Neste blog, enfocamos
prioritariamente o teatro, quando falamos de dramaturgia. Mas todas as artes
cênicas dependem de um roteiro dramatúrgico, devidamente adaptado às suas
características. Um show de música – seja popular, rock, samba, sertanejo etc.
ou clássica -; um espetáculo de dança – seja balé clássico ou dança popular; um
desfile de escola de samba ou um desfile militar (a passarela ou a rua
tornam-se palco); um desfile de modas e até mesmo a festinha das crianças na
pré-escola – tudo depende de um roteiro prévio e, por isso, existem ali elementos
dramatúrgicos. Pensa-se o espetáculo, a apresentação, da melhor forma possível
para que agrade e comova os espectadores.
(The Globe Theatre - desenho de autor não identificado)
Melhor forma: essa a palavra
chave. E cito, aqui, como aliás, uso em quase todo o texto que se segue, os
ensinamentos do mestre Chico de Assis, o dramaturgo de “Missa Leiga”, sua peça
mais conhecida, mas principalmente o grande professor de dramaturgia que ele
foi, durante os vários anos do SEMDA – Seminário de Dramaturgia do Arena. A
melhor forma é a forma ideal para um determinado espetáculo de dramaturgia.
Existe a melhor forma para se escrever para teatro, assim como existe a melhor
forma para se escrever um roteiro de show de rock. Contrariar a melhor forma é,
quase sempre, fracassar. É claro que a busca da “melhor forma” não inibe a
criatividade, a inovação; ao contrário, o desafio do roteirista é exatamente
este: dentro da melhor forma, ousar e buscar a surpresa, o encantamento do
espectador.
(Chico de Assis)
E usamos acima, de
propósito, a palavra “ousar”. Dizia Chico de Assis – e enfatizava sempre isso –
que um dos piores males de um roteirista, de um dramaturgo, é a “visão ingênua”
do mundo, é não ter capacidade de ver com profundidade o drama humano, não
enxergar o abismo, o caos, os elementos que realmente tiram o espectador de sua
zona de conforto e o leva a sair da sala do teatro diferente de como entrou.
Você nunca será o mesmo depois de ver, mesmo que pela enésima vez, um HAMLET!
Quando invejamos o cinema
premiado de nuestros hermanos argentinos, devemos observar que, em primeiro
lugar, algo que salta os olhos: a excelência de seus roteiros. Não há filme
argentino que não ouse ir fundo na experiência humana, que seja ingênuo em
relação à visão de mundo do autor ou das personagens, a ousadia de aprofundar/verticalizar
essas personagens de tal modo que, ao final de um filme argentino, o espectador
é diferente daquele que entrou no cinema.
Claro que, no Brasil, há
filmes de roteiros excelentes e de boa qualidade técnica. Infelizmente, não a
maioria. Mergulham nossos roteiristas na ingênua visão de uma das piores
espécies de dramaturgia existente: a comédia de costumes. A busca do riso
fácil, os personagens estereotipados, as situações que se resolvem como num
passe de mágica ou de forma artificial, enfim, há uma série de problemas que
têm causado um mal muito grande à nossa dramaturgia voltada para o cinema.
Novelas de televisão. Esse
um tema caro à maioria da população, por seu apelo e por sua capacidade de
atração de público. Eis uma seara que tem apresentado alguns bons frutos
dramatúrgicos, a despeito da longa duração, a despeito do fato de ser uma “obra
aberta” aos interesses de patrocinadores e do sucesso de público, medido
diariamente por institutos de pesquisa. Não vou citar nomes, para não cometer a
injustiça de esquecer vários. Aliás, só vou lembrar um só nome: Dias Gomes. Se
você pretende escrever novelas, suas obras devem merecer um estudo aprofundado,
pela capacidade de leitura da realidade e de bons diálogos, além, claro, da
criatividade, um elemento essencial a uma boa novela de televisão.
(Dias Gomes)
Enfim, termino esse breve
texto reafirmando o que eu acho mais importante num roteiro dramatúrgico de qualidade:
a visão de mundo do autor. Uma visão de mundo que não deve nunca ter um olhar
ingênuo da realidade. E isso só se consegue com amadurecimento (que é algo
pessoal, que é algo que cada um alcança até mesmo em idades diferentes e só o
tempo oferece) e preparo através de leituras, desde o jornal diário e revistas
até livros de filosofia, ciências e tudo o que lhe cair nas mãos. Ou seja,
erudição que se transformará, com o tempo, em conhecimento e conhecimento que
se transformará naquilo que os alemães chamam de weltanschauung, filosofia de
vida, visão de mundo, mundividência. Um roteiro com uma visão de mundo -
implícita ou explícita - de seu autor constitui a melhor forma de uma
dramaturgia de qualidade. Ponha a sua visão de mundo, a sua maneira de ver a
vida e tudo que nos rodeia, em qualquer roteiro que você escreva, desde o
esboço de uma festinha de seu filho na pré-escola até o texto teatral de sua
vida.