terça-feira, 21 de dezembro de 2010

DRAMA, MELODRAMA E DRAMALHÃO



Há conceitos que se cristalizam. Mesmo que errôneos. No teatro, por exemplo, a diferença entre “drama” e “melodrama” quase sempre aparece de forma equivocada. Vamos tentar esclarecer um pouco essa confusão.




DRAMA





A palavra “drama” vem do grego “drâma” e significa ação. É, modernamente, o próprio conceito da representação teatral, já que “teatro” é a ação levada a efeito por um ou mais atores.


Implica, portanto, que drama/teatro é ação!



Substitui, modernamente, a “tragédia” – que teve a sua criação, desenvolvimento, glória e decadência num momento específico da história: a Grécia dos séculos IV, III... antes de Cristo.


Mas o drama traz, ainda, outras conotações importantes: ao ser representada, a ação teatral estabelece com o espectador um vínculo, uma cumplicidade, uma emoção – a EMPATIA.

Quando o fluxo dessa emoção, dessa EMPATIA, vem do palco para o espectador, estamos diante do DRAMA em sua forma mais pura.

O espectador segue o PROTAGONISTA (e os demais atuantes/atores/personagens) na sua trajetória no ENREDO da peça, até a catarse ou desenlace final, sem sustos, ou seja, sabendo, até certo ponto, o que vai ou o que pode acontecer. O drama não o engana: o herói é herói, o mau é mau e assim por diante.


Exemplo de um (dentre milhares) de dramas modernos:


The Glass Menagerie, de Tennessee Williams (no Brasil, À margem da vida).

Seguimos a trajetória de Tom, que recorda o período que antecede sua decisão de deixar o emprego e se engajar na Marinha Mercante. O pai já havia abandonado a família, delegando ao jovem a responsabilidade de sustentar a mãe, que não se conforma com a vida mesquinha que levam e sonha ainda com os tempos em que fora cortejada por 17 pretendentes, e a irmã Laura, que tem um defeito na perna, é doentiamente tímida e se dedica integralmente à sua coleção de bichinhos de vidro, daí o título original, The Glass Menagerie. A mãe pressente que Tom vai deixá-las e pede que, ao menos ele arranje um marido para a irmã. O jantar oferecido pela família a um imaginado candidato a noivo redunda em fracasso: o rapaz já está de casamento marcado com outra. Restam, então as dívidas contraídas para compra do vestido de Laura, de um tapete e de um abajur novos. O pano de fundo do texto são as consequências de Depressão de 1929 sobre a classe média americana e o foco é a visão nostálgica de Tom, que abandonou a família para seguir sua vocação de poeta, mas lança retrospectivamente sobre ela um olhar compassivo e penetrante.



(Kristen Kohaut, no papel de Laura)



Todos os personagens estão delineados e vão mudando de qualidade à medida que se desenrola o enredo. Vamos conhecendo, a cada cena, os conflitos internos de Tom, suas dúvidas, seu amor pela irmã, seu sofrimento pelas decisões que precisam dar rumo à sua vida. E também os conflitos da mãe e da irmã deficiente.


Já o melodrama...



MELODRAMA





A estrutura teatral, a carpintaria é a mesma. Há apenas um porém: no melodrama, o fluxo da emoção se inverte, ou seja, não parte apenas do palco para a plateia, mas também da plateia para o palco.


Ou seja, o drama oferece ao espectador LACUNAS (vácuos sintagmáticos) que ele preenche com a sua imaginação, com a sua emoção, porque é levado a crer que algo vai acontecer ou é levado a pensar que tal personagem tem tais ou quais características, mas isso não é verdade ou nem sempre é verdade.

Podemos exemplificar com o cinema de Hitchcock: ele isola a personagem (provocando o medo ancestral da solidão); essa personagem entra num casarão antigo e aparentemente desabitado, para pedir ajuda mecânica a seu carro; um tipo especial de música acompanha seus passos no assoalho carcomido, que range; a câmera foca seus olhos um tanto assustados ou tentando acostumar-se com a escuridão... ele caminha... a música aumenta... os passos ressoam... então, de repente, uma mão – só a mão (focalizada pela câmera) – vem por trás e... segura seu ombro... e a música aumenta! Susto geral. Mas é só um velho e inofensivo habitante do velho casarão... Mas, às vezes, é mesmo o assassino com uma faca...



(Janet Leigh, em Psicose)



Na cena descrita acima (toscamente inventada, claro), nada ocorre de sobrenatural ou de assustador: apenas a situação criada é que leva o espectador a imaginar mil coisas. Ele, o espectador, preenche com sua imaginação as lacunas deixadas pelo autor (com maestria, se for um Hitchcock ou outro mestre), e cria o seu próprio enredo.


