O que é realidade?
A que vemos com nossos olhos? A que apreendemos com nossos cinco sentidos? A que sentimos com nossas emoções?
Vivemos o nosso dia a dia na chamada vida real, nos afazeres e misteres a que nos dedicamos, desde os atos mais comezinhos e repetitivos até os alumbramentos diante de imprevistos.
Não somos capazes de definir o que é a realidade. Porque cada um de nós a vê sob o ponto de vista de seus olhos, com as conotações e denotações de sua capacidade interpretativa, resultante de uma trajetória de vida e de um conjunto de convicções pessoais, mesmo aquelas que achamos ser de toda uma coletividade.
Cada ser humano é único, sob esse ponto de vista. E isto é já coisa mais do que aceita e divulgada.
O mesmo acontecimento, testemunhado por mais de uma pessoa, terá a versão exata do número de espectadores desse acontecimento. Os testemunhos nunca serão exatamente os mesmos, porque nunca vemos exatamente o que o outro viu.
Tal constatação tem impacto importante na arte. Em especial, nas artes que dependem do olhar, especialmente as cênicas.
No palco, um drama é visto de maneiras diferentes na proporção do número de pessoas que estejam na plateia. Não há realismo suficiente para todos, no teatro. Portanto, não há e não pode haver “teatro realista” ou “drama realista”.
O que chamamos de “realismo” constitui-se numa tentativa de aproximação com a realidade filtrada pelo olhar e pelas idiossincrasias do autor, do diretor, do iluminador, do cenarista, do ator, ou seja, de todos os envolvidos na montagem do espetáculo, sujeito, ao final, ao olhar de cada espectador.
É inútil a tentativa de buscar a “realidade” através da dramaturgia. E quanto mais próxima essa dramaturgia estiver dessa realidade, mais entrópico será o teatro dali resultante. Porque nosso olhar de crítico (ou espectador, já que todo espeta dor é um crítico) não quer “a realidade”, mas a visão de realidade de quem faz o espetáculo. Ou seja, enquanto espectador/crítico, não vou ao teatro para ver “a realidade” de uma vingança, mas a interpretação que Shakespeare (ou qualquer outro autor) deu a essa vingança, chame-se a peça HAMLET ou A CRIAÇÃO DE COUVES. E mais: à interpretação do autor, eu sei, estão agregadas as leituras de todos os envolvidos no espetáculo, condicionado também à época em que é apresentado.
Com certeza absoluta, pode-se dizer que o HAMLET levado ao palco do Globe Theater é completamente diferente, mesmo que sobre as mesmas palavras, do que é apresentado em qualquer outro palco do mundo, através do tempo. O Shakespeare de hoje foi absorvido e é apresentado sob pontos de vista que agregam a cultura e, mesmo que fosse pequena, a evolução do olhar dos últimos quatrocentos anos. E usamos, aqui, a palavra evolução no seu sentido mais darwiniano possível.
O que é realidade, afinal?
(Ilustração: Paula Rego - mulher cão)
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