ADEUS, CRÍTICA!
Drama é:
ação e conflito, em sequência ascendente de causa e efeito, com começo, meio e
fim, mas não necessariamente nessa ordem.
Aristóteles
Considere o público. Nunca o
tema nem o despreze. Provoque encanto, charme ou mesmo adulação; provoque estímulo, interesse ou mesmo choque. Faça o rir e chorar, mas acima de tudo... nunca, nunca, nunca aborreça.
Noel
Coward
Uma peça de 10 minutos
parecerá ter uma hora se fizer isso depois daquilo.
Uma peça de uma hora parecerá ter 10 minutos se fizer isso por causa daquilo.
Aristóteles
(Brecht: A alma boa de Setsuan)
Alguém
tem de assumir o papel do chato. Em tempos passados a Bárbara Heliodora era
péssima na crítica a atores (especialmente aos jovens atores) e chegava às
raias da falta de educação. Hoje, nesse quesito, tudo para ela não é escola de samba
mas é “10!!!”. Especialmente se forem celebridades. Mas em tudo o mais ela era
da maior seriedade e competência, embora assumindo o papel de chata de plantão.
Por que é que sempre repito a mesma coisa?
Porque pago para ver e tenho o direito de espectador.
Adeus crítica. Nem vou mais comentar
espetáculos épicos, descritivos, narrativos depois de ver tantos belos artistas
jogarem fora o bebê junto com a água da bacia.
Quero apenas lembrar que é IM-PO-SSÍ-VEL
impor uma arte sobre outra dentro dos meios de expressão e gênero da outra.
(Claro está que não estou me referindo a shows, dança, performance, stand-up,
esquetes, etc.)
Se o Brecht que é o super BB não conseguiu
impor o épico sobre o dramático e depois pediu arreglo, por que tanta gente
quer reinventar a roda? Podem dizer que é intencional, experimental, etc. Mas o
que vejo nesses espetáculos é uma platéia (geralmente pequena) passiva, de
olhos alheios, com a tradicional finura do público brasileiro sempre apoiando o
esforço dos atores no final, mas encantamento mesmo que é bom, necas de
pitibiriba.
Às vezes me dizem que dramaturgia é uma coisa superficial e linear. Ora:
i) linearidade é apenas uma ferramenta que a história pode pedir ou não. Edipo Rei, a mãe de todas as peças, não apenas não é linear, como funciona de trás para a frente, como um filme policial onde o “detetive” só descobre o criminoso no final, que é ele próprio. É mole? Melhor que Hollywood;
ii) já a superficialidade vem do artista e não do gênero.
Às vezes me dizem que dramaturgia é uma coisa superficial e linear. Ora:
i) linearidade é apenas uma ferramenta que a história pode pedir ou não. Edipo Rei, a mãe de todas as peças, não apenas não é linear, como funciona de trás para a frente, como um filme policial onde o “detetive” só descobre o criminoso no final, que é ele próprio. É mole? Melhor que Hollywood;
ii) já a superficialidade vem do artista e não do gênero.
Com todo respeito e carinho que tenho pela
coragem e ousadia de tão belos artistas, fica a sensação de desinformação sobre
sua própria arte.
Claro, pode haver compensações em alguns
espetáculos com dança, expressão corporal e vocal, artes visuais refinadas,
etc. Mas tudo isso no palco (no caso de uma suposta peça: drama, comédia,
farsa, melodrama, tragédia) não passa de coadjuvantes à dramaturgia. Sem ela,
sem a ascenção de causa e efeito, com riscos cada vez maiores, nada feito.
Por que é que vocês acham que Hollywood e a
Rede Globo faturam milhões? Porque são rasos? Nunquinhas. É porque fazem
dramaturgia, porque fazem para as pessoas, para o público, para o povo, e não
para “brilhar”. Arte é feita para quem então? Para uma plateia cult?
Na-na-nin-na-não! Arte é popular por natureza. (Atenção: Nada a ver com a
apelação “popularesca” a qualquer
custo).