Portanto, o melodrama é enganador. É mistificador. No melodrama puro, nada é aquilo que parece.

Ao mesmo tempo, quando bem encenado/apresentado, constitui uma forma de teatro/dramaturgia tão eficaz quanto o drama.

Porque faz uso de recursos como a música (melós – canto, em grego), muitas pessoas associam-no a peça/filme etc. com aspectos “melosos” ou execessivamente “românticos”. Não é nada disso: um bom melodrama pode ter mil enredos diferentes de qualquer “historinha romântica”, como os filmes de Alfred Hitchcok.


E mais uma coisa: muitas vezes, em bons dramas, há momentos de puro melodrama, muito bem encaixados e de grande efeito teatral.

Nada contra a mistura de gêneros.





DRAMALHÃO




O dramalhão é um filhote desastrado de HAMLET, de Shakespeare.


Surgiu, provavelmente, no século XVIII, quando se popularizaram as peças do bardo. E HAMLET era muito complexa, para as platéias de então, com seus vários solilóquios que verticalizam o personagem. Então, optou-se por cortá-los e apresentar a peça em seus “melhores momentos”, ou seja, só a “história” de traição e vingança que subjaz no enredo hamletiano.

E virou um gênero. Ou seja, autores começaram a escrever peças que priveligiam a movimentação, o espetaculoso, ou só as grandes emoções (como as “grandes paixões”); as grandes ações, como o rapto, as lutas de capa-e-espada, as reviravoltas sensacionais, sem aprofundar ou verticalizar os personagens em sua psicologia ou em suas emoções mais profundas.

A “Paixão de Cristo”, apresentada sobretudo em circos ou em pequenos e grandes teatros por aí a fora, exemplifica bem o que é um dramalhão: tem por objetivo apenas comover, através de ações e reviravoltas espetaculares.



(Cena de efeito n'A Paixão de Cristo, de Nova Jerusalém)

domingo, 5 de dezembro de 2010

ARISTÓTELES ESCREVEU





Da tragédia e de suas diferentes partes




1. Falemos da tragédia e, em função do que deixamos dito, formulemos a definição de sua essência própria.

2. A tragédia é a imitação de uma ação importante e completa, de certa extensão; deve ser composta num estilo tornado agradável pelo emprego separado de cada uma de suas formas; na tragédia, a ação é apresentada, não com a ajuda de uma narrativa, mas por atores. Suscitando a compaixão e o terror, a tragédia tem por efeito obter a purgação dessas emoções.

3. Entendo por "um estilo tornado agradável" o que reúne ritmo, harmonia e canto.

4. Entendo por "separação das formas" o fato de estas partes serem, umas manifestadas só pelo metro, e outras pelo canto.

5. Como é pela ação que as personagens produzem a imitação, daí resulta necessariamente que uma parte da tragédia consiste no belo espetáculo oferecido aos olhos; além deste, há também o da música e, enfim, a própria elocução.
6. Por estes meios se obtém a imitação. Por elocução entendo a composição métrica, e por melopéia (1) (canto) a força expressiva musical, desde que bem ouvida por todos.

7. Como a imitação se aplica a uma ação e a ação supõe personagens que agem, é de todo modo necessário que estas personagens existam pelo caráter e pelo pensamento (pois é segundo estas diferenças de caráter e de pensamento que falamos da natureza dos seus atos); daí resulta, naturalmente, serem duas as causas que decidem dos atos: o pensamento e o caráter; e, de acordo com estas condições, o fim é alcançado ou malogra-se.

8. A imitação de uma ação é o mito (fábula); chamo fábula a combinação dos atos; chamo caráter (ou costumes) o que nos permite qualificar as personagens que agem; enfim, o pensamento é tudo o que nas palavras pronunciadas expõe o que quer que seja ou exprime uma sentença.

9. Daí resulta que a tragédia se compõe de seis partes, segundo as quais podemos classificá-la: a fábula, os caracteres, a elocução, o pensamento, o espetáculo apresentado e o canto (melopéia).

10. Duas partes são consagradas aos meios de imitar; uma, à maneira de imitar; três, aos objetos da imitação; e é tudo.

11. Muitos são os poetas trágicos que se obrigaram a seguir estas formas; com efeito, toda peça comporta encenação, caracteres, fábula, diálogo, música e pensamento.

12. A parte mais importante é a da organização dos fatos, pois a tragédia é imitação, não de homens, mas de ações, da vida, da felicidade e da infelicidade (pois a infelicidade resulta também da atividade), sendo o fim que se pretende alcançar o resultado de uma certa maneira de agir, e não de uma forma de ser. Os caracteres permitem qualificar o homem, mas é da ação que depende sua infelicidade ou felicidade.

