CABARET
Cabaret
(cabaré literário), do francês cabaret,
taberna, tasca. Entretenimento cênico em ambiente íntimo – quase sempre em
cantinas, boates, restaurantes etc. –, onde se apresentam chansons, songs,
esquetes, paródias, cenas grotescas e números variados, ligados por um
animador, apresentador ou conférencier
culto e chistoso. O programa destina-se em geral a glosar, satirizar e atacar,
de forma mais ou menos agressiva, aspectos atuais da realidade político-social
e cultural. O público, metropolitano e sofisticado, burguesia intelectualizada
ou esnobe, além de artistas e literatos boêmios, deve ser capaz de captar-lhe a
linguagem alusiva, preenchendo as entrelinhas.
Absorvendo elementos dispersos,
presentes já nas comédias de Aristófanes, no mimo antigo, nas apresentações dos
menestréis e jograis medievais, nas farsas populares etc., o cabaret constituiu em Paris um novo tipo
de espetáculo. Foi, mais de perto, em Montmartre, onde o pintor boêmio Rodolphe
Salis fundou em 1881 o primeiro cabaret,
Le Chat Noir. Nele dominavam a chanson
antiburguesa e o teatro de sombras. Grande fama obteve no mesmo bairro Le
Mirliton, fundado em 1885 por Aristide Bruant, criador da chanson réaliste, representante e defensor da plebe metropolitana.
Costumava agredir com insultos grosseiros, no argot suburbano, os decadandies
da Belle Époque que lhe pagavam as agressões com aplausos delirantes. Com ele
fez sua iniciação cabaretista Yvette Guilbert, diseuse que, como o mestre, fizera sua aprendizagem no
café-concerto. Este, como o music-hall,
é predecessor do cabaret,
faltando-lhes, porém, o traço literário, crítico-agressivo, político-social,
vanguardista. Guilbert aparece, como Bruant, nos cartazes de Toulouse-Lautrec.
Sob a influência francesa e
escandinava (Hermann Bang, Holger Drachmann), fundou-se em Berlim (1901) o
primeiro cabaret alemão, Überbrettl
(Superpalquinho, nome inspirado pelo super-homem de Nietzche), do qual Arnold
Schönberg, por breve espaço de tempo, foi colaborador musical. Esse cabaret provocou um surto cabareteiro
tanto em Berlim como em Munique, onde os Elf Scharfrichter (Onze Carrascos) se
reuniram para decapitar a reação e a censura e onde o dramaturgo
pré-expressionista Frank Wedekind cantava ao violão suas baladas que tanto
impressionaram Brecht.
Também no mundo boêmio de Viena o cabaret encontrou um ambiente favorável.
No Nachtlicht (Luz Noturna) espumavam os caprichos literários da Peter
Altenberg e o humor de Roda Roda. O Fledermaus (Morcego) chegou a ser uma
amostra brilhante da Sezession, o art-nouveau
de Viena, com decorações de Gustav Klimt e Emil Orlick, para não falar das
xilogravuras de Kokoschka nos programas do cabaret.
Mais ou menos ao mesmo tempo a “musa
com a língua ferina” conquistou a Holanda e os países escandinavos, assim como
os do leste europeu. Em Budapeste, o espirituoso comediógrafo Ferenc Molnár se
destacava como conférencier no Modern
Szinpad (Palco Moderno). No Montmartre (1911), de Praga, eram habitués Franz Kafka, Max Brod e
Jaroslav Hasek, o autor do Bravo Soldado
Schveik, que também se apresentava com conférences
satíricas, tanto nesse cabaret como
no Cervená Sedma (O Sete Vermelho), de tendência antiaustríaca. Adotando o nome
do Morcego de Viena, surgiu em Moscou o cabaret
Letucaia Mys (1908), ligado ao Teatro de Arte de Stanislavski. O Brodiacaia
Sobaka (Cão Vagabundo, 1911) de São Petersburgo, era ponto de reunião da boemia
intelectual que promoveu em 1912 uma Semana de Marinetti, exaltando o
futurismo. No seu palco apresentou-se, em 1915, Maiakovski.
Nesse e em outros casos, o cabaret desempenhou um papel importante
na promoção de movimentos de vanguarda. Muitos expressionistas alemães eram habitués e colaboradores do cabaret Voltaire (1916), em Zurique. O
movimento antiexpressionista da Neue Sachlichkeit (Neo-Objetivismo), que
dominava na Alemanha da República de Weimar e cuja vênus era Marlene Dietrich,
sofreu igualmente forte influÊncia política ou satírica de E. Mühsam, W.
Mehring, K. Tucholsky, E. Kästner, mas também de Klabund e Ringelnatz, vingava
em cabarets em que se apresentavam
artistas como Rosa Valetti, Trude Hesterberg, Hans Albers, Lotte Lenya etc.
