quinta-feira, 29 de outubro de 2009

GENTE DE TEATRO: GRUPO CLARIÔ - HOSPITAL DA GENTE, por Beth Néspoli





Vida na periferia, por quem é de lá




Hospital da Gente, da trupe de Taboão, é brilhante radiografia do cotidiano nas bordas da metrópole


BETH NÉSPOLI – O ESTADO DE SÃO PAULO, 28 DE OUTUBRO DE 2009


Começa na Rua Santa Luzia, em Taboão da Serra, o espetáculo Hospital da Gente, mais especificamente diante do portão da sede do Grupo Clariô. É noite de sábado e a reportagem do Estado junta-se aos espectadores para acompanhar a criação dessa companhia que há algum tempo vem despertando atenção pela qualidade de seu trabalho, provocando a chamada propaganda boca a boca. Acostumados às sessões teatrais dos fins de semana, moradores já se colocam às varandas para ver o início da apresentação. Através da janela de uma das casas, no momento mesmo em que uma atriz começa sua cena é possível ver um homem secar a cabeça com uma toalha.




Mas a atmosfera de precariedade característica das periferias urbanas se dissipa às primeiras palavras da atriz Martinha Soares. Sua atitude corporal, os gestos precisos e expressivos, a voz colocada num tom de voz audível sem perda de nuances e, sobretudo, a segurança que se apropria das palavras de Marcelino Freire, cujos contos são base da dramaturgia da montagem, logo dão ao espectador a certeza de que estará diante de um espetáculo profissional, termo usado aqui no sentido da elaboração cuidadosa, do burilamento necessário à boa arte. Martinha, assim mesmo no diminutivo, é uma das sete atrizes desse grupo dirigido por Mario Pazini que nasceu em 2002, ali mesmo em Taboão da Serra, e há quatro anos conseguiu abrir sua sede, alugando duas casinhas, mantida durante os primeiros três anos sem nenhum apoio financeiro, público ou privado.


Quando o portão se abre, o espectador - conduzido pela personagem do prólogo, uma mulher indignada por ter sido impedida de vender seu rim - se depara com uma cenografia impactante, feita não para olhar, mas para "estar". Em simbiose com as duas casas, construiu-se uma "ocupação" com madeira e centenas de elementos cênicos como varais de roupas, mobiliário e utensílios domésticos, reprodução artística da paisagem visual e sonora característica de uma favela, com seus becos, botecos e barracos. Dentro dessa cenografia-instalação, o público "vivencia" o cotidiano dos moradores.


Flagrantes da vida da periferia? Sim, mas numa abordagem original dessa temática cada vez mais presente em telas e palcos. E não é só uma qualidade "de origem", do lugar de onde se fala, de dentro para fora. Antes de mais nada há um desejo manifestado por esses artistas de entender e discutir a vida nas bordas da metrópole - sem drama. A ausência de autopiedade é elemento essencial na poética da trupe e se faz presente na encenação, na dramaturgia e, sobretudo, nas interpretações. Por exemplo, Naloana Lima, no papel da mulher que "dá" seus filhos paridos, não busca explorar a dor, mas a aguerrida firmeza de quem dela se defende, e assim revela o que a mulher nega. Mérito da direção, essa cena se estrutura numa discussão comum de vizinhas, o que retira dela a intenção de comover. Recurso que, com variantes, perpassa toda a encenação. Aparentemente, são recortes da vida. Na verdade, está-se diante de construção simbólica, da simplicidade fruto de consciente elaboração estética.


Mesmo quando a dor se faz presente, como na cena da prostituta cuja memória do pai que abusou dela na infância vem à tona pelos olhos azuis de um cliente idoso, a atriz Alaíssa Rodrigues consegue expressar sentimentos contraditórios sem cair na autopiedade. Há cenas densas, como a da mãe (Janaína Batuíra) em busca da filha raptada ou da mulher que se recusa a ir à passeata pela paz, uma bela interpretação de Nanura Costa. Há ainda "respiros", como na figura patética encarnada por Maíra Galvão, a dona do "boteco Fênix", que após levar uma surra do marido, compensa o presente árido relembrando (fantasiando?) sua beleza física no passado. A leveza chega em toques de humor, como faz Paloma Oliveira tanto no papel de uma bêbada ressentida, quanto na "evangélica" numa tragicômica discussão com a vizinha prostituta, que pede remédio para o filho.