13. A ação, pois, não de destina a imitar os caracteres, mas, pelos atos, os caracteres são representados. Daí resulta serem os atos e a fábula a finalidade da tragédia; ora, a finalidade é, em tudo, o que mais importa.

14. Sem ação não há tragédia, mas poderá haver tragédia sem os caracteres.

15. Com efeito, na maior parte dos autores atuais faltam os caracteres e de um modo geral são muitos ospoetas que estão neste caso. O mesmo sucede com os pintores, se, por exemplo, compararmos Zêuxis(2) com Polignoto; Polignoto é mestre na pintura dos caracteres; ao contrário, a pintura de Zêuxis não se interessa pelo lado moral.

16. Se um autor alinhar uma série de reflexões morais, mesmo com sumo cuidado na orientação do estilo e do pensamento, nem por isso realizará a obra que é própria da tragédia. Muito melhor seria a tragédia que, embora pobre naqueles aspectos, contivesse no entanto uma fábula e um conjunto de fatos bem ligados.

17. Além disso, na tragédia, o que mais influi nos ânimos são os elementos da fábula, que consistem nas peripécias e nos reconhecimentos.

18. Outra ilustração do que afirmamos é ainda o fato de todos os autores que empreendem esta espécie de composição, obterem facilmente melhores resultados no domínio do estilo e dos caracteres do que na ordenação das ações. Esta era a grande dificuldade para todos os poetas antigos.

19. O elemento básico da tragédia é sua própria alma: a fábula; e só depois vem a pintura dos caracteres.

20. Algo de semelhante se verifica na pintura: se o artista espalha as cores ao acaso, por mais sedutoras que sejam, elas não provocam prazer igual àquele que advém de uma imagem com os contornos bem definidos.

21. A tragédia consiste, pois, na imitação de uma ação e é sobretudo por meio da ação que ela imita as personagens em movimento.

22. Em terceiro lugar vem o pensamento, isto é, a arte de encontrar o modo de exprimir o conteúdo do assunto de maneira conveniente; na eloquência, é essa a missão da retórica, e a tarefa dos políticos.

23. Mas os antigos poetas apresentavam-nos personagens que se exprimiam como cidadãos de um Estado, ao passo que os de agora os fazem falar como retores.

24. O caráter é o que permite decidir após a reflexão: eis o motivo por que o caráter não aparece em absoluto nos discursos dos personagens, enquanto estes não revelam a decisão adotada ou rejeitada.

25. Com relação ao pensamento, consiste em provar que uma coisa existe ou não existe ou em fazer uma declaração de ordem geral.

26. Temos, em quarto lugar, a elocução. Como dissemos acima, a elocução consiste na escolha dos termos, os quais possuem o mesmo poder de expressão, tanto em prosa como em verso.

27. A quinta parte compreende o canto: é o principal condimento (do espetáculo).

28. Sem dúvida a encenação tem efeito sobre os ânimos, mas ela em si não pertence à arte da representação, e nada tem a ver com a poesia. A tragédia existe por si, independentemente da representação e dos atores. Com relação ao valor atribuído à encenação vista em separado, a arte do cenógrafo tem mais importância que a do poeta.


(Arte Poética – Aristóteles - CAPÍTULO VI)


Notas:

(1) Melopéia era a parte da arte musical que se referia à composição melódica, subordinando a música à poesia. Pouco chegou até nós, referente à melopéia. Era uma seqüência de sons musicias dispostos de forma a provocar uma emoção estética harmoniosa, tornando-se, por isso, agradável.

(2) Zêuxis de Ericléia viveu em Atenas no final do século V. A.C. Pintava figuras de crianças e mulheres mitológicas.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

RETOMADA DO BLOG





Teatro é paixão. Que não esmorece.


O que esmoreceu foi a montanha de informações sobre dramaturgia que me soterrou. E que não consegui administrar.

Mas, retomam-se os post de dramaturgia desse blog.

Com a finalidade de despertar polêmica, de aprofundar conceitos, de discutir aspectos da dramaturgia, para dramaturgos, antigos, atuais ou (por que não?) futuros.

E abrimos a nova fase do blog com uma lista polêmica: os maiores dramaturgos de todos os tempos. Cada um pode incluir ou excluir nomes, mas o interesse é este: quem quer escrever para teatro precisa conhecer a obra de todos ou da maior parte dos que se seguem.

Então, vamos lá:


Adamov, Arthur (1908-1970), francês de origem russa: A Invasão (1950); Paródia (1952); Todos contra Todos (1955); Paolo Paoli (1957); Off Limits (1969).

Albee, Edward (1928-), norte-americano: Quem Tem Medo de Virginia Woolf? (1962); Três Senhoras Altas (1992).

Aretino, Pietro (1492-1556), italiano: A Cortesã (1525); A Carta (1537-1557); O Hipócrita (1542); O Filósofo (1546).