Brecht e Kurt Weill se inpregnavam dessa atmosfera de que A Ópera dos Três Vinténs, cruzamento de cabaret e jazz, e o
teatro épico são frutos diretos ou indiretos.
Na França de Maurice Chevalier e
Lucienne Boyer, que alcançaram fama mundial na década de 20, há outra linha de cabaret, de cunho grotesco, que parte de
Alfred Jarry (Ubu Rei), passa por
Apollinaire e Cocteau e desemboca no teatro do absurdo de Beckett e Ionesco, a
cujo teatro se anteciparam experiências cabareteiras semelhantes.
Durante a fase nazista espalharam-se
pelo mundo numerosos cabarets de
migrantes antifascistas, entre eles o itinerante Pfeffermühle (Moinho de
Pimenta), da filha de Thomas Mann, Erika. Em Berlim. No Katakombe, o conférencier Werner Finck conseguiu com
enorme coragem ridicularizar o regime hitlerista, até lhe ser proibida a
apresentação. Em Zurique tornou-se famoso o cabaret
antifascista Cornichon, cujo estilo marcou a obra de Dürrenmatt. Este, aliás,
lhe forneceu, depois da guerra, chansons
e esquetes.
Giorgio Strehler
Desde a década de 1950 manifesta-se
também na Itália vida cabareteira, decisivamente influenciada pelas encenações
geniais que Giorgio Strehler fez de peças de Brecht. Grandes representantes da chanson, como Fausto Amadei e Laura
Betti, cantam textos de Brecht, Moravia, Pasolini, Calvino etc.
Do cabaret parisiense, que nasceu em Montmartre e se alastrou pelo
Quartier Latin e por Montparnasse, emanaram depois da guerra novos impulsos em
Saint-Germain-des-Prés (Tabou etc.), a cujo clima pertencem Raymond Queneau,
Boris Vian, Jacques Prévert e onde se destacou sobretudo Juliette Greco,
protegida de Sartre e arauta da chanson
noire. Artistas como Georges Brassens, Catherine Sauvage, Yves Montand,
Charles Aznavour, Edith Piaf etc., pertencem ou pertenceram ao mundo do cabaret. Também na Alemanha Ocidental a
vida de cabaret se manifesta após a
guerra de forma vigorosa, destacando-se entre os expoentes politicamente mais
agressivos, sobretudo grupos estudantis.
Nos países anglo-saxônicos o cabaret surgiu só recentemente.
Numerosos artistas e showmen, em si
predestinados para esse gênero, costumam apresentar-se em revistas ou teatros
de variedades. Nos night clubs,
porém, há por vezes entretenimentos aproximados. Um homem como Noel Coward é,
como chansonnier e autor
multifacetado, o típico homem de cabaret.
No seu night club londrino Café de
Paris, apresentou artistas como Eartha Kitt e Marlene Dietrich. Um autêntico cabaret veio a ser, na década de 1960,
The Establishment, night club
satírico-político (como já indica o nome) em Soho, Londres. Essa e outras
iniciativas partiram sobretudo de estudantes, exatamente como nos Estados
Unidos, onde o cabaret The Second
City (Chicago, 1959) é rebento de grupos teatrais estudantis. Sua transferência
para Greenwich Village, Nova York, fez com que naquele bairro brotassem inúmeros
cabarets pequenos.
Cedric
No Brasil, os entretenimentos que se
aproximam do cabaret manifestam-se em
geral na televisão. Por isso mesmo não são cabarets,
arte que se dirige a um público exigente, em atmosfera íntima, de contato
direto e feedback imediato. Quanto
aos programas nas boates etc., falta-lhes em geral o cunho político-satírico e
o conférencier de alto nível
cultural.
(The Entertainer- Laurence Olivier)
O cabaret é uma arte sensível às mínimas mudanças culturais. Mas é ao
mesmo tempo um laboratório de novas experiências, cuja influência sobre os
movimentos artísticos do século XX não foi ainda estudada, mas afigura-se
enorme. A dialética do cabaret é
complexa. Num regime de força ou se mediocriza como comércio ou vive, fazendo
jus à sua essência satírica, sob a ameaça da proibição. Num regime de
liberdade, floresce, mas decompõe-se facilmente em artigo de consumo para
aqueles que agride, formando uma sociedade de vendedores e compradores de
protestos. “O cabaret, para prestar,
tem de ser perigoso. Perigoso e em perigo: pois sempre luta, armado de
pedrinhas, contra o Goliat do momento” (Günter Groll).
CABARET, in ROSENFELD, Anatol, PRISMAS DO TEATRO, coleção Debates. São Paulo, Editora Perspectiva, 1993, págs 129-134.
Bibliografia
ASTRE, Achille. “Les Cabarets littéraires e artistiques”. Les Spectacles à travers les âges.
Paris, 1931.
CARCO, Francis. La
Belle Époque au Temps de Bruant. Paris, 1954
GREUL, Heinz. Bretter, die die Zeit bedeuten.
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