de 427
ac e se chamava Os Babilônios. Esta perdeu-se no tempo. No
entanto, sabemos por relatos da época que tratava-se de um ataque cruel a
Cleon. Cleon foi sucessor de Péricles. De curtidor de couro, uma profissão
humilde, ele foi eleito general de Atenas. Sua política imperialista obteve
algum sucesso no início, mas foi desastrosa para Atenas a longo prazo, pois
colocou a cidade-estado envolvida em conflitos militares caros que ainda
resultaram em derrotas.
Diversamente de Péricles, Cleon foi um dos fomentadores da Guerra do
Peloponeso. Ficou famoso por sua venalidade, por perseguir politicamente e
judicialmente os cidadãos -principalmente os ricos- que ele considerava seus
inimigos. Cleon é acusado por seus contemporâneos de subornar juízes para obter
sentenças favoráveis a seus interesses. Em seu governo, os aliados de Atenas
foram relegados à condição de colônias, o que provocou descontentamento e
deserções.
É contra ele que Aristófanes faz a peça Os Babilônios. Ela foi
representada nas Grandes Dionísias Urbanas, diante do General e de seus
aliados. É sabido que ele sentiu-se extremamente ofendido com a representação e
acusou Aristófanes de difamar as instituições atenienses ao mundo grego.
O dramaturgo, entretanto, não se intimidou com esta crítica. Dois anos depois,
no ano de 425 ac, nas Leneanas, Aristófanes apresentou a comédia Os
Cavaleiros. Esta peça, felizmente, chegou até nós. Ela representa o
mais violento ataque pessoal de Aristófanes a Cleon. Tão agressiva foi
considerada que nenhum ator da época teve a coragem de representar o papel de Panflagônio
(Cleon). Foi o próprio autor que teve de fazê-lo (desempenho, aliás,
considerado medíocre por seus contemporâneos). Para desespero do general, ele
foi o vencedor do concurso.
Os Cavaleiros
Nesta peça, Aristófanes caracteriza
Cleon como escravo de um senhor. O senhor é o povo. Trata-se de um escravo
muito desonesto e desprovido de qualquer caráter. Uma peculiaridade é
importantíssima para podermos situar a peça. Cleon estava no auge de sua
popularidade no tempo da representação por causa de um sucesso inesperado na
Guerra do Peloponeso.
Um porto, o porto de Pilos, que era de fundamental importância econômica e
militar para a cidade-estado de Esparta, havia sido tomado por Atenas por um
general chamado Demóstenes -homônimo do orador famoso-. Os espartanos, visando
retomá-lo, tomaram posição numa ilha perto de Pilos (Esfactéria). A armada
ateniense, no entanto, cercou a ilha. Os espartanos então tentaram assinar a
paz. Cleon desejava, todavia, uma vitória total para humilhar Esparta e ganhar
prestígio como líder em Atenas. O cerco à ilha, se por um lado havia isolado os
espartanos, por outro, não havia decidido a batalha. O cerco continuava e a
indecisão também. Cleon exigia a vitória e acusou os demais generais atenienses
de incompetência. Seu rival, Nícias, é o comandante da frota. Para constranger
o líder, Nícias renuncia em favor de seu rival. Surpreendido, Cleon assume o
comando dos exércitos. Ao encontrar-se com o general Demóstenes, este lhe
apresenta um plano de ataque cuidadosamente elaborado pelo estado-maior de
Nícias. De posse daquele planejamento, Cleon supervisiona o ataque à ilha,
comandado por Demóstenes. Atenas vence e captura vários nobres espartanos.
Cleon foi recebido como herói na cidade.
