domingo, 28 de julho de 2024

ENTROPIA: O TERROR DOS DRAMATURGOS, POR ISAIAS EDSON SIDNEY



Vou tentar explicar de forma bem simples (e simplória) o que é entropia na Física, exemplificando com uma xícara de café: quando se põe açúcar numa xícara de café e se mexe o líquido, há uma desordem no sistema e uma consequente perda de calor (ou melhor, o calor vai para a atmosfera). Neste caso, diz-se que o sistema – o café com o açúcar, dentro da xícara – entrou em entropia. Bem, é mais ou menos isso, já que os conceitos na Física são sempre bem mais complexos.

Chico de Assis, em suas aulas de dramaturgia no SEMDA (Seminário de Dramaturgia do Arena) usava esse termo para indicar a perda de energia de uma peça de teatro, quando aquilo que acontece no palco começa a deixar a plateia desinteressada, aborrecida. Ou seja, a peça, no dizer de Chico, entrou em ENTROPIA.

E por que a entropia é o terror dos dramaturgos?

Para responder a essa questão, de forma a mais direta e simples possível, remoremos duas das principais características do teatro dramático.

1. Ação / ação presente de cena: é o que faz o teatro vivo, ou seja, aquilo que leva o espectador a ter a certeza de que está vendo uma ação que está acontecendo no mesmo momento a que ele, o espectador, está assistindo. Ou seja, o teatro está VIVO, acontecendo no palco naquele exato momento: não há passado nem futuro, apenas o PRESENTE, aquele instante, mesmo que fugidio. Esse é um conceito simples de entender, mas extremamente difícil de ser colocado em prática pelo autor, pelo dramaturgo, porque exige perícia e domínio técnico profundo de dramaturgia. Não se pode confundir AÇÃO PRESENTE DE CENA com MOVIMENTO. Chico de Assis exemplificava com a famosa cena de Shakespeare, o solilóquio que tem a frase famosa – SER OU NÃO SER, EIS A QUESTÃO: neste momento, o ator está praticamente imóvel (o recurso da caveira nas mãos do ator foi algo posterior a Shakespeare), mas a AÇÃO INTERIOR de Hamlet é tão profunda, que deixa a todos transidos no teatro. Enquanto isso, uma luta de espadas pode ter uma grande movimentação cênica e não ter nenhuma ação realmente teatral.

2. Conflito: o que move a ação teatral é o conflito. Ele deve estar presente, de forma explícita ou implícita, em praticamente todos os momentos da peça. Lembremos que uma peça de teatro não é uma conversa entre atores, mas uma luta de opostos, entre PROTAGONISTA e ANTAGONISTA. O protagonista tem uma vontade que encontra um obstáculo, contra o qual ele deve AGIR. Dessa AÇÃO nasce o CONFLITO. Lembremos que o antagonista quase sempre é uma personagem que a ele se opõe, mas não necessariamente: pode ser, por exemplo, a sociedade; pode ser até mesmo o próprio protagonista (veja REI ÉDIPO).

É claro que os conceitos acima estão apenas esboçados, para que o leitor saiba do que estou falando. Já se gastou muita tinta e muita saliva para explicar e aprofundar tais conceitos, o que torna ainda mais fascinante o estudo da dramaturgia, a arte de escrever para teatro, seja qual for o gênero.

Resumindo: ação presente de cena e conflito são, praticamente, a alma de uma peça de teatro, seja épico ou dramático, seja um drama ou uma comédia, um melodrama ou um dramalhão.

Quando uma peça de teatro deixa de ter conflito e deixa de ter ação presente de cena, diz-se (sempre conforme mestre Chico de Assis) que entrou em ENTROPIA. A plateia boceja e se aborrece, porque a energia que deve emanar do palco para a plateia ou da plateia para o palco se esvai para atmosfera como o calor (a energia) do café com açúcar, quando suas moléculas entram em desordem.

Também há entropia, quando a ação e os conflitos são vulgares, comuns, desinteressantes para o público. Neste caso, a peça não VERTICALIZA, ou seja, não atinge profundezas de emoção, de pensamento crítico ou busca filosófica, conforme seja a intenção do dramaturgo.

Pode-se, pois, dizer que a ENTROPIA É O TERROR DO DRAMATURGO. Se você escreve peças de teatro, fuja, fuja sempre da ENTROPIA. As plateias agradecerão. E o teatro se realizará de forma plena.


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