BERTOLD BRECHT E O TEATRO ÉPICO
Quando nasceu, no dia 10 de
fevereiro de 1898 em Augsburg, centro da Baviera, ele ficou sendo Eugen
Friederich Bertold Brecht. No dia 14 de agosto de 1956, quando morreu, ele era
Bertolt Brecht, ou Bert Brecht, ou simplesmente B.B.. Nesse espaço de 58 anos,
não houve apenas mudanças biológicas características das fases da vida de um
homem, somadas à mudança ou abreviação de um nome. Houve muito mais que isso.
Houve toda uma gama de inquietudes, próprias dos homens sensíveis, que se
traduziram em feitos importantes no campo artístico e deixaram atrás de si
lastros portadores do gérmen da transformação, especialmente na área teatral.
Prova disso é a alteração, irreversível, da função e do sentido social do
teatro, efetuada por Brecht.
Quando e como efetuou ele a
mudança? Não houve um momento preciso, pois, a mudança acompanhou a evolução do
homem Brecht, que nunca hesitou em voltar atrás e retificar seus postulados
anteriores. Precocemente, contudo, esse filho da cidade, gerado na floresta
negra , começou suas atividades artísticas, publicando, já aos dezesseis anos,
narrações curtas e alguns poemas, não parando de traduzir até a morte e nos
legando, por conseguinte, um teatro que vem a ser a "luta contra o
capitalismo e contra o imperialismo; a reflexão sobre a situação do homem num
mundo dividido em classes; a análise do comportamento ético e social do
indivíduo diante da repressão; o estudo do relacionamento entre os homens,
condicionados pela situação econômico-política em que vivem; uma ânsia de
pacifismo, de um novo humanismo, fundamentado na sociedade sem classes; a busca
de um mundo mais justo onde a bondade venha a ser possível; a impossibilidade
de ser bom no mundo em que vivemos; a análise da revolta contra a exploração do
homem pelo homem"2. Em suma, ele nos legou o exemplo de um
teatro histórico, voltado para o homem, onde se preteria identificação e a
purgação catártica do espectador, pela atitude crítica do mesmo.
Em função desse postulado,
Brecht criou, lado a lado com sua obra, uma teoria, a qual intitulou de teatro
épico e que se contrapõe ao chamado teatro dramático aristotélico. Vejamos o
que Brecht considera como dramático aristotélico:
A nuestro parecer lo más interessante desde
el punto de vista social es el fin que
Aristóteles atribuye a al tragedia: la catarsis, la depuración del espectador de todo miedo y compasión, por
medio de la representación de actos que provocan miedo y compasión. Esta
depuración se cumple por obra de un acto psíquico muy particular: la
identificación emotiva del espectador
com los personajes del drama, recreados por los actores. Decimos que una
dramática es aristotélica cuando produce esta identificación, utilice o no las
reglas suministradas por Aristóteles para lograr dicho efecto (...)3.
Antes, porém, de abordarmos a teoria de
Brecht, ressaltemos o que alguns críticos mais sérios, segundo Fernando Peixoto
e conforme ele anota, disseram dele. Para André Gisselbrecht, Brecht nunca
acreditou na inocência do escritor. Seu pensamento nunca é dogmático. Seu pensamento
foi sempre ágil, resultado de contradições, contraditório também e sempre
profundamente dialético. Sua obra recusa a metafísica por um teatro histórico e
existe em função do tempo (como ele se dimensiona dialeticamente). Paolo
Chiarini diz que o teatro de Brecht é sempre animado por um pathos dialético.
Para ele Brecht aplicou-o como busca e a
dialética é a categoria central desse teatro. A ação de seu teatro é
fundamentalmente uma ação histórica, e no plano da representação, uma ação
historicizada. Para Eric Bentley, Brecht "é a corporização do espírito de
oposição, resistência e contradição, levado ao extremo da contrariedade, do
pensamento combativo. Sua vida repousa na alegria da luta, no deleite da
oposição. E isto o transforma no intelectual marxista da sociedade capitalista:
existe dentro dela, para dinamitá-la".
Nas palavras desses três
críticos realça-se, portanto, o caráter dialético e a ação histórica do teatro
brechtiano. E Anatol Rosenfeld5 assinala que é justamente o marxismo
atuante de Brecht somado ao seu anti-ilusionismo que o separam radicalmente do
ilusionismo e do teatro naturalista. Assim como o anti-ilusionismo e o
anti-psicologismo dos expressionistas são "transfuncionados" na obra
de Brecht, despidos do apaixonado idealismo e subjetivismo desta corrente.