É neste ano que Aristófanes lhe dedica a peça Os Cavaleiros. O
nome da peça provém de uma divisão militar de origem aristocráticas na qual
Aristófanes põe as esperanças de desmoralizar Cleon. A peça se resume à luta
entre Panflagônio (Cleon) e um salsicheiro que, segundo os
oráculos, seria o sucessor do demagogo no poder de Atenas. No agón entre
o salsicheiro e Panflagônio, desenvolve-se uma corrosiva crítica
aos sistema democrático de escolha dos governantes. Críticas, aliás, à
democracia é que não faltam n´Os Cavaleiros. Aristófanes denuncia
o oportunismo de Cleon no episódio do ataque à ilha e o oportunismo dos
políticos em geral. Um exemplo disto é o diálogo travado entre um escravo -uma
caricatura do general Demóstenes- e o salsicheiro. No diálogo, o escravo tenta
convencer o salsicheiros de que este pode e deve entrar na política para
enfrentar Panflagônio .
Salsicheiro
Mas, diga-me uma coisa: como é que eu, um salsicheiro, vou me tornar um
político, um líder?
Primeiro Escravo (general Demóstenes)
Mas é precisamente nisso que está a sua grandeza: em você ser um canalha, um
vagabundo, um ser inferior!
Salsicheiro
Pois eu não me julgo digno de tamanho poder!
Primeiro Escravo (general Demóstenes)
Ai, ai, ai, ai, ai, ai! O que é que te faz dizer que não te achas digno? Está
parecendo para mim que tens alguma coisa de bom a pesar-te na consciência.
Serás tu filho de boa família?
Salsicheiro
Nem de sombra! De patifes, mais nada!
Primeiro Escravo (general Demóstenes)
Homem ditoso! Que sorte a sua! Tens todas as qualidades para a vida pública!
Salsicheiro
Mas, meu caro amigo, instrução não tenho nenhuma. Conheço as primeiras letras
e, mesmo estas, mal e porcamente!
Primeiro Escravo (general Demóstenes)
Isso não é problema! Que as conheças mal e porcamente! A política não é assunto
para gente culta e de bons princípios: é para ignorantes e velhacos!
É interessante o paroxismo desta peça.
Foi eleita pelo povo como a melhor comédia, o mesmo povo que reelegeu Cleon.
As Nuvens: Contra Sócrates
Aristófanes foi um autor essencialmente
político. A comédia As Nuvens versa, no entanto, sobre outro
tema. As Nuvens foi encenada no ano de 423 ac. De todas as peças
de Aristófanes que chegaram até nós, esta foi a de pior colocação. Ela obteve o
terceiro lugar, fato que desgostou o autor por muito tempo. A peça tinha como
objetivo atacar o filósofo Sócrates.
Sócrates tinha 47 anos quanto esta comédia foi encenada. Aristófanes retrata-o
na peça como um sofista. Em As Nuvens, Sócrates se mostra um corruptor
da juventude. Ele toma aos seus cuidados Fídipes, filho de um rico fazendeiro,
e ensina-o a ser corrupto. Já na entrada do fronstistério (colégio) de
Sócrates, Fídipes é apresentado a duas formas de raciocínio, o justo e o
injusto. Depois de um agitado agón, o raciocínio injusto vence a
contenda e passa a ser o mestre de Fídipes.
O próprio título da peça é uma ironia. Aristófanes acusa os modernizantes de
sua época de estarem abandonando o culto aos verdadeiros deuses e introduzindo
o ateísmo ou culto de divindades estranhas como o éter, o ar, a persuasão.
Isso pode ser constatado no diálogo entre o pai de fídipes e Sócrates no
momento em que o primeiro invoca o nome dos deuses.
Sócrates
Jura pelos deuses?!... Quais deuses?... Para já, "deuses" é moeda que
não usamos aqui na casa!
O fim da comédia antiga
Como já foi visto aqui, a comédia
antiga só poderia florescer numa autêntica democracia, em que não houvesse
censura para inibir a produção literária. Este tipo de liberdade foi efêmero em
Atenas. Durou somente o século V ac. A Guerra do Peloponeso, externamente, os
conflitos sociais e os demagogos, internamente, arruinaram o sistema.
