Nota de apresentação:
O artigo parece referir-se ao Seminário Internacional de 1997,
mas não encontrei evidências muito claras sobre isso.
No entanto, resolvi publicá-lo,
porque contém ideias e sugestões de debates
que podem interessar aos dramaturgos
e demais militantes das artes cênicas.
A aproximação de uma nova década e, principalmente, de um novo século – como o momento que vivemos atualmente --, costuma gerar grande ansiedade, incertezas e esperanças na humanidade, uma espécie de crise global de identidade, provocada pela necessidade, criada pelo mundo moderno, de uma renovação cada vez mais urgente de heróis, de descobertas, de valores, de conceitos que superem seus antecessores.
Em um século como o que agora finda, em que vimos ideologias tomarem corpo e (aparentemente) ruírem com a simples queda de um muro, em que flagramos diariamente na sala de nossa casa, através de uma tela de televisão, a fome na Etiópia, a guerra do Golfo, mas também a conquista do espaço e a luta contra o câncer e a AIDS, um século em que as fronteiras desaparecem graças a computadores interligados, é natural que os profissionais que trabalhem nas diversas áreas do conhecimento humano se questionem sobre as influências do desenvolvimento tecnológico.
Assim é, também, no teatro. As possibilidades cênicas propiciadas pela tecnologia são praticamente infinitas: personagens que contracenam com imagens pré-gravadas, cenários interativos, helicópteros que pousam em cena... Os exemplos são muitos.
E no campo da dramaturgia, o que nos reserva o próximo século? Haverá ainda espaço para as clássicas normas aristotélicas – ainda hoje as mais ditadas e seguidas, apesar de Brecht e Beckett, só para citar alguns que buscaram rompê-las—ou estão por vir novos conceitos que vão superá-las? O texto teatral poderá vir algum dia a ser dispensado? As verdades ditadas por Ésquilo, Sófocles e Eurípedes sobreviverão no terceiro milênio?
Foi para discutir temas como esses que a SBAT – Sociedade Brasileira de Autores Teatrais --, em parceria com o Instituto Dragão do Mar, organizou o Seminário Internacional de Dramaturgos, que ocorreu em duas etapas: a primeira, no Rio de Janeiro, nos dias 12 e 13 de maio e a segunda na cidade de Fortaleza, nos dias 14 e 15 do mesmo mês.
Na segunda metade do encontro, em Fortaleza, como alguns dos autores convidados fossem desconhecidos da maioria dos participantes—embora com obras teatrais respeitadas e relevantes em seus países de origem e até no exterior – e provenientes de realidades culturais tão distintas, grande parte do tempo do Seminário foi destinado para que os palestrantes expusessem um panorama do cenário teatral com o qual um deles trabalha e de que forma suas personagens refletem o mundo que os cerca.
Alguns depoimentos impressionaram, como o do angolano José Mena Abrantes, que descreveu as dificuldades e as contradições em se trabalhar com teatro em um país abalado por anos de guerra, possuidor de uma rica cultura baseada na oralidade, cujo movimento teatral resume-se a rituais, danças tradicionais, coreografias carnavalescas e a montagens de peças por parte dos poucos grupos existentes – nenhum deles profissional.
Contudo, os depoimentos – ainda que extremamente ricos – acabaram por afastar os debates dos temas principais, como se não bastasse o exíguo tempo para se discutir questões tão profundas.
Ao ser indagado sobre a atual apatia de certos dramaturgos brasileiros diante da ausência do inimigo comum que a ditadura militar representava (e que incitava a uma efervescência criativa e cultural e a um movimento teatral mais atuante, que se pretendia transformador), o dramaturgo brasileiro Plínio Marcos tirou de cena seu habitual bom humor e esbravejou contra a generalizada ignorância em relação às suas obras. Segundo ele, que tomou a pergunta como uma crítica, sua coragem em escrever sobre temas polêmicos e atuais permanecia inalterada, mesmo sabendo que muitas de suas peças jamais serão montadas. Posteriormente, ele reconheceu o engano: “na verdade, respondi a uma pergunta que jamais foi formulada”.
A vantagem do mal-entendido foi que, a partir de então, os debates acirraram-se e voltaram-se mais próximos dos temas propostos: a propagada crise da dramaturgia moderna e o conseqüente retorno aos clássicos, a carência de novos temas, que, possivelmente, tem raízes muito mais profundas que a simples carência de novos autores de qualidade: a aparente queda das ideologias, o labirinto em que se encontra o homem de fim de século, que não sabe o que dizer nem a quem se dirigir, a fragmentação do público com o desenvolvimento e o aumento do alcance da TV e do cinema e até mesmo a crise econômica mundial, que aproxima o homem da obscura cultura do misticismo e o afasta do caminho do conhecimento – uma recriação moderna da Idade Média.
Para Aldo Nicolai, dramaturgo italiano, esse momento é apenas uma fase. “É saudável que as utopias e as ideologias morram, para que nasçam outras. Porque, em verdade, elas não morrem, apenas se renovam. Não há ser humano sem utopias ou ideologias.” Para ilustrar a sua visão do homem moderno, ele narrou uma fábula, sobre um pescador que foi morar na metrópole e levou consigo um aquário para recordar-se do mar. De tanto olhar o peixe nadando, ele próprio, melancólico, acaba por transformar-se em um peixe, com as mesmas cores da camisa que vestia.
Chico de Assis (Brasil) afirma que “no teatro, não acontece o mesmo que em outras áreas do conhecimento humano, como na Física, em que Einstein supera Newton. Não podemos dizer que Sófocles supera Ésquilo e tampouco foi superado por Shakespeare”. Para ele, cabe aos que fazem o teatro de hoje descobrir a essência da comunicação que possibilite falar a este novo público que surge: “para se falar ao jovem de hoje, o teatro tem de ter um pouco de show de rock. A arte de observar o quotidiano e tirar dele o que lhe interessava foi uma das grandes armas de Brecht na composição de suas obras.”
“O teatro tem sua linguagem própria, com gente de carne e osso e sempre haverá a participação do homem”, é o que acredita o português Hélder Costa. “Devemos ver é em que a tecnologia pode nos ser útil.” Seguidor de uma linha de trabalho ligada à educação, à aproximação do teatro com a história, preocupado em fazer com que seu povo se reconheça, que compreenda suas raízes, Costa demonstrou ser o mais político dos dramaturgos convidados.
O também português Abel Neves resumiu seu pensamento sobre as incessantes buscas em uma frase: “não há caminhos, há que se caminhar.”
A verdade é que as contradições humanas – fonte constante da dramaturgia – são incessantes e o teatro ainda é o ambiente mais propício para se discuti-las. Sempre haverá alguém com algo para dizer e um outro disposto a escutá-lo, por isso mesmo o teatro sobreviverá ao avanço tecnológico – aliando-se a ele ou buscando caminhos alternativos.
Vem sendo assim desde os remotos tempos gregos, foi assim com o advento do rádio, da TV, do cinema... Por diversas vezes, o teatro teve sua morte anunciada e sobreviveu sempre. E sobreviverá!
Por essa razão, o I Seminário Internacional de Dramaturgos, embora não tendo cumprido inteiramente os seus objetivos, é um evento que merece ter continuidade. A principal conclusão tirada do encontro foi a de que ainda há muito o que se discutir. E todas as oportunidades que houver para fazê-lo ainda serão poucas. As matizes são tantas e tão diversas, que até dariam uma peça! Quem se habilita?
*Daniel Dias é ator, dramaturgo,
roteirista e aluno do Instituto
Dragão do
Mar, em Fortaleza, Ceará, Brasil.
verdesmares@hotmail.com