Brecht absorveu e superou ambas as tendências numa nova síntese, à semelhança
do marxismo que absorveu e reuniu o materialismo mecanicista e o idealismo
dialético de Hegel numa nova concepção.
Essa nova síntese em Brecht
é o teatro épico, assim denominado por ele em 1926, quando publicou um Homem é
um Homem. A peça é decididamente narrativa; os personagens interrompem a ação e
dirigem-se diretamente ao público, comentando ou ironizando uma situação ou uma
ideia. Ele cita a si mesmo na peça e usa um processo novo: a metamorfose em
cena. O texto é o primeiro exemplo de teatro didático e pedagógico em sua
obra.
Por ser o elemento didático
um dos pontos fundamentais da obra de Brecht e ao qual queremos dar maior
enfoque, vejamos as razões do teatro épico brechtiano e de sua oposição ao
teatro aristotélico, dadas por Anatol Rosenfeld in Teatro Épic06. Segundo ele,
duas são as razões fundamentais. A primeira é o desejo de não apresentar
relações inter-humanas individuais — o objetivo essencial do drama rigoroso e
da "peça bem feita" — mas as determinantes sociais dessas relações,
pois segundo a concepção marxista, o ser humano deve ser concebido como o
conjunto de todas as relações sociais. Diante disso a forma épica é, segundo
Brecht, a única capaz de apreender aqueles processos que constituem para o
dramaturgo, a matéria para uma ampla concepção do mundo. O homem só pode ser
compreendido à base dos processos dentro e através dos quais existe.
Ilustremos com palavras de
Brecht essa primeira razão dada por
Anatol:
Si se quería proporcionar a
los esfuerzos un sentido social era preciso orientarlos hacia un fin: poner al teatro en condiciones de esbozar,
con medios artísticos, una imagen del
mundo y modelos de convivencia entre hombres que posibilitaran al espectador la
comprensión de su medio social y le permitieran dominarlo a través de la razón y del sentimiento.
El hombre actual sabe poco de las leyes que rigen su vida. Como ser social, en la mayoría de los casos reacciona intuitivamente; pero esa reacción intuitiva es borrosa, imprecisa, carente de efectividad. Las fuentes de sus sentimientos y pasiones están tan enturbiadas y contaminadas como las fuentes de sus tomas de conciencia. El hombre de hoy vive en un mundo que cambia velozmente; él mismo cambia velozmente; por ello no tiene una imagen cierta de ese mundo a través de la cual pueda actuar con posibilidades de éxito. Sus ideas sobre la convivencia de la gente están distorcionadas, son imprecisas, contradictorias. Con respecto a la imagen, podemos decir que es impracticable, o sea que con su imagen del mun do de los hombres, el hombre no puede dominar el mundo de hoy. No sabe de qué factores depende él mismo, no conoce las maniobras que es necesario realizar para que la maquinaria social produzca el efecto deseado. El conocimiento de la naturaleza de las cosas, profundizado y ampliado con tanto empeño y con tanto ingenio, no puede transformar el dominio de la naturaleza en una fuente de felicidad para el género humano mientras no se conozca la naturaleza del hombre, de la sociedad humana con su totalidad7
En nuestro tiempo Ias
relaciones de 10s hombres entre sí son poco claras. Es función del teatro hallar Ia forma de representar esta falta de
clari dad de Ia manera más clásica posible, es decir, en calma épica.
Quanto à segunda razão,
Anatol liga-a ao intuito didático do teatro brechtiano, à intenção de
apresentar um "palco científico" capaz de esclarecer o público sobre
a sociedade e a necessidade de transformá-la; capaz ao mesmo tempo de ativar o
público, de nele suscitar a açao transformadora.
