sexta-feira, 4 de outubro de 2024

ÉDIPO E SEUS FILHOS

 

(Blind Oedipus commending his children to the gods, by Benigne Gagneraux (1784)



A lenda da família dos labdácidas faz parte do Ciclo Tebano. Há várias versões conflitantes; a mais conhecida, adotada aqui, foi transmitida pelos poetas trágicos.

Laio

Laio era filho de Lábdaco, rei de Tebas, e reinou na cidade logo depois de Anfíon e Zetos. Consta que os deuses amaldiçoaram toda a família devido aos seus amores não-naturais com Crisipo, filho de Pélops. Mais tarde, casado com Jocasta, evitava ter filhos, pois o Oráculo de Delfos revelara que seria morto por um filho seu. Mas Jocasta embebedou-o certa vez e, decorridos os meses de praxe, Édipo nasceu.

Horrorizado, Laio mandou expor a criança, mas o servidor apiedou-se dela e o entregou a uns servos do rei de Corinto (ou de Sicion), Pólibo, que criou Édipo como um filho. Já homem feito, Édipo encontrou-se acidentalmente com Laio em uma encruzilhada e, durante a luta que se seguiu a uma discussão, matou-o. Morto Laio, Creonte, irmão de Jocasta, assumiu provisoriamente o trono de Tebas; Édipo simplesmente seguiu seu caminho.

Édipo em Tebas

Tebas, algum tempo depois, foi assolada por uma terrível maldição: a Esfinge, monstro alado com corpo de mulher e de leão, postou-se nas imediações da cidade e devorava todos os seres humanos ao seu alcance. Consta que ela antes apresentava às suas vítimas um enigma e devorava somente aqueles incapazes de decifrá-lo — mas ninguém nunca atinava com a resposta correta...

Nessa altura Édipo havia descoberto, graças ao Oráculo de Delfos, que estava destinado a matar o pai e casar com a mãe. Assustado, exilou-se voluntariamente de Corinto e, ao saber do problema dos tebanos, decidiu enfrentar a Esfinge. Ela perguntou-lhe qual era o animal que de manhã andava com quatro pernas, ao meio-dia com duas e à noite com três. Édipo respondeu — corretamente — que se tratava do homem, pois ele engatinhava quando jovem, andava ereto na juventude e se apoiava em uma bengala na velhice. Enraivecida e frustrada com a perspectiva de uma longa dieta, a Esfinge atirou-se de um precipício e morreu.

Édipo foi nomeado rei ("tirano") de Tebas e ainda recebeu, como recompensa, a mão de Jocasta, viúva do rei anterior, que lhe deu os seguintes filhos: Antígona, Ismene, Etéocles e Polinices. Cumpriu-se, dessa forma, o oráculo, mas Édipo reinou sossegado em Tebas durante muitos anos.

Um dia, porém, a cidade foi assolada pela peste e, de acordo com mais um oráculo, a única maneira de debelar a doença era identificar e punir o assassino de Laio. Édipo conduziu as investigações e acabou descobrindo tudo. Jocasta, ao saber da terrível verdade, enforcou-se; Édipo furou os próprios olhos com os grampos do vestido de sua mãe-esposa e abandonou Tebas, acompanhado apenas de sua filha Antígona. Antes de deixar a cidade, amaldiçoou seus filhos, Etéocles e Polinices, pois eles o destrataram. Em algumas versões, Édipo foi expulso da cidade por Creonte.

Já um ancião, Édipo chegou à Ática, em Colono, e foi bem acolhido por Teseu, então rei de Atenas. Agradecido, pediu para ser enterrado ali mesmo e revelou que a terra que recebesse seu corpo seria abençoada pelos deuses. Ciente disso, Creonte tentou forçá-lo a voltar para Tebas, mas Teseu defendeu o hóspede e Édipo foi enterrado em um local de Colono que apenas Teseu conhecia.

Os Sete contra Tebas

Os filhos de Édipo decidiram dividir o trono de Tebas de tal forma que cada um deles reinasse durante um ano. Quando a vez de Etéocles chegou, porém, ele se recusou a ceder a vez a Polinices e expulsou o irmão de Tebas. Polinices refugiou-se em Argos, onde reinava Adrasto, filho de Tálao, e desposou a filha do rei. Algum tempo depois, Adrasto e Polinices decidiram organizar uma expedição militar contra Tebas, para que Polinices pudesse recuperar o trono.

Adrasto reuniu mais cinco heróis para a expedição, perfazendo então um total de sete: Tideu, filho de Eneu; Anfiarau, primo de Adrasto, neto de Melampo e adivinho, como o avô; Capaneu e Hipomedonte, da família real de Argos; e Partenopeu, filho de Atalanta.