Pelo menos um espectador soltou o riso na plateia, Gabriel Mota, de 6 anos. "A gente não tinha como deixá-lo", argumentou o casal Gisele e Eduardo Duwal. Na cena do lixão, Gabriel não se conteve: "Não come isso, é sujo, você vai pegar vírus.


"Um conjunto de atrizes expressivas integra o Clariô. Naruna, uma das fundadoras, já foi "descoberta" pela televisão, vai estar no elenco da próxima novela da Globo, Tempos Modernos. Não por acaso, a força das mulheres de periferia foi o tema sobre o qual a montagem começou a ser construída, antes mesmo de "entrar em cena" o texto de Freire. "Tínhamos feito algumas peças, o grupo passou por transformações, algumas pessoas saíram, outras se integraram e, de repente, nos demos conta de que éramos sete mulheres e três homens", comenta Naruna. Os homens, no caso, são o ator Will Damas, responsável pela iluminação; o diretor Pazini e o cenógrafo Alexandre Costa, o João, como é chamado. Esse é especial. Assina a cenografia, opera luz e som. "E cozinha muito bem", falam as atrizes em coro. Do processo, o que João mais lembra é das enchentes. "A gente já tinha construído boa parte do cenário e perdeu tudo, tivemos de recomeçar." Não por acaso, a trupe avisa no site: "Se chover não tem peça, risco de enchente" (leia no quadro).


Um encontro feliz de Naruna com o compositor Chico César - cuja canção Beradêro está na trilha e inspirou o título do espetáculo - foi a ponte para conhecer Marcelino Freire. Assim surgiu o texto, tessitura de 12 contos extraídos de seus livros e um inédito, que embasaram as imagens já criadas. A montagem estreou em 2008, recebeu cinco indicações para o Prêmio da Cooperativa Paulista de Teatro e venceu em três categorias: grupo revelação, ocupação de Espaço e trabalho desenvolvido no interior ou litoral.


Até o final de 2008, custos do espaço e montagem sempre foram divididos pelos artistas do Clariô, que têm outras atividades. "O poder público local nunca apoiou. Felizmente temos ótimos vizinhos e apoio da comunidade", diz Pazini. Este ano, pela primeira vez, além de um edital de circulação, o Clariô ganhou o Prêmio Miriam Muniz, da Funarte. Entusiasmados, já preparam uma nova montagem. "Existe uma estética de periferia? O que é estar na borda? Se há margem, o que está no centro? Queremos discutir isso em cena", diz Naruna. Até lá, apresentam Hospital da Gente e abrem a casa para receber outros grupos, todo mês, para apresentações, encontros, debates.


Serviço:

Hospital da Gente.

90 min.

12 anos.

25 lug.

Espaço Clariô.

Rua Santa Luzia, 96.

Reservas pelo tel. 9995-5416.

Sábs., 21 h.

R$ 10.

Se chover, não haverá sessão

sábado, 17 de outubro de 2009

RUY JOBIM NETO ESCREVEU: GALEANO TECE O INVENTÁRIO NOSTÁLGICO DA AMÉRICA

GALEANO TECE O INVENTÁRIO NOSTÁLGICO DA AMÉRICA




Na Cúpula das Américas, em abril de 2009, em Trinidad e Tobago, quando o presidente venezuelano Hugo Chávez deu de presente ao colega norte-americano Barack Obama um “livro obscuro” (nos óbvios termos do site da rede de televisão CNN), um encontro de duas Américas pretendia acontecer. Este “livro obscuro”, em sua versão em inglês, era simplesmente um dos maiores clássicos contemporâneos latino-americanos, “As Veias Abertas da América Latina”, escrito pelo uruguaio Eduardo Galeano.