Por volta de 1929 Brecht
dizia que somente um novo objetivo faria possível uma arte nova. Esse novo
objetivo era a pedagogia. Sabia ele, porém, que não estava patenteando uma nova
forma ao teatro, pois ele mesmo enfatizava que tendências didáticas já haviam
existido nos mistérios medievais, no teatro clássico espanhol e no teatro
jesuítico e que haviam respondido a certas preocupações da época, desaparecendo
com elas. Retomou ele, todavia, a formulação da estética revolucionária
burguesa, fundada por Diderot e Lessing, que definia o teatro como lugar de
entretenimento e ensino. Para esses racionalistas do século XVIII os elementos
didáticos aprofundavam o entretenimento e Brecht, embora outorgasse a Piscator
a tentativa mais radical de conferir ao teatro um caráter didático, foi quem,
conforme palavras de Fernando Peixoto, "levou às últimas conseqüências a
formulação do teatro a serviço da vida social, com a condição de cada vez mais
aprofundar sua linguagem enquanto teatro. Assim, Brecht chegou a afirmar que o
"prazer é a mais nobre função da atividade teatral'»
Nos seus Escritos Sobre
Teatro, quando fala do teatro didático, Brecht diz que segundo o consenso geral
existe uma enorme diferença entre aprender e divertir-se. Mas esta oposição não
é irremovível e o teatro é sempre teatro; ainda que didático, enquanto bom,
será recreativo.
E quando discorre sobre o
teatro experimental europeu, aponta ele duas linhas nos experimentos teatrais.
Estas linhas estavam determinadas por duas diferentes funções atribuídas ao
teatro: entretenimento e didática. E o que havia no entrecruzar dessas duas
linhas era um conflito. Ensino e entretenimento, ressalta ele, estão em
conflito e a evolução teatral exige a fusão das duas funções.
Dizia Brecht em 1939:
Si se quería proporcionar a
10s esfuerzos un sentido social era preciso orientarlos hacia un fin: poner al teatro en condiciones de esbozar,
com medios artísticos, una imagen del
mundo y mo delos de convivencia entre 10s hombres que pos sibilitaran al espectador Ia comprensión de
su medio social y le permiteran dominarlo a través de Ia razón y del sentimiento10
O fim didático exige que
seja eliminada a ilusão, o impacto mágico do teatro burguês. O êxtase, a
intensa identificação emocional que-leva o público a esquecer de tudo,
afigura-se a Brecht como uma das conseqüências principais da teoria da catarse,
da purgação e da descarga das emoções através das próprias emoções suscitadas.
E aqui reside um grave erro de conceituação do Teatro Épico: o de se achar que
ele combate as emoções. O Teatro Épico não combate as emoções! Examina-as e não
se satisfaz com a sua mera reprodução. Pretende levar a emoção ao raciocínio.
As emoções são admitidas mas elevadas a atos de conhecimento. Enfim, Brecht
objetiva que em vez da vivência e identificação estimuladas pelo teatro
burguês, seu público mantenha-se lúcido em face do espetácu10, graças à atitude
narrativa.
Nas notas que escreveu sobre
A Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny, Brecht dirige-se contra o teatro
burguês que caracteriza como "culinário", como instituição em que o
público compraria emoções e estados de embriaguez, destinados a eliminar o
juízo claro. E nestas mesmas notas estabelece a célebre
"comparação/distinção" entre a forma dramática do teatro e a forma
épica do teatro. Vejamos o quadro11.
A CHAMADA FORMA
"DRAMÁTICA", SECUNDO BRECHT E A
CHAMADA FORMA "ÉPICA", SECUNDO BRECHT
— POÉTICA
IDEALISTA 1 -O pensamento
determina o ser (o personagem-sujeito); 2- O homem é dado como fixo, imanente, inalterável, considerado como conhecido. 3- O conflito de vontades livres move a ação dramática; a estrutura da peça
é uma estrutura de vontades em conflito; 4- Cria a "empatia", que consiste em um compromisso emocional do espectador que lhe retira a possibilidade de agir; 5- No final, a catarse purifica o
espectador; 6- Emoção; 7- No final, o conflito se resolve na criação de um novo esquema de vontades; 8- A harmatia faz com que o personagem
não se adapte à sociedade e é a causa principal da açao dramática; 9- A anagnorisis justifica a sociedade; 10-A açao é presente; 11-Vivência; |
POÉTICA MARXISTA O ser social
determina o pensamento (personagem objeto).