Etéocles opôs ele próprio ao irmão e convocou mais seis heróis tebanos para enfrentar os invasores — sete contra sete. Cada herói argivo enfrentou um adversário tebano diante de cada uma das sete portas de Tebas e, durante a luta, Etéocles e Polinices mataram um ao outro. Os tebanos, porém, rechaçaram o ataque e todos os heróis do exército atacante foram mortos, com excessão de Adrasto, que conseguiu fugir graças a seu cavalo Árion, e Anfiarau, tragado pela terra com carruagem, cavalos e tudo.

Creonte, novamente rei de Tebas, proibiu que o corpo dos inimigos fosse sepultado, inclusive o de Polinices. Antígona, alegando obediência às leis divinas, recobriu o corpo do irmão com terra — era o suficiente para satisfazer o ritual — e por isso foi condenada à morte. Antígona se suicidou antes disso e também se mataram Hémon, filho de Creonte e noivo de Antígona e Eurídice, esposa de Creonte e mãe de Hémon. Posteriormente, pela força das armas, Creonte foi obrigado por Teseu a entregar os corpos dos heróis argivos aos parentes.

Os epígonos

Dez anos depois, Adrasto reuniu os filhos dos heróis argivos e organizou outra expedição contra Tebas. Esses jovens heróis, os epígonos, eram: Alcméon e Anfíloco, filhos de Anfiarau; Egialeu, filho de Adrasto; Diomedes, filho de Tideu; Prômaco, filho de Partenopeu; Estênelo, filho de Capaneu; Tersandro, filho de Polinices. Os tebanos eram então chefiados por Laodamante, filho de Etéocles.

Dessa vez Tebas foi conquistada, e Egialeu e Laodamante morreram durante os combates. Tersandro assumiu então o poder e reinou até a época da primeira expedição contra Tróia, quando foi morto por Télefo durante o desembarque na Mísia.

Iconografia e culto

No século II, pelo menos, havia um heroon de Édipo e de Adrasto em Colono, na Ática. Adrasto era também cultuado em Sicíon e os filhos de Édipo, em Tebas. Havia também, em Elêusis, um culto aos "Sete Contra Tebas". O culto mais famoso de todos, no entanto, era o do concorrido santuário de Anfiarau em Oropo, Ática, procurado pelos devotos em busca de cura para suas doenças, a exemplo dos numerosos templos da cura dedicados a Asclépio.


Fonte:

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

REBECA FUKS ESCREVEU: ÉDIPO REI, DE SÓFOCLES (RESUMO E ANÁLISE DA TRAGÉDIA)

(Jean-Auguste Dominique Ingres - Édipo e a Esfinge)

A tragédia grega Édipo Rei foi escrita por Sófocles e é dos mitos mais revisitados da Antiguidade Clássica. O intelectual Aristóteles considerava a peça Édipo Rei como a maior tragédia do teatro grego.

Resumo

O protagonista Édipo é condenado à morte quando ainda era um bebê. O seu pai, o rei Laio, havia ouvido de um oráculo de Delfos que o filho algum dia o mataria e desposaria a própria mãe, a rainha Jocasta. Perturbado com a revelação, o rei julgou que a melhor solução seria matar o menino antes que a profecia se realizasse.

Diante da decisão, um pastor é convocado pelo rei para levar Édipo, que teria os pés amarrados e seria deixado pendurado numa árvore no monte Citerão até ser atacado pelas feras. Com pena, o pastor desobedece às ordens e leva o bebê para casa. Por ser muito pobre, a família do camponês não consegue reunir condições de criar Édipo e acaba o doando.

O bebê vai finalmente parar nas mãos de Políbio, o rei de Corinto, que passa a tratá-lo como próprio filho. O rapaz cresce e recebe a revelação perturbadora de que havia sido adotado.

Transtornado com a notícia, Édipo sai desvairado. Na ocasião encontra numa encruzilhada com o pai biológico (que desconhecia) e com mais alguns acompanhantes. Furioso, tem um surto de raiva e acaba matando aquelas pessoas. É desse modo que a primeira parte da profecia se realiza: o filho mata o próprio pai.

Quando chega a Tebas, a sua cidade natal, Édipo depara-se com uma esfinge que propunha um desafio até então nunca solucionado:

Que criatura pela manhã tem quatro pés, ao meio-dia tem dois, e à tarde tem três?

Édipo é o único a desvendar o enigma. A resposta para a questão da esfinge era o ser humano, que engatinha com "quatro pés" quando é bebê, anda sobre dois quando é adulto e alcança três pernas quando envelhece (as duas que já carrega mais a bengala).

