EM ‘TEATRO’, DAVID MAMET REÚNE UMA COLEÇÃO DE HERESIAS SOBRE O PALCO
Teatro", do dramaturgo e cineasta americano David Mamet, tem tudo para deixar enfurecidos os estudantes e profissionais do ramo no Brasil. Em seus 29 breves ensaios, o livro reúne uma pequena mas poderosa coleção de heresias. Por exemplo, Mamet fala mal de Stanislavsky e critica o mítico “Método”, afirmando que o público não vai ao teatro para ver um ator se emocionar, muito menos fingir que se emociona. Classifica como supérflua e dispensável a figura do diretor (apesar de ser ele próprio um diretor atuante). Como se não bastasse, o título de um dos textos fala da... inutilidade dos ensaios! A seus olhos, atores são bons ou não são atores, e bons atores geralmente trabalham melhor sem a interferência de um diretor, por melhor que ele seja. Em suma, Mamet defende nada menos que a morte do diretor teatral e ataca a futilidade das principais convenções da teoria da interpretação.
Mais que a intenção de chocar, o que tudo isso revela é que David Mamet, talvez o principal dramaturgo americano vivo, é sobretudo um escritor, alguém que subordina ao texto suas atividades no cinema e no teatro. Quando não está dirigindo filmes nem escrevendo peças ou roteiros, ele se diverte lançando livros que são sobretudo provocações, como “Bambi vs Godzilla”, “Writing in restaurants” e “Three uses of the knife”. Paradoxalmente, o Mamet ensaísta fica um patamar abaixo do Mamet diretor, dramaturgo e roteirista: filmes e peças – ou filmes que são adaptações de peças – são seu habitat natural, não os livros. Talvez porque livros são monólogos, e seu talento se evidencia essencialmente na construção de conflitos por meio de diálogos (nisso ele é insuperável, a ponto de hoje se falar em “Mametspeak”). Diálogos que, inexoravelmente, escondem um comentário cruel sobre a corrupção do sonho americano, seja no ambiente profissional ou familiar.
Autor de peças consagradas, como “American Buffalo”, “Oleanna” e “Glengarry Glen Ross”, Mamet também cultua seus ídolos em “Teatro” (Civilização Brasileira, 180 pgs. R$ 29,90). Um deles é o dramaturgo russo Anton Tchekhov, para ele o verdadeiro responsável pela principal revolução na arte da interpretação nos palcos – ainda que Tchekhov não dirigisse suas peças. Mais uma vez, Mamet afirma a primazia do texto como determinante do trabalho dos atores: o “estilo” da atuação já estaria implícito na dramaturgia, como ilustram os exemplos de Shakespeare, Bertolt Brecht e Samuel Beckett – e do próprio Mamet.
Outra ousadia do livro é descrever o teatro como basicamente uma transação comercial, na qual o público paga pelo ingresso e espera receber algo em troca. O que conta nessa equação são (mais uma vez) o texto, os atores e a plateia (necessariamente pagante): todo o resto – cenário, figurinos, música etc – é acessório. Mamet não está brincando: ele despreza o teatro que não seja também um produto de mercado, o que deve deixar muitos leitores brasileiros de cabelo em pé.
Nascido em 1947, David Mamet teve uma infância difícil, marcada pela violência doméstica e pela separação dos pais. Ainda jovem, foi diretor artístico e um dos fundadores da St.Nicholas Theater Company, em Chicago. Em 1978, quando se tornou diretor artístico associado do Goodman Theater, em Chicago, suas peças começaram a ser encenadas na Broadway. Sua relação com o cinema começou em 1981, com o argumento para o remake de “O destino bate à sua porta” (Bob Rafelson, 1981); como diretor, realizou pelo menos três filmes geniais: “Jogo de emoções” (1987), “As coisas mudam” (1988) e “Homicídio” (1991).
Filmes de David Mamet
1981 – “O destino bate à sua porta” (roteirista)
1982 – “O Veredito” (roteirista)
1986 – “Sobre Ontem à Noite” (roteirista)
1987 – “Os Intocáveis” (roteirista) /“Jogo de Emoções” (diretor e roteirista)
Cena do filme 'Jogo de emoções', de Mamet'
1988 – “As coisas mudam” (diretor e roteirista)
1989 – “Não Somos Anjos” (roteirista)
1991 – “Homicídio” (diretor e roteirista)
1992 – “O Sucesso a Qualquer Preço” (roteirista) / “Hoffa” (roteirista)
1994 – “Tio Vanya em Nova York” (roteirista) / “Oleanna” (diretor e roteirista)
1996 – “American Buffalo” (roteirista)
1997 – “The Edge” (roteirista) / “The Spanish Prisoner” (diretor e roteirista) / “Mera coincidência” (roteirista)
1998 – “Ronin” (roteirista)
1999 – “O Cadete Winslow” (diretor e roteirista)
2000 – “State and Main” (diretor e roteirista) / “Lakeboat” (roteirista) / “Catastrophe” (curta, diretor)
2001 – “Hannibal” (roteirista) / “Heist – O Golpe” (diretor e roteirista)
2004 – “Spartan” (diretor e roteirista)
2005 – “Edmond” (roteirista)
2008 – “Redbelt” (diretor e roteirista)
2009 – “The Prince of Providence” (roteirista)
2010 – “Come Back to Sorrento” (produtor e roteirista)
2013 – “Phil Spector” (diretor e roteirista)
Peças de David Mamet
1970 – “Lakeboat”
1972 – “The Duck Variations” / “Lone Canoe”
1974 – “Perversidade sexual em Chicago” / “Squirrels”
1975 – “American Buffalo”
1976 – “Reunion” / “The Water Engine”
1977 – “A Life in the Theatre”
1978 – “Revenge of the Space Pandas” / “Mr.Happiness”
1979 – “The Woods” / “The Blue Hour”
1982 – “Edmond”
1983 – “The Frog Prince” / “Glengarry Glen Ross”
1985 – “The Shawl” / “Goldberg Street”
1986 – “The Poet and The Rent”
1988 – “Speed-the-Plow”
1989 – “Bobby Gould In Hell”
1992 – “Oleanna”
1995 – “The Cryptogram”
1997 – “The Old Neighborhood”
1999 – “Boston Marriage”
2004 – “Faustus”
2005 – “Romance” / “The Voysey Inheritance”
2008 – “November” / “Keep your Pantheon” / “The Vikings and Darwin”
2009 – “Race” / “School”
2012 – “The Anarchist”
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