O homem é
alterável, objeto de estudo, está "em processo"! Contradições de
forças econômicas, sociais ou políticas movem a ação dramática; a peça se
baseia em uma estrutura dessas contradições; Historiciza a ação
dramática, transformando o espectador
em observador, despertando sua consciência crítica e capacidade de ação. Através do
conhecimento, o espectador é
estimulado à ação; Razão; O conflito não se
resolve e emerge com maior clareza a contradição fundamental; As falhas que o
personagem possa ter pessoalmente (harmatias) não são nunca a causa direta e
fundamental da ação dramática. O conhecimento
adquirido revela as falhas da sociedade;
É narração;
Visão do mundo; |
Como se vê, através do
esquema, em atitude narrativa, o teatro épico intenta a lucidez do espectador
durante o espetáculo. Por isso, bom seria se ele permanecesse com o chapéu na
cabeça, ou se fumasse durante o espetáculo, pois para Brecht o público deveria
compreender e não ter pretexto para identificar-se, e, como sua opinião era a
de que o único sinal de respeito ao espectador consiste em não subestimar sua
inteligência, ele apelava à razão. E a identificação caía por terra porque,
segundo Brecht, "a identificação é o grande meio artístico de uma época em
que o homem representava a variável e seu meio a constante. Só é possível
identificar-se com o homem que leva a estrela de seu destino no peito. Isso não
significa, prossegue ele, que se impeça a participação emocional do público e a
do ator; tampouco se venha a suprimir a representação de sentimentos ou impedir
o ator de aplicar sentimentos. Uma só das possíveis fontes de sentimento — a
empatia — deve ser deixada de lado, ou pelo menos, deve ser convertida em fonte
subsidiária"12
O homem no teatro épico, não
é exposto como ser fixo, como "natureza humana" definitiva, mas como
ser processo, capaz de transformar-se e de transformar o mundo. Ele não é
regido por forças insondáveis que para sempre lhe determinam a situação
metafísica. Depende da situação histórica que pode ser transformada. Mesmo
didático, entretanto, o teatro científico deve continuar plenamente teatro e,
como tal, divertido, "já porque não falamos em nome da moral e sim em nome
dos prejudicados"13. Contudo, Brecht achava que para uma época científica,
eminentemente produtiva, não pode existir divertimento mais produtivo que
tornar uma atitude crítica em face das crônicas que narram as vicissitudes do
convívio social. Conforme ressalta Anatol Rosenfeld, esse alegre efeito
didático é suscitado por toda a estrutura épica da peça e especialmente pelo
efeito de distanciamento (Verfremdungseffekt) mercê do qual o espectador,
começando a estranhar tantas coisas que pelo hábito lhe afiguram familiares e
por isso naturais e imutáveis, se convence da necessidade da intervenção
transformadora. Diz Brecht:
"distanciar
quer dizer historicizar, ou seja, representar fatos e pessoas como elementos
históricos, como elementos perecedores. E o novo espectador será recebido como
o grande transformador, o que tem conseguido intervir nos processos da natureza
e nos processos sociais, o que já não se contenta em tomar o mundo tal qual é,
senão que em dominá-lo”
Vendo as coisas sempre tal
como elas são, elas se tornam corriqueiras, habituais e, por isso,
incompreensíveis. Estando identificados com elas pela rotina, não as vemos com
o olhar épico da distância, vivemos mergulhados nesta situação petrificada e
ficamos petrificados com ela. Alienamo-nos da nossa própria força criativa e
plenitude humana ao nos abandonarmos, inertes, à situação habitual que se nos
afigura eterna. É preciso um novo movimento alienador através do distanciamento
— para que nós mesmos e a nossa situação se tornem objetos do nosso juízo crítico
e para que, desta forma, possamos reencontrar e reentrar na posse das nossas
virtualidades criativas e transformadoras.
A teoria do distanciamento
é, em si mesma, dialética. O tornar estranho, o anular da familiaridade da
nossa situação habitual, a ponto de ela ficar estranha a nós mesmos, torna em
nível mais elevado esta nossa situação mais conhecida e mais familiar. O
distanciamento passa então a ser negação da negação; leva através do choque do
não-conhecer ao choque do conhecer. Trata-se de um acúmulo de
incompreensibilidade até que surja a compreensão. Tornar estranho é, portanto,
ao mesmo tempo tornar conhecido. A função do distanciamento é a de anular a si
mesma.
Brecht utilizou-se de vários
recursos de distanciamento, os quais Anatol Rosenfeld divide em: recursos
literários, recursos cênicos, recursos cênico-musicais e os recursos do ator
como narrador.