Ariosto, Ludovico (1474-1553), italiano: Orlando Furioso (1516); Lena (1528-1529); I Suppositi (1529-1531); La Cassaria (1531).

Aristófanes (445-385 a.C.), grego: As Nuvens (423 a.C.); As Vespas (422 a.C.); A Paz (421 a.C.); Os Pássaros (414 a.C.); Lisístrata (411 a.C.); As Rãs (411 a.C.).

Arrabal, Fernando (1933-), espanhol: Fando e Lis (1953); A Grande Cerimônia (1956); Cemitério de Automóveis (1958); O Arquiteto e o Imperador da Assíria (1967); O Jardim das Delícias (1969).

Artaud, Antonin (1896-1948), francês: O Teatro da Crueldade (1932); Héliogabale (1934); Os Cenci (1935); O Teatro e Seu Duplo (1938).

Beaumarchais, Pierre-Augustin Caron de (1732-1799), francês: Eugénie (1767); Memórias (1774); O Barbeiro de Sevilha (1775); As Bodas de Fígaro (1784).

Beckett, Samuel (1906-1989), irlandês: Esperando Godot (1948); Fim de Jogo (1957); A Última Gravação (1958); Oh Que Belos Dias (1962).

Brecht, Bertolt (1898-1956), alemão: Tambores na Noite (1919); Baal (1922); Mahagonny (1928-1929); A Ópera dos Três Vinténs (1928); A Alma Boa de Setsuã (1938-1940); O Senhor Puntila e Seu Criado Matt (1940-1941); Terror e Mistério do Terceiro Reich (1941-1944); Galileu, Galilei (1943).

Büchner, Georg (1813-1837), alemão: A Morte de Danton (1834); Leonce e Lena (1836); Woyzeck (1836).

Calderón de La Barca, Pedro (1600-1681), espanhol: A Devoção à Cruz (1633); O Médico de Sua Honra (1635); A Vida É Sonho (1635); O Grande Teatro do Mundo (1645).
Cibber, Colley (1671-1757), inglês: O Último Estratagema do Amor (1696).

Corneille, Pierre (1606-1684), francês: O Cid (1637); A Ilusão Cômica (1639); Horácio (1641); Cinna (1642); Polyeucte (1643); Sertorius (1662); Attila (1667).

Dumas Filho, Alexandre (1824-1895), francês: A Dama das Camélias (1848); Questão de Dinheiro (1857); O Estrangeiro (1876); Denise (1885); Francillon (1887).

Dumas, Alexandre (1802-1870), francês: Antony (1831); A Torre de Nesle (1832); Kean (1836); Os Três Mosqueteiros (1844); O Conde de Monte Cristo (1848).

Ésquilo (525 a.C.-456 a.C.), grego: Os Persas (472 a.C.); Prometeu Acorrentado (458 a.C.); a trilogia Oréstia (Agamenon, As Coéforas, As Eumênidas); As Suplicantes; Sete contra Tebas; Alcestis.

Eurípedes (480 a.C.-406 a.C.), grego: As Bacantes (406 a.C.); As Troianas; Ifigênia em Áulis; Ifigênia em Taurides; Electra; Orestes; Medéia.

Genet, Jean (1910-1986), francês: Nossa Senhora das Flores (1944); Querelle (1947); As Criadas (1948); Splendid’s (1948); O Balcão (1956).

Goethe, Johann Wolfgang von (1749-1832), alemão: Iphigenie auf Tauris (1779); Wilhelm Meister (1776-1785); Egmont (1787); Torquato Tasso (1789); Fausto (1808 e 1833).

Gogol, Nikolay (1809-1852), russo: Mirgorod (1835); Arabesques (1835); O Inspetor Geral (1836); Almas Mortas (1842).

Goldoni, Carlo (1707-1793), italiano: Arlequim, Servidor de Dois Amos (1745); A P... Honrada (1749); La Pamela (1750); Os Namorados (1758).

Gorki, Maximo (1868-1936), russo: Os Vagabundos 1892-1897); Os Pequenos Burgueses (1902); Ralé (1902); Os Veranistas (1974).

Hugo, Victor (1802-1885), francês: Amy Robsart (1826); Cromwell (1827); Hernani (1830); Notre Dame de Paris (1831); Folhas de Outono (1831); Lucrécia Borgia (1833).

Ibsen, Henrik (1828-1906), norueguês: Peer Gynt (1867); Casa de Bonecas (1879); Um Inimigo do Povo (1882); O Pato Selvagem (1884); Hedda Gabler (1890); Solness, o Construtor (1892).

Ionesco, Eugène (1912-1994), francês de origem romena: A Cantora Careca (1950); A Lição (1951); Vítimas do Dever (1953); Rinocerontes (1960).