Cleon morreu no ano 422 ac., Seu sucessor foi Hipérbolo, um demagogo. Tanto um
quanto o outro fomentaram a guerra com Esparta. A estratégia era de usar,
mediante o apelo do nacionalismo, uma política de arrocho fiscal, com o aumento
de impostos. Os tributos, entretanto, para muitos não era integralmente
destinado à guerra. Aristófanes aponta isto no agón de Os Cavaleiros.
Na cena, o salsicheiro e Panflagônio disputam a preferência do povo. Num certo
momento de distração de Panflagônio, o salsicheiro mostra a riqueza dele ao
povo.
Povo
Ah, raios! A cesta dele está cheia de tudo que é bom! O pedação de torta que to
tipo reservou para ele! A mim, deu uma fatiinha que não era maior que isso
(mostra).
Salsicheiro
Pois é assim mesmo que ele tem feito até agora. Dava-te um pedacinho do que
arranjava e guardava a maior parte para ele.
Povo (a Panflagônio)
Ah, safado! Era assim que tu me enganavas! E eu a cobrir-te de coroas e
presentes!
Apesar de diversas tentativas de paz por parte dos vários
adversários de Atenas, a cidade-estado, estimulada por suas lideranças
políticas e pelos fabricantes de armas, insistia em prosseguir com a guerra.
Hipérbolo, entretanto, caiu em desgraça e foi expulso da cidade. Seu sucessor
foi Cleofonte, que terminou por sepultar a grandeza de Atenas. No ano de 406
ac, os exércitos atenienses conseguem uma praticamente definitiva vitória sobre
Esparta. Neste ano, eles conseguiram destruir praticamente todo o poderio do
exército e da armada espartana. A sorte pendia para os atenienses.
Cleofonte, todavia, mais preocupado em manter sua supremacia política em
Atenas, ignorou as possibilidades militares de vitória final. Ele temia que um
de seus dez generais que inflingiriam a derrota pudesse tomar o lugar dele.
Fundamentado em suspeitas, Cleofonte invoca uma lei para punir seus próprios
generais, que haviam acabado de voltar vitoriosos. Ele os acusa de, durante a
batalha que vencera, não terem recolhido os corpos dos mortos. A pena para esse
tipo de crime em Atenas era a morte. E foi isso que aconteceu.
A cidade ficou então acéfala militarmente. Esparta, em silêncio, reequipava
seus exércitos e fechava uma aliança com a Pérsia. No ano de 404 ac, os
espartanos marcham sobre Atenas, que capitula. Com a derrota, a democracia, da
forma como existia até então, fora extinto. Foi instalado em seguida um regime
de terror, o Governo dos Trinta Tiranos. Foi proibida a partir de então
a representação de personagens baseados em pessoas nas comédias. A comédia
passava a viver sob o jugo da censura. Aristófanes tinha na época 53 anos.
A comédia grega, no entanto, não havia terminado. Muito menos havia acabado a produção
artística de Aristófanes.
A comédia intermediária
O Governo dos Trinta Tiranos teve curta duração. No
ano seguinte, em 403 ac, estes foram destituídos pelo líder democrático
Trasíbulo. A democracia, no entanto, nunca mais voltou a ser a mesma. A comédia
continuou a ter várias restrições.
O século IV ac, que se iniciava, tinha muitas diferenças em relação à
mentalidade do século anterior. Segundo o filósofo alemão Nietzche, o
sentimento da decadência se instauraram em Atenas. O espírito guerreiro do
século anterior sumira. Em lugar deste, na mentalidade grega, havia se
instalado a concepção de procura por harmonia. Uma harmonia que se
materializava no lar. O culto dos deuses havia dado lugar também a uma
preocupação mais antropocêntrica.
