A IMAGEM EM AÇÃO
(Honoré Daumier)
O essencial na dramaturgia é imaginar os grandes sentimentos humanos, vivenciá-los e passá-los para o texto através das ações dos personagens. (Luís Alberto de Abreu)* Se você quer aprender a escrever uma peça de teatro pode começar se acalmando: você tem a vida inteira para aprender! Isso quer dizer que não existem regras fixas a serem decoradas. Quer dizer também que existem tantas maneiras de escrever uma peça que se passa a vida inteira aprendendo não como fazer uma peça, mas como fazer melhor! Isso quer dizer também que, no fundo, no fundo, todos nós sabemos como fazer uma peça de teatro. Só não descobrimos essa verdade. Ou não acreditamos nela. Esse foi o jeito que aprendi. E foi esse o jeito que a maioria dos dramaturgos aprenderam. Como é que se faz um ator? Cursando uma escola ou não, um ator só se faz entrando num palco, não é? Com um dramaturgo não é diferente. Como tudo na vida, dramaturgia se aprende fazendo, botando a mão na massa. Bem, então, se não há regras fixas, se todos sabemos fazer uma peça de teatro e se dramaturgia aprende-se fazendo, é só pegar lápis e papel ou uma máquina de escrever ou um computador e sair fazendo? Não. E repito: pode ir se acalmando! E pode ir se preparando para fazer uma coisa que não é difícil mas exige muita atenção e muito trabalho. Em compensação é uma aventura emocionante. AÇÃO!
(Jean-Antoine Watteau)
Você vai assistir a uma peça, vê, no palco, aquele bando de atores falando, discutindo e acha tão empolgante que resolve, ao chegar em casa, também escrever a sua. Afinal, uma peça de teatro não passa de personagens conversando uns com os outros, certo? Errado! E esse é o mais grave erro que, em geral, se comete. Teatro não é texto, não é diálogos (pelo menos, não é só isso). Teatro é ação! Pronto, começou a complicar! Não, a coisa não é complicada. Só é preciso, repito, um pouco de calma para se entender o que é, de fato, uma peça de teatro. Isso é importante para não se escrever uma “conversa” ou uma poesia ou um conto e imaginar que isso seja uma peça de teatro. É preciso, antes, limpar a área (E isso dá algum trabalho!) para a gente saber que, no final das contas, fazer dramaturgia é algo muito simples. E que no fundo, no fundo, de uma forma ou de outra, todos sabemos como fazer uma peça de teatro. Voltemos ao assunto. O que é ação? Ação é o que se faz. Um grande crítico e estudioso inglês, chamado Eric Bentley definiu o teatro simplesmente como “o que umas pessoas fazem a outras pessoas”. E aqui chegamos a alguma coisa. Fazer algo a alguém ou a si mesmo pressupõe conflito e quanto mais significativo for esse fazer maior a intensidade desse conflito. É diferente alguém fazer outra pessoa comprar um litro de leite na padaria ou fazer alguém matar seu grande amigo. Uma peça de teatro trata desse segundo fazer, desse fazer coisas difíceis, importantes, significativas. Teatro, necessariamente é assim, porque teatro é uma forma breve, concisa, sintética. No curto espaço de tempo de uma, duas ou três horas vislumbramos a trajetória de toda a vida de um personagem. E, como temos pouco tempo, escolhemos as ações mais significativas da trajetória desse personagem, pois são as ações mais significativas que melhor revelam a vida dessa personagem. Voltando: ação é fazer coisas a outros ou a si mesmo. E, principalmente, é fazer coisas significativas. Antes de prosseguir é bom esclarecer: a ação teatral é, fundamentalmente, interna, do coração, da alma. Portanto, não confunda movimentação, correria sobre um palco com ação. Uma pessoa pode estar imóvel sobre uma cadeira e, mesmo assim, vivendo uma ação intensa. Como? Uma lembrança de uma ação passada pode Ihe inspirar uma mágoa intensa ou uma grande felicidade. Bem, aqui chegamos ao ponto central: no interior de nós mesmos. É aí, na morada das nossas mais profundas emoções e alegrias, é onde nasce uma peça de teatro. De resto, é onde nasce qualquer arte. Começou a entender por que eu dizia, a princípio, que, no fundo, todos sabemos como escrever uma peça? Grandes emoções e alegrias. É disso que trata a arte dramática. Se somos capazes de perceber em nós mesmos essas grandes emoções e alegrias estamos prontos para a arte dramática. Só fica faltando aprender a comunicá-las às outras pessoas com a intensidade que as sentimos. E para esse aprendizado temos a vida inteira. IMAGINAÇÃO, IMAGEM EM AÇÃO! Bem, você já sabe que o mais importante numa peça não são os diálogos. Os diálogos são um meio importante para revelar uma série de ações dos personagens. A essa série de ações dá-se o nome de enredo. O enredo, segundo o filósofo Aristóteles, o primeiro que escreveu sobre a estrutura de uma peça de teatro, é a alma da Tragédia. Na comédia, embora esta possua formas diferentes de estruturação, o enredo é também muito importante. Então, comecemos por ele. E, para começo, esqueça o filme que assistiu, a peça que leu, a novela que viu. O processo artístico começa dentro da gente mesmo, na investigação de nossa própria sensibilidade. Procure uma imagem. É necessário que seja uma imagem humana porque teatro é feito através de personagens e atores. É necessário que seja também uma imagem significativa, ou seja, que esse ser humano, cuja imagem você vê, esteja num momento de grande intensidade. Veja o rosto desse ser humano, olhe em seus olhos e abra sua sensibilidade para compreender o que ele está sentindo e o que o levou a este momento intenso. E o que ele vai fazer a partir daí. Pronto, você já está começando a partir de si próprio, a estruturar o seu enredo. Isso quer dizer que para se escrever uma peça é preciso antes, sensibilizar o que está sentindo seu personagem. Sentindo como o personagem, imaginando passar pelos mesmas dificuldades, pelas mesmas grandes emoções e alegrias por que passa um personagem é a melhor forma de começar aprender a fazer uma peça de teatro. É o personagem que nos ensina, é nessa íntima relação com ele que aprendemos.
FINALMENTE
(Aristóteles)
O espaço é pequeno e o assunto é extremamente extenso, Mas como afirmava o filósofo grego Heráclito “o ser humano não precisa saber muitas coisas, precisa saber o essencial” O essencial da dramaturgia na minha opinião é imaginar os grandes sentimentos humanos e passar por eles, vivê-los de alguma forma. Se conseguimos isso o passo seguinte é comunicar esses grandes sentimentos através de personagens, ações, palavras, música e espetáculo. O caminho é extenso mas para isso temos a vida toda, Técnica, método, macetes, todo o resto vem com o fazer. E se me permitem alguns conselhos eu os dou porque também me foram dados e me foram muito úteis; leiam os autores clássicos, Eles sabem mais do que nós e, com eles, apuramos nossa sensibilidade que é a melhor forma de aprender. Aprenda com eles mas faça do seu próprio jeito.
E para quem quiser aprofundar a reflexão sobre a estrutura de uma peça de teatro indico dois livros que para mim foram essenciais: A Poética, de Aristóteles (Os pensadores, Abril Cultural) e A Experiência Viva do Teatro, de Eric Bentley (Zahar Editores) E para finalizar um pensamento de Goethe;
“Tudo o que quiseres ou te sentires capaz de fazer começa! A ousadia tem gênio, poder e magia.”
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