O gênero drama (na acepção de dramaturgia)
é uma máquina tão infernal de encantamento que dá sustentação até às coisas
rasas. É como um rio, que mesmo raso, quando tem margens (estrutura, caixa,
encaixe), seguirá seu curso.
PS – Por exemplo:
i)
Não sei
como um homem da experiência do Marcos Fayad se fixa e goste tanto daquele papo
à toa, digo, Artaud, digo, careca. Já não era bom com o Rubens!? Mas fica
tempos em cartaz!? Será que o público gosta tanto do papo com os artistas como
compensação depois do espetáculo após a bunda doer e segurar os pigarros?
ii)
Ver duas
atrizes de primeira linha como Lorena da Silva (As Regras do Bem Viver...) e Ester Jablonski (Silêncios...) jogando contra e ainda jogar o público contra é uma
pena. Onze contra dez já é uma covardia, imagine dois contra um? Lástima ainda
maior porque o material humano (histriônico) delas é “dukha”!
1 - TRABALHOS DE ATOR “PERDIDOS”
Há enormes diferenças entre a montagem de Policarpo Quaresma (Antunes
Filho, Rio/2011), e Palácio do Fim (José Wilker, Rio/2011). Contudo, a
crítica é semelhante. Mais incisiva a este último, por ser totalmente épico e o
outro apenas epicizante. O premiado texto da eminente dramaturga canadense
Judith Thompson, Palácio do
Fim, foi montado com atores célebres e sucesso de crítica. O público também
afluiu, aparentemente sustentado em boa medida pelos dois primeiros fatores. O
diretor descobriu o texto em espetáculo produzido por um grupo chamado The Epic
Ensemble Theater (Teatro de Repertório Épico) em Nova York.
Aproveitando o que há de pior em Brecht - a
própria concepção epicizante - como
não poderia deixar de ser em grupo com esse propósito. E também algo do que há de
melhor: texto político e corajoso que denuncia tanto crimes do Império
Hegemônico quanto do regime de Saddam Hussein. Além de trazer um personagem com
alguns traços do Galileu Galilei de Brecht. Como se vê, há uma dialética, um
jogo de contrários, embora totalmente épica, isto é, deslocada de seu melhor
meio de expressão, a literatura. Diferente de Brecht, vai às útimas
consequências do épico, sem dar chance ao jogo dramático, algo de que Brecht
não apenas não conseguia se livrar como ainda teve tempo de reconsiderar ao
final de sua trajetória.
Embora o texto seja um tanto documental, a
habilidade de Thompson nos traz contundentes “personagens” e, portanto, certa
“dramaticidade”. Mas, intencionalmente ficam presos no discurso, na narração,
na história contada, mas não dramatizada.
Nem o profissionalismo dos artistas
envolvidos e nem mesmo a interpretação de Vera Holtz, em sensivel trabalho de
força vesus contenção, poderia “salvar” uma peça que fica na periferia do
drama, quaisquer que tenham sido os motivos para a opção anticlimática de
Thompson. Talvez permaneça aí o equivocado conceito de que determinadas
representações no palco só possam ser feitas através do épico.
A confusão entre literatura e drama é uma
onda que parece ganhar cada vez mais força, juntamente com o performático, o
pós-dramático e o, digamos, “desconstrutivismo”. Contudo, de modo geral
(exceções à parte), nem de longe se sustentam no palco ao nivel da velha e boa
dramaturgia.
Na mesma linha, a excelente atriz Dani
Barros leva ao palco uma adpatação do filme documentário Estamira – Beira do Mundo (Marcos Prado, Brasil/2004).
Espetáculo classificado de “excepcional”, por Bárbara Heliodora: “Nada seria o
mesmo, no entanto, sem a excepcional atuação de Dani Barros que, como a
diretora, foi também parte da criação do texto” (O Globo, 11/12/2011).
Cada artista tem suas livres opções.
Entretanto, o teatro de representação do documental tende ao antidramático em
seu sentido “puro”, não apenas por ser naturalmente épico, mas por transformar
o documento real e visceral do filme em representação.