Jonson, Ben (Benjamin) (1572-1637), inglês: Volpone (1606); A Mulher Silenciosa (1609); O Alquimista (1610); O Diabo (1616).

Kaiser, Georg (1875-1945), alemão: De Manhã à Meia-Noite (1916); O Soldado Tanaka (1940).

Kleist, Heinrich von (1777-1811), alemão: A Bilha Quebrada (1806); Pentesiléia (1808); O Príncipe de Homburgo (1812).

Lessing, Gotthold Ephraim (1729-1781), alemão: Minna von Barnhelm (1767); Emilia Galotti (1772); Miss Sara Simpson (1775); Nathan, o Sábio (1779).

Lope de Vega (Lope Félix de Vega Carpio) (1562-1635), espanhol: Fuente Ovejuna (1612-1614); Paribañez e o Comendador de Ocaña (1613); O Melhor Juiz, o Rei (1620-1623).

Maeterlinck, Maurice (1862-1949), belga: A Princesa Maleine (1889); Pelléas e Mélisande (1892); Monna Vanna (1902); O Pássaro Azul (1909).

Maquiavel, Nicolau (1469-1527), italiano: O Príncipe (1513); A Mandrágora (1518).

Marivaux, Pierre Carlet de (1688-1763), francês: O Triunfo do Amor (1722); A Colônia (1728); O Jogo do Amor e do Acaso (1730); As Falsas Confidências (1737).

Marlowe, Christopher (1564-1593), inglês: Tamerlano (1587); Doutor Fausto (1588); Eduardo II (1591-1592); Eros e Leandro (1593).

Miller, Arthur (1915-), norte-americano: Focus (1945); Todos os Meus Filhos (1947); A Morte de um Caixeiro Viajante (1949); As Bruxas de Salem (1953); Panorama Visto da Ponte (1955); Os Desajustados (1961); Depois da Queda (1964).

Molière (Jean-Baptiste Poquelin) (1622-1673), francês: Escola de Mulheres (1662); Tartufo (1664); O Misantropo (1666); O Avarento (1668); O Burguês Fidalgo (1670); O Doente Imaginário (1673).

Müller, Heiner (1929-1995), alemão: Cimento (1972); Hamlet-Machine (1975-1980); A Missão (1979); Quartet (1981); Medea (1982).

O’Neill, Eugene (1888-1953), norte-americano de origem irlandesa: Na Estrada de Cardiff (1916); Sede (1916); Anna Christie (1921); Em Estranho Interlúdio (1928); O Luto Fica Bem em Eletra (1931); Longa Jornada Noite Adentro (1940).

Pinter, Harold (1930-), inglês: O Criado (1962); O Colecionador (1963); O Mensageiro do Amor (1970); Festa de Aniversário (1991).

Pirandello, Luigi (1867-1936), italiano: O Falecido Mattia Pascal (1904); Assim É Se Lhe Parece (1917); Seis Personagens à Procura de um Autor (1922).

Plauto, Tito Maccio (250 a.C.-184 a.C.), romano: Anfitrião; Auluraria; O Soldado Fanfarrão; Os Menecmos; Persa; Pseudolus; Vidularia.

Racine, Jean (1639-1699), francês: Andrômaco (1667); Os Litigantes (1668); Berenice (1670); Mitridate (1673); Fedra (1677); Ester (1689); Atalia (1691).

Ruzzante (Angelo Beolco) (1496-1542), italiano: Pastoral (1518); Betia (1524-1525); La Moscheta (1529); La Fiorina (1531-1532).

Schiller, Friedrich von (1759-1805), alemão: Don Carlos (1783); Intriga e Amor (1784); Wallenstein (1796-1799); Maria Stuart (1801); Guilherme Tell (1804).

Sêneca, Lucio Anneo (50 a.C.-40), romano: Troades; Medéia; Fedra; Édipo; Agamenon.

Shakespeare, William 1564-1616, inglês: A Megera Domada (1594); Ricardo III (1595); Romeu e Julieta (1595); Sonho de uma Noite de Verão (1595-1596); O Mercador de Veneza (1597); Hamlet (1600-1601); Otelo (1604); Macbeth (1606); O Rei Lear (1608); A Tempestade (1611-1612).

Sófocles (496 a.C.-406 a.C.), grego: Antígona (442 a.C.); Édipo Rei (430 a.C.); Electra (418 a.C.).

Strindberg, August (1849-1912), sueco: Senhorita Júlia (1888); O Caminho de Damasco (1898).

Tchekhov, Anton (1860-1904), russo: Ivanov (1887); Tio Vânia (1889); As Três Irmãs (1900); O Jardim das Cerejeiras (1904); Platonov (1923).