Politicamente, a guerra do Peloponeso marcou o fim da civilização ateniense
como força dominante. No século IV ac, a Grécia, como um todo, é uma potência
decadente. Antes mesmo do fim deste século, no ano de 338 ac, os Macedônios,
com o rei Felipe à frente, invadiam a nação.
A comédia intermediária representa essa transição. Podada e cansada da crítica
política, os comendiógrafos voltavam-se para outros assuntos. Naquele momento,
a temática das comédias passou a girar em torno das paródias míticas, das
sátiras aos sistemas filosóficos, de questões como a instabilidade das
fortunas, assuntos gastronômicos etc...
É neste momento que a comédia começa a adquirir o tom da crítica de costumes.
Estetica e formalmente, é suprimida a parábase e diminui sensivelmente o coro.
Deste período da comédia, pouco nos chegou. Somente duas peças de Aristófanes
pertencem a esta época. São elas Assembléia de mulheres(392 ac) e
Pluto(388 ac). A primeira trata ironicamente da idéia de uma
comunidade de bens e amor livre (aparentemente, esta concepção parecia
interessar aos atenienses da época). A outra versa sobre a distribuição de
riquezas.
Em Pluto, a questão central não é mais política. Não é,
igualmente, aquele Aristófanes corrosivo e crítico que encontramos. Nesta obra,
vemos uma preocupação individualista, não mais aqueles manifestos da comédia
antiga contra as lideranças políticas. Em Pluto, o deboche
desaparece para dar lugar a uma forma mais serena de ver o mundo. Esta é a sua
última obra que se tem notícia. Há indícios, segundo alguns historiadores, de
que Aristófanes teria, graças à sua longevidade, chegado a compor uma peça no
estilo da nova comédia. O nome desta obra seria Cócalo. Se ela
existiu mesmo, está perdida.
A relação das obras conhecidas de Aristófanes é a seguinte:
- Os
Babilônios (427 ac) -obra perdida-
- Os
Arcanos (425 ac)
- Os
Cavaleiros (425 ac)
- As
Nuvens (424 ac)
- As
Vespas (423 ac)
- A Paz (421
ac)
- As
Aves (414 ac)
- Lisístrata (411
ac)
- As
Celebrantes das Testemófórias (411 ac)
- As Rãs (405
ac)
- Assembléia
de Mulheres (392 ac)
- Pluto (388
ac)
- Cócalo-obra
perdida-
Outros representantes deste momento da comédia eram
Antífanes, Anaxandrido, Alexis, Arquipas, Nocóstrato e Timocles. Destes, no
entanto, só nos sobraram fragmentos de peças e/ou comentários. Nada que nos dê
a idéia exata de sua produção. Resta-nos somenta Aristófanes.
A comédia intermediária, porém, teve curta duração. Ela representou muito mais
a procura por uma estética que fosse consoante com
A nova comédia
A partir de meados do século IV ac, aproximadamente na época da capitulação de
Atenas frente aos Macedônios, surge uma nova forma de comédia em Atenas,
denominada pelos críticos de nova comédia.
A mentalidade grega havia mudado. O ideal guerreiro, patriótico, trágico e
politizado do século anterior já não subsistia. Os gregos, agora derrotados,
voltavam-se para o lar. Os deuses olímpicos, com a invasão dos Macedônios, se
orientalizaram. É esta Atenas que produziu a nova comédia.
Na nova comédia, desaparece o coro como elemento atuante da peça. Sua
participação, a partir daí, resume-se à coreografia dos momentos de pausa da ação.
As diferenças entre a comédia antiga e a nova comédia não terminam aí. As
características são opostas. O tema da nova comédia são as relações humanas,
principalmente as intrigas amorosas. A política é tabu. É um tipo de teatro
essencialmente bem-comportado. Lembra um drama burguês, em que não havia mais
espaço para a obscenidade. Não há, igualmente, as histórias bizarras que
podemos ver nas obras de Aristófanes. A nova comédia é realista, produzindo
dramas plausíveis. Ela procura, numa linguagem bem comportada, estudar as
emoções. Desta época, sabemos que os maiores autores foram Filémone, Difilo e
Menandro. O único que nos restou foi Menandro.