Do ponto de vista do artesanato
dramatúrgico, a equação é o exato oposto. Por mais talentoso que seja o ator, a
desdramatização empobrece o espetáculo e não ultrapassa as fronteiras do
encantamento natural da forma específica para a ficcionalização cênica.
Não se trata de imposição formal* ortodoxa,
purista e muito menos temática. Apenas
de técnica mais apropriada a determinado meio de expressão. Arte é sempre
convenção, mas em relação aos meios de expressão e ao material uma convenção é
mais apropriada ou eficaz que outra.
Do ponto de vista dramatúrgico, todas as
experimentações são válidas, desde que submetidas ao crivo dramático. O drama é
o centro ou ao menos abrange 50% + um ponto, mesmo que em mínima fração. E nem
se trata de forma ou estética, mas da essência do jogo cênico, isto é, de ação
e conflito. Caso contrário, perde-se força gravitacional, de atração e
concentração. Qualquer outra dispersão seria, do ponto de vista da dramaturgia,
trabalhos de ator - e diretor, figurinista, etc. – “perdidos”, ou melhor,
esvaidos. Sem eixo e direção ou, na melhor das hipóteses, fragilizados em
pontos de envolvimento e encantamento. Por isso mesmo, menos
consistentes.
Em outra vertente, o
espetáculo performático Por que Você é
Pobre (Tania Alice/Coletivo Heróis do Cotidiano/Rio/2012) que, em termos de
gênero é uma arte híbrida atinge uma intensidade ao mesmo tempo dramática e
documental de visceralidade e singeleza que vai além e acima do drama enquanto
forma. Talvez por ser real, ao vivo e a cores no caso do depoimento pessoal das
duas atrizes. No sentido de um teatro ao mesmo tempo pessoal e de crítica
social, isso nos parece o sonho alcançado de um Brecht ou um Boal. Ou seja:
tudo é possível. Mesmo assim, ainda fica um ranço de experimentação formal. O
público não quer saber disso. Pergunto sempre. Eles querm uma história bem
contada nos termos dos filmes e novelas, ou seja, ação e conflito.
Já a comédia Sem Pensar (Anya Reiss/Rio/2012), embora escrita por uma
adolescente, mostra como se faz uma peça longa. Com personagem, ação e linha de
ralcionamento principais, com vários outros eventos/personagens significativos
e suas respectivas linhas de ação e relacionamento.
As artes visuais em nosso mundo pós-moderno
é de uma profusão criativa e democrática sem paralelo na história. Por dois
motivos, já que se expressam em: i) escala planetária; ii) quantidade e
variedade impensáveis no
passado.
O que era pura genialidade criativa dos
renascentistas Bosch e Bruegel ou dos modernos Dali e Picasso, hoje é quase
prática diária, ao menos em termos de ousadia. Freud e Marx explicam?
Além disso, a mimese hoje não passa de rico
detalhe opcional nas artes visuais. Contudo, a mimese é a própria razão de ser
da dramaturgia. Daí sermos obrigados a um olhar mais crítico sobre as artes
visuais ao colocar termos de comparação.
Em 1917 Marcel Duchamp (1887-1968) exibiu
um urinol como obra de arte. De lá pra cá as coisas começaram a mudar. As artes
visuais contemporâneas, no rastro desse conceito, dependem mais de um mercado
elitista do que da comunicação com o público. Trata-se de grandes eventos via
instituições e museus. Jogo de publicidade e celebridades. De investimentos
financeiros no mercado bursátil, antes e acima de qualidades técnicas
individuais ou tradicionais.
Por outro lado, se não se exige do
artista visual de hoje o domínio técnico e artesanal, é verdade que, como no Renascimento,
os artistas célebres têm equipes de especialistas trabalhando para eles. O que
importa hoje é a ideia. Mesmo que baste um “conceito” e a ideia não diga muito
a que veio. A realização técnica é trabalhada pela equipe, embora dirigida pelo
artista.