Terêncio, Publio (185 a.C.-159 a.C.), romano: Andria; Fórmio; Hecyra; O Eunuco; Adelphi; Heautontimoroúmenos.

Toller, Ernst (1893-1939), alemão: Uomo Massa (1921); O Destruidor da Máquina (1922); Hinkemann (1923); Era um Alemão (1934).

Voltaire, (François-Marie Arouet) (1694-1778), francês: O Édipo (1718); Maomé (1731); Zaïre (1732); A Morte de César (1735); Zadig (1747).

Wedekind, Frank (1864-1918), alemão: O Despertar da Primavera (1891); O Espírito da Terra (1895); A Caixa de Pandora (1904).

Weiss, Peter (1916-1982), alemão: Ponto de Fuga (1962); A Instrução (1965); Marat-Sade (1966); Trotski no Exílio (1967).

Williams, Tennessee (1914-1983), norte-americano: À Margem da Vida (1944); Um Bonde Chamado Desejo (1947); Gata em Teto de Zinco Quente (1955); A Rosa Tatuada (1955); Baby Doll (1957); De Repente, no Último Verão (1958); Doce Pássaro da Juventude (1959); A Noite do Iguana (1961).



sábado, 8 de maio de 2010

LAND LEAL ESCREVEU:

(Cartazes do cabaré francês, do início do século XX)


A IMPORTÂNCIA DA PEÇA CURTA


Para o dramaturgo iniciante, a prática mais efetiva é o desenvolvimento de peças curtas porque a ação e o conflito são concentrados em um único cenário e única sequência de tempo.



Essas duas limitações é que darão o domínio da ação e do conflito, além das bases de controle para o futuro criador de longas histórias não se perder no emaranhado de tramas paralelas. Isso, mesmo quando aparentemente os momentos de “respiro lírico ou épico” pareçam se desviar da bola de neve, vôo dramático, verticalidade ou qualquer que seja o nome.


A peça curta ou peça de um ato é: a elaboração de um único incidente significativo. Pode ser um singelo incidente como reunir a família em torno de uma macarronada, humilhar a noiva ou até mesmo fundar uma cidade, mas é uma coisa só.


Uma peça longa (com vários incidentes significativos) também pode ter apenas um ato. Mas terá algum tipo de intervalo, “cortina”, ou efeito de luz para indicar a passagem de um incidente a outro.


Na peça curta, não há tempo para o autor desenvolver um crescimento mais aprofundado ou transformações das personagens, mesmo as principais, a não ser em direta conexão com o incidente. Normalmente, há poucos personagens, pois o tempo impede que o espectador se familiarize com mais que algumas “pessoas”.


Como a peça curta também contém ação e conflito, é necessário que além do incidente, haja complicação, crise, clímax e resolução. A diferença em relação à peça longa é que esses elementos estão em outros pontos no percurso e duração da trama.


Os inúmeros incidentes de uma peça (ou roteiro) longa permitem que as personagens se desenvolvam e se transformem na medida em que a história avança, passando por várias fases de comportamento, ação e conflito, como se o espectador pudesse ler a sua mente. Na peça curta isso só acontece em relação ao problema ou incidente específico.


Uma peça estruturalmente definida como curta, pode chegar ou mesmo ultrapassar uma hora de duração. Entre as mais célebres: Dois Perdidos numa Noite Suja (Plínio Marcos); Corpo a Corpo (Oduvaldo Vianna Filho); História do Zoológico (Edward Albee); Entre Quatro Paredes (Jean-Paul Sartre); Senhorita Júlia (August Strindberg) e Esperando Godot (Samuel Becket). Curiosamente, esta última tem dois atos, sobre estrutura de peça curta, cujo único incidente significativo é a necessidade da espera, que se repete no segundo ato, em movimento circular, mordendo o próprio rabo e, apesar do grande prestígio de Beckett, após meia hora, de uma monotonia torturante.


NB: Esses dois atos “iguais” sobre um único incidente é, para alguns (Adorno e Pinter, por exemplo) um dos grandes “feitos” de Beckett. As duas outras peças dele (Fim de Jogo e Dias Felizes) repetem aproximadamente o mesmo esquema. Depois ele passou a fazer esquetes, ao que parece, justamente por se esgotar no mesmo e repetido jogo, tão incensado como “profundo”. Esquete não é drama (dramaturgia), pois é apenas uma situação, um meio sem começo nem fim, embora os melhores apresentem um “arremate” como acontece com a anedota e a piada. Talvez por Beckett estar mais interessado na linguagem do que no drama? Mesmo assim a “dramaturgia” existencial de Beckett é altamente discutível, pois não explora as motivações humanas, o drama, enfim. Certamente, são “peças” e esquetes que repetem ao infinito que o ser humano é um solitário condenado ao beco sem saída da rotina de uma vida vazia. Eis a grande profundidade de Beckett. É certo que o próprio Beckett declarou não saber o que suas peças querem dizer. Contudo, em suas quase-cenas (sim, porque uma cena é uma micro-peça, mas isso não parece ser o elemento ou o interesse de Beckett) e entrelinhas, a mensagem é de solidão, incomunicabilidade e desesperança. Sem uma progressão dramática, ficamos com uma experimentação formal de textos que ficam melhor lidos que encenados.. Enfim, o antidrama.