Menandro
"Menandro e vida:
Qual de vós imita o outro?"
Menandro nasceu em 343 ac e morreu em 291 ac. Filho de
família aristocrática, homem culto, Menandro não foi reconhecido pelos
atenienses como um grande autor em sua época. É na posteridade que lhe chegaram
os louros. Suas obras foram muito difundidas no mundo culto da Antiguidade e
eram consideradas um primor estético, a ponto de o gramático e bibliotecário
Aristófanes (257 ac / 180 ac) ter lhe dedicado o epigrama que inaugura este
capítulo.
Quase todas as suas obras, entretanto, perderam-se no tempo. Somente fragmentos
nos restaram. A única exceção é O Misantropo, que foi achada em
um papiro egípcio em 1958.
O Misantropo foi encenado no ano de 318 ac nas Leneanas. O autor
tinha somente 25 anos e, apesar da pouca idade, conquistou o primeiro lugar. A
única peça de Menandro encontrada na íntegra versa sobre um homem que vive
sozinho com sua filha. Seu nome é Cnemon. A mãe desta menina que, ao se casar,
já tinha um filho de uma união anterior -Górgias-, deixou o misantropo logo
após o nascimento da filha por causa da personalidade intratável dele. Um jovem
rico (Sóstrato) apaixona-se pela moça e tenta casar-se com ela, pedindo-lhe a
mão ao pai. Este se opõe ao casamento. Sóstrato então conhece Górgias e com ele
faz amizade. Górgias, no entanto, nada pode fazer para ajudar seu amigo. A
oportunidade de mudar surge quando Cnemon cai acidentalmente em um poço e é
ajudado por Górgias. O misantropo então, comovido pela ajuda desinteressada,
cede a mão da filha a Sóstrato. Górgias casa-se com a irmã de Sóstrato e o
misantropo redime-se de seu caráter.
Esta peça pertence, como já foi dito à juventude de Menandro. Ela não
representa ainda o explendor de seu estilo. O que caracteriza a obra, assim
como toda a criação da nova Comédia, é a estereotipização dos elementos da
sociedade. N´O Misantropo , vemos também valores ligados a uma
concepção racionalista de política social. A data da encenação desta peça
coincida com o início do governo do tirano Demétrio de Falero em Atenas.
Menandro era grande amigo deste tirano. Demétrio acreditava poder levar a cabo
uma reforma de costumes em Atenas. Sua idéia era estimular os casamentos entre
pessoas de poucas posses com pessoas abastadas, visando assim consolidar uma
classe média que manteria a harmonia cultural, social e política da cidade.
Nada além desta peça nos resta daquele tempo. Desta última fase que foi
definitivamente enterrada no início da era cristã.
Bibliografia
- Aristófanes,
As Nuvens, Lisboa, Editorial Inquérito, 1984
- Aristófanes,
As Aves, Lisboa, Editorial Inquérito, 1984
- Aristófanes,
As Vespas, Lisboa, Editorial Inquérito, 1984
- Aristófanes,
Os Cavaleiros, Coimbra, Instituto Nacional de Investigação Científica,
1985
- Aristófanes,
Pluto, Coimbra, Instituto Nacional de Investigação Científica, 1982
- Aristófanes,
As Rãs, Rio de Janeiro, Espaço e tempo, Teatro Grego, 1986
- Aristófanes,
Paz, Rio de Janeiro, Ediouro, s/d
- Brandão,
J.S., Teatro Grego - Tragédia e Comédia, Petrópolis, Vozes, 1985
- Menandro,
O Misantropo, Rio de Janeiro, Ediouro, s/d
Nota:
Ensaio datado de 1986, nunca publicado e lançado na Internet em 18 de outubro de 1998
Fonte:
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