Pois é exatamente um outro lado de Galeano, bem diferente do jornalístico e crítico já tão conhecidos, uma outra vertente deste escritor genial - um homem que segundo ele mesmo diz, formou-se na Universidade da vida - que retorna a São Paulo num belíssimo trabalho do Grupo Teatro do Fubá, “O Inventário das Sensações Perdidas”. O espetáculo reestréia dia 17 de outubro, sábado, ficando em cartaz até 1º. de novembro na Vila Maria Zélia, no Belenzinho (Zona Leste de São Paulo). Vale muito a pena ver.

O Teatro do Fubá estreou o espetáculo, em 2008, na própria Vila Maria Zélia, e depois cumpriu temporada na Casa de Dona Yayá (Centro de São Paulo), na primeira metade de 2009.

Foram dois anos de processo, como explica uma das produtoras da montagem dirigida por Ronaldo Serruya, a também atriz do elenco Gisele Lavalle. “O Inventário” se vale de segmentos de textos variados do autor de “As Veias Abertas”, enfocando basicamente na prosa poética do uruguaio. É a própria América Latina, pela visão de Galeano, em sua vastidão de território e nostalgia, que salta às mentes e aos corações da platéia.

São duas atrizes (Gisele Lavalle e Flávia Naves) e dois atores (João Júnior e Paulo Plácido) que trazem à cena um conjunto de textos de Galeano (alguns estão em obras dele como “O Livro dos Abraços”, “Mulheres”, “Espelhos” e outros) sob a forma do teatro narrativo. A América Latina de Galeano é apresentada sob a forma de cartas, de pequenas histórias de pessoas comuns, gente do dia-a-dia, viventes latino-americanos, e é onde reside a beleza intrínseca da montagem.

Os atores estão envoltos numa atmosfera lírica, entre velas, pedaços de espelhos e porções de água, levando a pulsação do povo simples da América Latina aos patamares da memória pessoal e coletiva.

É uma pulsação latente, latina, quente e sedutora. Segundo o próprio diretor Ronaldo Serruya, “a tentativa do Galeano, como autor, é exatamente essa: trazer a luz nossa formação de povo latino, nossas raízes, aquilo de que somos feitos”.

A encenação separa grupos de espectadores em quatro porções simétricas. Cada porção, quase em formação de yin e yang, como se fossem os quatro pontos cardeais em relação ao círculo onde se encontra a cena, assiste do seu ponto-de-vista as particularidades de um todo que se costura, que se alinhava.

Os pequenos e grandes dramas, as pequenas e grandes comédias, as cartas de amantes e familiares, as belezas do dia-a-dia, a imensidão da paisagem que vai dos Andes à Colômbia, da Patagônia argentina ao cerrado brasileiro, tudo é motivo para celebrar a América pela qual o próprio Galeano viajou, o continente que ele vasculhou com tanta sensibilidade e carinho.

Tudo isso está no palco e a platéia sai da Vila Maria Zélia com a sensação de ter viajado por cordilheiras territoriais de emoções humanas e cativantes. O fato de que recordar vem do latim “re-cordis”, ou seja, voltar a passar pelo coração (como muito bem assinala um dos momentos da montagem, abertura que é de “O Livro dos Abraços”) já dá mote ao que vem.

Desnecessário dizer, Galeano fala diretamente à alma do continente. Além da beleza do espetáculo, com suas porções de espelhos e água, pés descalços, incontáveis velas e pingentes de luz, o texto vem a casar com a plástica irretocável do edifício-sede do Grupo XIX de Teatro, na Vila Maria Zélia, a primeira vila operária de São Paulo, no coração do Belenzinho.

O coração latino-americano percorre, assim, um inventário de emoções e nostalgia, histórias e sensações perdidas e encontradas em pequenos e grandiosos momentos de rara beleza.

A platéia ganha, através da literatura de Galeano e da montagem do Teatro do Fubá, um chão que escorre docemente como se fosse uma verdadeira raiz sob nossos pés cotidianos. Um espetáculo imperdível.