Já o cinema social de Kyarostami, consegue alongar uma estrutura curta sem “matar” o espectador de tédio, mas nem sempre. Esse alongamento não deixa de ser uma fórmula forçada e alguns filmes do iraniano têm momentos de insuportável monotonia. Além deles há outros, artistas experimentais, os chamados pós-dramáticos ou antidramáticos, que vêm na esteira da linguagem de Beckett. A nosso ver, em que pese todo esforço e técnica de atores brilhantes e de uma visceral necessidade de arte, em geral apresentam apenas uma experimentação oca e redundante, com certo charme cenográfico e coreográfico, muitas vezes sobrepondo o épico (narração) ao dramático (ação), cujo resultado - intencional ou não – é apenas uma contrafação do drama.


Parece que o diretor no teatro de hoje assume igualmente o papel de dramaturgo, mas não está preparado para a empreitada. O que é natural, pois é uma arte que exige tempo e elaboração diferente do trabalho de encenar.


Para o dramaturgo iniciante, nenhum dos dois caminhos (forçar os limites do drama curto ou sobrepor o épico ao dramático) é aconselhável. Mesmo porque um dos princípios básicos do drama é fazer apenas e tão somente o estritamente necessário à ação e ao conflito.


Os palcos do mundo estão cheios de peças alongadas, forçadas, monótonas, para preencher o tempo de uma hora ou mais, quando deveriam ter apenas 15 ou 30 minutos. Por que os autores não preferem fazer duas ou três peças curtas em vez de espichar uma peça aos limites do suportável? Talvez queiram repetir os feitos de Kyarostami e Beckett, dando intensidade e qualidade à repetição ou ao “tempo-real”? Mas nem esses grandes nomes deixaram de pagar um preço por “forçar a gramática” e “atravessar o samba”.


As peças citadas acima deveriam estar entre as leituras obrigatórias para um dramaturgo iniciante, juntamente com filmes de curta metragem de ficção. Também os filmes que apresentam de três a cinco histórias independentes são muito úteis para se apreender a estruturação sintética do drama curto.


Peças ou roteiros de 10 a 15 páginas (uma página equivale a um minuto em tipo de corpo 12). Nada impede que um excepcional talento salte logo para uma longa peça. Mas não começar com o exercício de peças curtas é quase um tiro no pé ou uma traição a si mesmo, dizem alguns experientes dramaturgos.



Eis algumas indicações para se estruturar uma peça curta:

1 - Um ponto de ataque logo no início (de preferência já na primeira ou segunda página);


2 – Com apenas um evento significativo, não há tempo para mais de uma trama;


3 – Pouca ou mesmo nenhuma exposição. Significa que a exposição, às vezes, já está incluída no ponto de ataque ou durante o conflito, durante as complicações; ou mesmo explicitada ou revelada no final. A diferença com a peça longa é que não há tempo para uma exposição maior. Uma página/minuto já fica no limite para a exposição;


4 – Com 15 páginas, já dá para incluir uma subtrama. Não se trata de trama paralela. Por motivos didáticos, definamos aqui a subtrama como aquela diretamente ligada às questões de causa e efeito da trama principal, ao passo que a paralela pode ser apenas relacionada ou com alguma conexão indireta à principal.


5 – O final de uma peça ou roteiro curtos aparece imediato ao clímax, com espaço de tempo muito pequeno, normalmente representado apenas por uma fala ou imagem, funcionando como resolução e final;


6 – Intervalos (cortinas) ou mesmo “blackouts” não casam com peças curtas, embora o “blackout” possa ser usado no caso do roteiro curto. Mesmo assim, no cinema, os cortes ou mudanças não necessitam de “blackouts”. Nas peças longas, os intervalos, cortinas ou mesmo “blackouts” se justificam como passagens de um incidente a outro, o que não ocorre nas peças curtas, por terem apenas um incidente significativo;


7 - Mesmo com subtramas, o autor deve enfrentar a tarefa de não apelar para “intervalos”. Assim ele é obrigado a resolver problemas da técnica para o palco. Ele pode usar vários ambientes no palco, ou mesmo o sonho e o delírio, mas a peça ficará mais ágil sem “blackouts”, que é uma influência do cinema que nada acresce;