Dentre os recursos
literários destacam-se, ao lado da atitude narrativa geral associada à própria
estrutura da peça, a ironia, pois "ironia é distância", a paródia que
se pode definir como o jogo consciente com a inadequação entre a forma e
conteúdo, e o elemento cômico, muitas vezes levado ao paradoxal, enfatiza
Anatol, é um dos recursos mais importantes de Brecht no âmbito literário. Por
vezes, Brecht combinou o elemento cómico com o didático o que resulta em
sátira. E entre os recursos satíricos destaca-se o do grotesco, geralmente de
cunho mais burlesco do que tétrico ou fantástico. A própria essência do
grotesco é "tornar estranho" pela associação do incoerente, pela
conjugação do díspar, pela fusão do que nao se casa exemplifica Anatol, tomando
o exemplo de Lautréamont, pelo casual encontro surrealista da famosa máquina de
costura e do guarda-chuva sobre a mesa de necrópsia. Anatol diz que no
grotesco, Brecht se aproxima de outras correntes atuais, como por exemplo do
Teatro de Vanguarda ou da obra de Kafka. Brecht, porém, usa recursos grotescos
e torna o mundo desfamiliar a fim de explicar e orientar. As correntes mencionadas,
ao contrário, tendem a exprimir através do grotesco a desorieniação em face de
uma realidade tornada estranha e imperscrutável.
Entre os recursos cênicos e
cênico-literários distinguem-se os títulos, cartazes e projeções de textos, os
quais comentam epicamente a ação e esboçam o pano de fundo social. O cenário é
anti-ilusionista, não poia a ação, apenas a comenta. É estilizado e reduzido ao
indispensável; pode mesmo entrar em conflito com a ação e parodiá-la. O palco
deve ser claramente iluminado e nunca criar ambientes de lusco-fusco que
poderiam perturbar os intuitos didáticos da obra. Realça-se também o uso da
máscara para dar maior remate aos momentos grotescos.
A música e a lírica nas
obras de Brecht (recurso cênico musical) assume a função de comentar os textos,
de tomar posição em face dele e acrescentar-lhe novos horizontes. Não
intensifica a ação; neutraliza-lhe a força encantatória, distanciando através
da quebra de um fluxo dramático em andamento.
Brecht soma a esses recursos
o papel do ator. O ator épico deve "narrar" seu papel, com o
"gestus" de quem mostra um personagem, mantendo certa distância dele.
Por uma parte sua existência histriónica — aquela que emprestou ao personagem —
insere-se na ação, por outra mantém-se à margem dela. Assim dialoga nao só com
seus companheiros cênicos e sim também com o público. Não se metamorfoseia por
completo ou, melhor, executa um jogo difícil entre a metamorfose e o
distanciamento, jogo que pressupõe a metamorfose.
Discorrendo sobre o papel do
ator, Brecht diz que a expressão dos personagens é determinada por um
"gestus social". "Por gestus social seja entendido um complexo
de gestos, de mímica e (...) de enunciados que uma ou mais pessoas dirigem a
uma ou mais pessoas". Para Brecht o gestus social é aquele que nos permite
tirar conclusões sobre a situação sociar,15
Notas
1 Baseado no poema: Do Pobre BB: "Eu, Bertold Brecht,
vim das florestas negras./ Minha mãe me trouxe para a cidade/quando eu ainda
estava em seu ventre./ o frio das florestas permanecerá em mim até a minha
noite". (Peixoto, Femando. Brecht Vida e Obra).
2 PEIXOTO, Fernando. Brecht Vida e Obra. Paz e Terra. Rio de
Janeiro. 1974.
3 BRECHT, Bertold. Escritos Sobre Teatro, tomo l, cap. VII,
p. 121.
4 Op. cit.
5 ROSENFELD, Anatol. Teatro Épico. Buriti. São Paulo. 1965.
6 Id. ibid.
7 Escritos Sobre Teatro, tomo I. p. 148.
8 Id. ibid. p. 56.
9 PEIXOTO, Fernando. O que é teatro. Brasiliense. São Paulo.
1980.
IO Op. cit. vol. I.
II Esse quadro foi retirado
de Teatro do Oprimido de Augusto Boal, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro,
1975. Encontra-se, porém, na obra de Anatol e nos Escritos sobre teatro, em sua
forma original.
12 Op. cit.
13 Id. ibid.
14 Id. ibid.
15 Anatol Rosenfeld. Op. cit.