Serviço:

“O INVENTÁRIO DAS SENSAÇÕES PERDIDAS”

Textos: Eduardo Galeano
Dramaturgia: Teatro do Fubá e Ronaldo Serruya
Direção: Ronaldo Serruya
Elenco: Flávia Naves, Gisele Lavalle , João Júnior e Paulo Placido
Rua Cachoeira, 50, esquina com a Rua dos Prazeres (Belenzinho)
Fone: 2081-4647
Quando:
Dias 17 e 18/10/2009 – sábado e domingo às 20h
Dias 24 e 25/10/2009 – sábado e domingo às 20h
Dia 01/11/2009 – domingo às 20h
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)
Informações e Reservas: 9388-6253 e 9705-4632

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

ELIANA IGLÉSIAS ESCREVEU: IN DRAMA VERITAS

IN DRAMA VERITAS




Escrever sobre dramaturgia é sempre um prazer. Fazer dramaturgia é uma arte, muito prazerosa, porém bastante sofrida, e que nem todos (muito poucos, eu diria) conseguem chegar a um bom termo. Você pode passar toda uma vida aprendendo a técnica de escrever para teatro, produzir um texto irretocável, mas que no final das contas “não pega” . E isso por que? Porque na maioria das vezes falta o principal: a alma do autor naquele texto. E se não houver de imediato, uma identificação da platéia com aqueles personagens, a obra morre ali, no instante exato em que se revela para o mundo. Poderia falar aqui de vários gêneros teatrais, mas elegi o drama e o melodrama, deixando para outra ocasião, a comédia, o épico, a tragédia (que é a base do Drama Moderno).

O teatro surgiu na Grécia com as tragédias. Estas eram construídas sobre mitos (como o de Édipo, por exemplo) amplamente conhecidos pelo povo que ia ao teatro para assistir ao espetáculo. O público já sabia o que iria ver.

O drama moderno remonta a Aristóteles. Como na tragédia grega, no drama há a preocupação moral e com a qual a plateia se identifica. O drama não mente. Ele conta sempre uma verdade. O drama tem por característica apresentar os personagens de forma clara, previsível, sem surpresas. Como na tragédia, o drama visa à catarse, que nada mais é que trazer à tona os sentimentos mais profundos do espectador (para exemplificar, na tragédia grega, sentimentos de terror e piedade), sentimentos esses vivenciados na chamada cena de crise, onde o protagonista se mostra por inteiro. A catarse provoca o alivio ou purgação desses sentimentos, que estão vivos dentro de cada espectador. O drama moderno segue a mesma trajetória da tragédia. Há um fluxo de emoção que emana do palco (dos atores) para a platéia que recebe esse fluxo da maneira como ele vem, pura, honesta, sem mentiras. O drama contém, em si, a verdade. Como a sintaxe do drama é fechada, ele não permite interpretações dúbias.

O melodrama é um subgênero do drama. O melodrama é a arte do engano, da surpresa, da mentira. O melodrama não é fechado como o drama. Ele tem aberturas sintagmáticas nas quais o espectador coloca no palco, naquele instante, suas emoções. No melodrama (ao contrário do que ocorre no drama) o fluxo da emoção flui da plateia para o palco. O melodrama permite essa abertura, esse vão, enfim, esse espaço para que eu coloque minha emoção específica na peça que está sendo encenada. O melodrama também leva à catarse, só que, neste gênero, eu complemento com meus sentimentos o que está acontecendo no palco. O melodrama é imprevisível. Eu preencho cada cena, com minha emoção específica, e esta será sempre diferente, de pessoa para pessoa.

O pai do melodrama, no cinema, é Alfred Hitchcock, que consegue isolar a pessoa na plateia, através do medo ancestral, que é inerente a todos nós. Nunca sabemos qual será o próximo passo num filme de Hitchcock e isso é melodrama puro. A plateia coloca sua emoção específica em cada gesto, cada intenção dos personagens, uma vez que estes são, invariavelmente, figuras enigmáticas e imprevisíveis. Atualmente, 90% dos filmes, principalmente, os americanos, são melodramáticos, recheados de cenas inesperadas e finais surpreendentes. As pessoas saem da sala de espetáculo, cada qual com sua emoção específica e interpretações as mais variadas, para um mesmo tema. A tendência do teatro moderno vai também por essa linha melodramática.