Por ter resolvido a questão colocada pela esfinge, Édipo é considerado um herói e é declarado o novo rei de Tebas, casando-se com a própria mãe e concretizando a segunda parte da profecia. Juntos, Édipo e Jocasta chegam a ter quatro filhos (duas filhas e dois filhos).

Quando consulta um oráculo, Édipo percebe que o seu destino se concretizou.

Oh! Ai de mim! Tudo está claro! Ó luz, que eu te veja pela derradeira vez! Todos sabem: tudo me era interdito: ser filho de quem sou, casar-me com quem me casei e eu matei aquele a quem eu não poderia matar!


Desesperado, arranca as órbitas dos próprios olhos e afirma que não quer ser testemunha da própria desgraça e dos próprios crimes.

A esposa/mãe, por sua vez, a rainha Jocasta, se suicida.

EMISSÁRIO

Uma coisa fácil de dizer, como de ouvir: Jocasta, a nossa rainha, já não vive!

CORIFEU

Oh! Que infeliz! Qual foi a causa de sua morte?

EMISSÁRIO

Ela resolveu matar-se...


Significado do nome Édipo

Édipo significa "o de pés inchados". O nome era compatível com a história, porque o menino havia tido os pés perfurados para ser pendurado numa árvore. A ideia original era que as feras o devorassem.


Personagens

Édipo

O protagonista da história. É condenado a morte após o pai, o rei Laio, ouvir do oráculo de Delfos que o filho mataria o pai e desposaria a mãe.

Rei Laio

Rei de Tebas, Laio é casado com Jocasta, com quem tem o filho Édipo.

Rainha Jocasta

Mãe biológica de Édipo, perde o contato com o filho (que acredita estar morto). Fica viúva de Laio, que é assassinado pelo próprio filho. Acaba se casando com Édipo e tem com ele quatro filhos.

Camponês

Recebe as ordens do rei Laio para abandonar o menino na floresta a própria sorte. Fica com pena do bebê e o leva para casa.

Políbio

Rei de Corinto, adota o bebê Édipo e o cria como se fosse seu filho.

Esfinge

Metade mulher, metade leão, a esfinge propõe um desafio que ninguém consegue desvendar. Quando Édipo acerta a equação, torna-se herói e recebe como prêmio a rainha Jocasta.


História da criação da peça

A primeira apresentação da peça Édipo Rei foi em Atenas, capital da Grécia. Sabe-se que o texto havia sido preparado para um concurso, no entanto, a obra-prima de Sófocles ficou apenas em segundo lugar, tendo sido derrotada por um drama do, hoje pouco conhecido, autor Filocles.


Sófocles




Nascido em Atenas, capital da Grécia, Sófocles (495 a.C. – 406 a.C.) foi um importante intelectual e autor de peças de teatro. O escritor também atuou como ator. Sófocles escreveu mais de 120 peças, embora se estime que apenas sete tenham sobrevivido na íntegra.

Provavelmente Édipo Rei é o seu trabalho mais conhecido, embora também seja da sua autoria peças importantes como Antígona, Ajax e Electra. Sófocles participou em vida de trinta concursos de peças de teatro, dos quais venceu vinte e quatro. O autor teve, portanto, uma carreira como dramaturgo muito celebrada.

Complexo de Édipo, Freud

Freud se apropriou da tragédia grega para ilustrar a sua recém-criada teoria psicanalítica.

Em 1897, numa carta que escreveu para Fliess, Freud já deixava clara a sua intenção de utilizar a peça grega nos seus estudos médicos. No entanto, como estudo mais encorpado, o psicanalista só escreveu um único trabalho, mais de vinte anos depois. Trata-se de A Dissolução do Complexo de Édipo, publicada em 1924.

O trabalho encontra-se reunido na coletânea O ego e o ID e outros trabalhos (1923-1925). De forma muito sintética, de acordo com o pai da psicanálise, Complexo de Édipo é a nomenclatura que

Designa o fenômeno psicológico resultante do comportamento emocional do triângulo filho-mãe-pai. A inter-relação desses três constantes deu origem a uma série de fenômenos variáveis que foram agrupados sob o nome genérico “complexo de édipo.


O avesso (a relação entre mães e filhos) é denominado Complexo de Electra.

Edipo Re, o filme de Pasolini



O filme escrito e dirigido por Pier Paolo Pasolini foi lançado na Itália no dia 7 de setembro de 1967. O elenco conta com Silvana Mangano no papel de Jocasta, Franco Citti no papel de Édipo, Luciano Bartoli no papel de Laio e Ahmed Belhachmi no papel de Pólibo.

O longa-metragem Edipo Re pertence ao conhecido Ciclo Mítico do diretor Pasolini, que inclui também os filmes Teorema, Porcile e Medéia e a Feiticeira do Amor.



Fonte:

Rebeca Fuks

Doutora em Estudos da Cultura