segunda-feira, 25 de março de 2024

IZAIAS ALMADA ESCREVEU: AMIGOS PARA SEMPRE: AUGUSTO BOAL (*)

 

AMIGOS PARA SEMPRE: AUGUSTO BOAL,

por Izaías Almada


 


       


PRIMEIRO ATO:



Mestre a amigo. Dito assim, a constatação da minha amizade com Boal, pode ser entendida apenas como um lugar comum biográfico, quando é exatamente o contrário.

No livro que escrevi com o professor de teatro e psicanalista Anderson Zanetti, lançado pela Editora Metanóia, inicio assim o meu artigo:



“AUGUSTO Pinto Rodrigues BOAL, nascido no Rio de Janeiro em 1931 e adotado pelo teatro paulista e mundial a partir da década de 50, é um dos nomes mais sonantes do teatro brasileiro. Encenador, dramaturgo, ensaísta, escritor, político, teórico, revolucionário, são atividades às quais se dedicou, sem que nenhuma delas ou mesmo o seu conjunto possa definir com maior alcance a personalidade, o humanismo e a grandeza de espírito que caracterizou esse que é dos mais dignos entusiastas da atividade que imortalizou a arte de Sófocles, Shakespeare, Tchecov, Brecht, Guarnieri, Vianinha e Jorge Andrade, para ficarmos apenas nesses nomes. Criador e incentivador do Teatro do Oprimido, Augusto Boal se tornou com ele conhecido mundialmente e tal reconhecimento lhe valeu, em 2008, a indicação para o prêmio Nobel da Paz”.

Nossa amizade começou na Escola de Arte Dramática de São Paulo em 1963, ganhou fôlego no Teatro de Arena (1964/1968) e solidificou-se durante nossas prisões nos anos de 1969 e 1971, durante a ditadura civil/militar criada pelo golpe de 1964.

Quando aceitei o convite para ir ajudar na montagem do show “Opinião” no Rio de Janeiro, minha primeira tarefa como “assistente de direção” foi retornar a São Paulo e contratar um caminhão para transportar as cadeiras de um velho cinema da cidade, pois o espaço conseguido na Rua Siqueira Campos em Copacabana no RJ era um mezanino de cimento armado totalmente vazio.

Instaladas as cadeiras, acompanhei todos os ensaios observando atentamente como Boal dirigia Nara Leão, Zé Keti e João do Vale, uma aula inesquecível para mim.

Penso que um dos principais fatores das verdadeiras amizades se dá pelo respeito ao outro e no cumprimento da palavra empenhada, sobretudo “para quem não conhece as pedras do caminho”.

Foi o que se passou comigo, quando alguns dias após a estreia de “Opinião”, Boal me perguntou se eu aceitaria substituir o ator Chant Dessian na montagem de “Arena Conta Zumbi”, em São Paulo. Aceitei, claro, e lá fui eu para a arena da Rua Theodoro Bayma cheio de alegria e contentamento.

“Arena conta Zumbi”, “Inspetor Geral” e a responsabilidade de coordenar o Núcleo 2 do Arena por um ano, onde foram encenadas três peças: “O Processo”, de Kafka, “Escola de Mulheres” de Molière e “A Farsa do Cangaceiro com Truco e Padre”, de Chico de Assis. Foi uma fase de trabalho que conquistei graças à confiança de Boal.



SEGUNDO ATO:



Na introdução do meu artigo no livro “Augusto Boal: Embaixador do Teatro Brasileiro” abri o parágrafo com uma pergunta:

Por que Augusto Boal?

No natal do ano 2000 estava eu visitando minha filha Ana Luísa, na época morando em Londres, quando por ela fui convidado a conhecer uma conceituada livraria da cidade. Como ela estava nos primeiros meses de maternidade, com o nascimento do meu neto Leonardo, sugeriu uma grande livraria onde, entre outros serviços, havia um departamento para cuidar de bebês, deixando pais e avós descansados para procurarem os livros que quisessem.

Livraria de grandes dimensões, constituída por vários andares, pedi que me indicassem a seção de teatro e lá fui eu com a minha companheira Bernadette Figueiredo, ficando minha filha entretida no tal departamento infantil. O volume de livros sobre teatro já era impressionante, mas fiquei mais impressionado ainda quando vi uma estante de aproximadamente uns três metros de extensão, toda ela tomada por livros sobre e de Augusto Boal.

O exílio provocado por sua prisão em 1971 fez com que Boal se dedicasse à sua melhor criação teórica e prática: o teatro do oprimido que, segundo estatísticas, é praticado em mais de 70 países mundo afora…

Naquele mesmo ano de 2000 tive a honra de falar no lançamento do livro Hamlet e o filho do padeiro na cidade de São Paulo.

Revi Boal depois de vários anos sem nos encontrarmos. O lançamento, feito no auditório do Museu de Arte Moderna (MAM), no Parque do Ibirapuera, recebeu um grande público, ocasião em que improvisei um pequeno discurso sobre aquele que foi o meu mestre nas artes cênicas…

Os anos passaram, mas a amizade permaneceu, fruto de uma sintonia sobre o que pode representar uma arte milenar, como o teatro, no mundo contemporâneo. Nada mais, nada menos do que se constituir numa ferramenta de transformação social.

Viver é representar, é fazer teatro diariamente. E nessa representação temos a liberdade de escolher entre dois grandes personagens: Iago ou Che Guevara.

Não tenho a menor ideia onde você estará nesse momento, Boal. Talvez ensinando o Teatro do Oprimido aos doze apóstolos, mas como já disse e cantou outro grande amigo seu, de nome Chico Buarque, aqui na terra continua o futebol, tem muito golpe na internet e besteirol, nuns dias choro, noutros dias pego sol, mas posso lhe dizer que a coisa ‘inda está preta…

A ver, vamos…

 

Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.

 

(*) "Penso que um dos principais fatores das verdadeiras amizades se dá pelo respeito ao outro e no cumprimento da palavra empenhada" - esta é a frase de abertura deste texto, que é parte de uma série de artigos que Izaias Almada escreveu sobre a amizade. 


Fontes:

jornalggn@gmail.com

https://jornalggn.com.br/cronica/amigos-para-sempre-iv-augusto-boal-por-izaias-almada/?fbclid=IwAR1rj3r4hR1O4LS5y3zN69-_issd_8p21UPUeZRAdSXa3MxUO7ruKOCca74

Publicado em 14 de fevereiro de 2024

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