A diferença básica entre o drama e melodrama é que o primeiro personifica a verdade, e o segundo, a mentira. Mas, afinal, o que seria de nossas vidas se não fossem esses opostos?

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

O HERÓI ÉPICO E O HERÓI DRAMÁTICO, por Isaias Edson Sidney







Para ilustrar as idéias que desenvolveremos sobre o herói épico e o herói dramático, vamos usar Édipo e Galileu como exemplos modelares de seus gêneros, por considerarmos ÉDIPO REI a tragédia por excelência, ou seja, o modelo de todas as tragédias e GALILEU GALILEI o produto mais bem acabado do teatro épico.


(Denise Fraga, no papel de Galileu - S.P. 2015)


Na tragédia, a saga do protagonista tem finalidade catártica e, no teatro épico, anagnótica. Até aí, nenhuma novidade. Mas é justamente o tipo de catarse e o tipo de anagnose que desejamos analisar.

Édipo tem uma vontade (descobrir a verdade) que, ao encontrar um obstáculo, volta-se contra ele mesmo. É o detetive que busca um assassino que, por acaso, é ele mesmo. Seu destino, traçado ou não pelos deuses, conhecido ou não por ele mesmo, segue um caminho inexorável. Mas Édipo não é um assassino frio e cruel. Ele assim se torna à medida que se descobre, à medida que se conhece a si mesmo, num processo de mudança de qualidade contínua até o ato final da revelação de quem é ele, culminando na crise, no arrependimento e na autocondenação. Édipo arranca os olhos e esse ato, muito mais que provocar a dor física, simboliza a condenação fatal de obrigá-lo a voltar-se para dentro de si, num processo de autocontemplação definitiva do ser monstruoso que ele se tornou. O castigo do herói leva a platéia, através da emoção catártica, a mitigar seus próprios crimes, saindo do teatro com a sensação de limpeza de alma. “Alguém pagou por mim um crime que eu poderia vir a cometer”. Nesse sentido, a catarse do protagonista é a catarse do público. Algo semelhante fazem todas as igrejas cristãs: “através do sacrifício, da oração ou da confissão, eu participo do sacrifício do Cristo que morreu para me salvar. Então, eu também estou salvo”. Pelo menos, até cometer o próximo pecado. O público da tragédia também está salvo, pelo menos até cometer o próximo crime, não necessariamente o mesmo cometido pelo protagonista.

Galileu também tem uma vontade (também a verdade) que, ao encontrar um obstáculo, volta-se contra ele mesmo. Mas termina aí a diferença entre ele e Édipo. Galileu não é um herói na mesma acepção do trágico. Ele é um homem comum, um cientista que acredita naquilo que pensa, mas não está disposto a dar a vida por essas idéias. Nesse sentido, Galileu sempre foi assim. Na sua trajetória rumo à crise, ele não muda de qualidade, pelo menos não no sentido que se atribui essa expressão em relação a Édipo - o autoconhecimento, a revelação daquilo que ele não era e passa a ser, à medida que a ação se desenvolve. Galileu não, ele já é o que é, quando inicia sua trajetória. A ação tem por finalidade revelar ao público aquilo que ele é. Não há catarse do herói, mas esta é transferida ao público. Como não é possível haver catarse coletiva (já que os crimes não são os mesmos para todos), ela se transforma em conhecimento de que o sofrimento do herói tem causas exógenas ao protagonista. A culpa não está nele, mas na estrutura social, política ou religiosa em que ele está inserido. Assim, em vez de comover-se, o público, teoricamente, revolta-se. Por isso o teatro de estrutura brechtiana torna-se um teatro revolucionário, épico, no sentido de afastamento, de não envolvimento do protagonista na ação dramática, mas de transferência para o publico do julgamento de suas ações frente a uma realidade.


ISAIAS EDSON SIDNEY
S.P.26.3.97