Há artistas que ficam famosos antes
mesmo de produzir trabalhos significativos, tamanha a importância da promoção
pessoal e das conexões com galerias, curadorias e a mídia. Que o diga Jeff
Koons, o escultor de obras multimilionárias. O próprio Andy Warhol, que começou
como excelente artista gráfico, reiventa a pop art com a reprodução em massa da
mesma ideia. Obras ao mesmo tempo críticas e absorvidas pelo sistema, como
quase sempre. Tanto nesse sentido como no sentido comercial as artes visuais
alcançam maior prestígio que o teatro, a música e o cinema experimentais.
Atualmente o crítico de arte já não tem a
mesma importância que teve no passado. Hoje quem manda é o curador, geralmente
um teórico de arte bem preparado que está ligado a uma universidade ou museu.
Isso não é bom nem ruim. É a realidade.
As artes visuais, por outro lado, são uma
espécie de termômetro do enriquecimento material e cultural da sociedade. Novos
artistas e galerias aparecem, o consumidor se sofistica, seja em termos de
gosto decorativo ou, digamos, “filosófico”, buscando obras que levem a maior
reflexão.
Contudo, o movimento experimental,
“pós-tudo” e “vale tudo” está presente e com muita força.
A nós interessa o fato de que essa
energia e conceito invadiu o teatro e domina boa parte dele. O que fazer? Para
quem, ao menos *em tese, não quer ficar no gueto de um público restrito e da
encenação de si mesmo, a saída é a outra porta.
*Falamos “em tese” porque o teatro é, na
maioria das vezes, “de pobres”, ou seja: pequenos grupos, pouco investimento e
quase nenhuma publicidade. Portanto, o público aí também será em boa
medida, restrito.
Para quem se interessa por
dramaturgia, o conceito, a atividade, o artesanato e a arte são o exato oposto.
Os valores são invertidos e a comunicação com o público é o valor máximo,
embora não a qualquer preço. Obviamente verdade e criatividade são partes
inerentes em qualquer arte.
O próprio Picasso tinha uma posição que
serve aos dois lados. Para ele a arte não precisa de explicação nem de
racionalização, assim como não se explicam o canto dos pássaros ou as belezas
naturais. Elas se comunicam por si mesmas, uma vez aferido o olho humano. Mas
esse é o problema. Em que nível técnico ou comunicativo, uma vez que o primeiro
é instrumento do segundo?
No caso da música o ouvido é a via direta
aos sentimentos e à emoção. A dança é movimento e pode-se daí extrair
dramaticidade. Na canção a “letra” é o “drama”. A ópera inverte a equação e faz
drama via música, etc.
Na esfera da cena (estética) em combinação
com o texto falado (racionalização) a dramaturgia é o meio mais eficaz para
tocar fundo em problemas centrais ao indivíduo e à sociedade. E ao mesmo tempo
encantar o público, seja em palco, tela, quadrinhos ou rádio. É o dedo na
ferida e o sopro na alma.
De volta à estaca zero, a Aristóteles. A estrutura (trama ou ordenação
dos incidentes) é o que há de mais importante. Em uma peça ou roteiro há coisas
feitas, ditas e pensadas. Mas as personagens só podem dizer e pensar através da
ação, que é a essência da estrutura. Sair dessa linha é sair do drama (ação) e
partir para o épico e outras contrafações menos votadas.
Ação dramática não é a representação
de personagens. Estas é que são subsidiárias das ações ou delas afloram. Marx
se encontra com Aristóteles quando diz que a consciência é fruto da realidade
objetiva e não o inverso. Naturalmente há um retorno, uma retroalimentação da
personagem e da consciência à realidade e às ações. Uma relação dialética,
enfim.
O guia para análise de um texto
dramático é a ação, ou seja, as coisas feitas. As coisas pensadas ou ditas, à
ação se submetem ou à luz da ação se revelam. Para saber o que a personagem diz
precisamos saber o que ela pensa, pois às vezes ela diz o contrário do que
pensa. E para saber o que ela pensa necessitamos observar a ação.
Não há como fazer inferências
generalizantes com base em falas esparsas e fora do contexto da ação. A cena
seguinte pode contradizer, via ação, o que aparentemente era a verdade da
personagem.
Eis porque se constrói a personagem a
partir das ações realizadas ou recebidas.
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