segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

CARACTERIZAÇÃO DO PERSONAGEM




As idéias que passo a apresentar são extraídas das aulas de dramaturgia do Chico de Assis. Apenas o jeito de escrever é o meu. Não é uma forma de me eximir, mas de homenagear aquele a quem devo todo o conhecimento de estrutura teatral que eu tenho.

Uma primeira constatação fundamental: um personagem não é uma pessoa. Pode até ser parecido, mas, em sua artificialidade, tem como fator principal o fato de que só tem vida quando está em cena. Isso significa que um personagem é uma criação, uma ficção. Vive num mundo ou numa estrutura criada especialmente para ele.


No entanto, tem as qualidades e defeitos dos seres humanos. E pode extrapolar essas qualidades e defeitos, assumindo toques divinos, como a Morte, a Vida, Deus ou deuses, a Canção dentro do Pão, por exemplo.


No teatro naturalista, pode ser confundido com uma pessoa. O fato de só agir dentro da estrutura teatral desfaz essa ilusão, pois não o vemos executando ações banais, a não ser que uma determinada ação banal só aparentemente seja banal: se o personagem vai ao banheiro, por exemplo, isso tem que estar amarrado à idéia central da peça, como elemento dramático, sempre.


Por isso, um personagem de teatro, mesmo no mais naturalista dos dramas, não deve se portar como se estivesse na nossa sala ou na rua: não diz, por exemplo, coisas como “boa tarde, como vai”, ou “parece que vai chover, o senhor não acha”. Tudo isso, se não tiver importância dentro da trama se constitui em diálogo que puxa diálogo, ou seja, é absolutamente inútil e só contribui para a perda de energia da peça.


No teatro de Brecht (e, às vezes, não só nele), o personagem representa uma idéia. A “Mãe Coragem”, por exemplo, representa a burguesia que se alimenta da guerra, que se enriquece com a guerra, que entra em depressão (econômica e pessoal) quando a guerra para. Não é um exemplo de coragem, como muitos pensam. Para Chico de Assis, a mãe coragem é o vampiro da guerra. Não percebe que, enquanto a luta lhe dá o pão, tira-lhe os filhos. Seu discurso “contra a guerra” é ambíguo e não reflete seu verdadeiro ânimo, assim como as classes burguesas se dizem contra a guerra, mas tiram todo o proveito possível da beligerância humana.


Para que um personagem ganhe força, é preciso técnica para construí-lo:

- se protagonista, deve ter um obstáculo contra o qual deva lutar (quanto mais teatral, maior será esse obstáculo: desde forças da natureza ou um antagonista, também forte, até a si mesmo, como Édipo, que procura um assassino que, por acaso, é ele mesmo);


- o protagonista e o antagonista devem sempre ser maiores que a imaginação de seu público, porque é por eles que a platéia manifestará sentimentos, de acolhimento ou de rejeição;


- se não for protagonista ou antagonista, observar a função dele na trama, para lhe dar a necessária força, sem, por exemplo, exacerbar qualidades num personagem secundário;


- - os demais personagens devem sempre estar ligados ao protagonista ou ao antagonista, que são o eixo da peça;


- não pautar os personagens por modelos de pessoas: ampliá-los em seus sentimentos, em suas ações, em suas lutas, para que se não fiquem naturalistas demais;


- para testar se um personagem é bom, colocá-lo em crise (em situação limite), para ver como ele reage;


- um pouco de loucura é sempre bom, num personagem de teatro;


- o protagonista e o antagonista são os personagens que mais mudam de qualidade, ou seja, sempre devem apresentar uma faceta nova, a cada cena, até a crise, onde o principalmente o protagonista se mostra por completo.


Enfim, o teatro é a maneira mais precisa e eficiente de se acrescentar alguma coisa nova a uma pessoa, para torná-la um personagem.


(Ilustração: Hamlet skull)



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