8 - Uma peça curta fica melhor num único cenário e período de tempo, com um mínimo de personagens, normalmente entre um e quatro com falas substanciais. No caso do roteiro é diferente, devido às quase infinitas possibilidades de espaço/tempo do cinema. Contudo, para que o filme fique mais factível em termos de realização material e financeira, é melhor não expandir o espaço/tempo além de três a cinco cenários, ou tipo de cenários. Se um personagem, por exemplo, um vendedor, visita várias casas, as cenas, internas ou externas, podem ser consideradas como um único tipo de cenário: visitas;


9 – Se tivermos um único incidente, mas esse não fizer parte de uma trama, isto é, não provocar, galvanizar ou detonar uma série de consequências, não teremos uma peça curta: teremos apenas um esquete. O esquete não é mais que uma situação interessante, um “meio” sem começo ou fim, sem uma cadeia de causa e efeito;


10 – Uma peça curta, portanto, não é uma peça longa abreviada. É um tipo específico de dramaturgia. Os princípios aqui descritos não são “receitas de bolo”. São medidas que facilitam o trabalho do dramaturgo iniciante. A “fórmula” aqui, como no caso da dramaturgia em geral, é apenas um esquema ou mapa do caminho. É como as margens de um rio para que as águas da criatividade sigam seu curso de forma mais concentrada e organizada.


11 – Como em qualquer dramaturgia, a ação MOSTRA, NÃO NARRA;


12 – Como em qualquer dramaturgia, o protagonista é o agente da ação. Mesmo uma peça longa se concentra em único protagonista, como Romeu em Romeu e Julieta. Se Julieta tivesse saltado o muro, matado Teobaldo e fugido, ela seria o primeiro personagem e não o segundo. Romeu, Teobaldo, Julieta: eis a triangulação.


Atenção: é IM-PO-SSÍ-VEL escrever uma peça e resolver questões dramáticas apenas através da conversa de duas pessoas. Sempre será necessário um terceiro elemento. Em História do Zoológico é o banco da praça e depois a faca; em Dois Perdidos Numa Noite Suja é o revólver; em Navalha na Carne é o dinheiro e o homossexual; em Corpo a Corpo é quem bate na porta e quem está na linha da ligação telefônica. Pode ser também a lembrança do passado ou algum conflito interno, mas se não há uma triangulação, se torna impraticável. O publicitário está sozinho no palco, mas fala do sucesso e do dinheiro que o fez se esquecer da família pobre no interior, do relacionamento com a noiva e colegas de trabalho, etc.


NB: A) Há peças e roteiros “ônibus” ou “panorâmicos” com múltiplos protagonistas. Mesmo nesses casos, em cada parte/seção/segmento da história, um personagem assume a condução da ação e se torna o protagonista naquele tema ou segmento; B) Quando se trata de um grupo agindo em conjunto e pelo mesmo objetivo, são protagonistas múltiplos, mas em função de uma mesma linha de ação.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

LAND LEAL ESCREVEU:



A narrativa não passa de uma recriação, em pontos menores, específicos e estratégicos de inter-relações de alguns profundos símbolos da psique:


JUSTIÇA - INJUSTIÇA // MENTIRA - VERDADE // CORAGEM - MEDO // TRAIÇÃO - FIDELIDADE //


HEROÍSMO - COVARDIA // MESQUINHEZ - ALTRUÍSMO // SAÚDE - DOENÇA //MORTE - VIDA //


CERTO - ERRADO, ETC.


Valores universais, enfim, com base em fatos ourepresentações da vida. Recriar é reproduzir de outro modo. É necessidade humana representar acondição humana e compreender fenômenos da natureza. Nesse sentido, religião, arte e ciência se encontram: a busca de revelações esclarecedoras e iluminadoras.


NB/1: Mesmo quando distorcemos a realidade ou apelamos ao sobrenatural, buscamos uma lógica, um conceito. No início parece ter sido a necessidade do rito e do ritual (da caça, da comida, da festa, da guerra, do nascimento, da morte) que comandava a vida comunitária.


Todos os conceitos partiam daí e eram, portanto, científicos, pois tinham sua lógica, ou seja, eram ligados à base material da vida e o mito era “real”. Até aí não havia as ferramentas para raciocínios mais elaborados (ou como hoje entendemos) porque não havia os termos e as palavras-conceito: “raciocínio”, “lógica”, “consequência natural”etc.


O que veio primeiro: o pensamento ou a palavra? Provavelmente foi uma interação dialética em que um impulsionava o outro um ponto adiante. Contudo, já estávamos direcionados à racionalidade científica (como hoje a entendemos) antes mesmo de sermos humanos. O primeiro primata que elaborou um raciocínio ou construiu uma ferramenta já estava se equipando para evoluir até a condição humana de “criador de mitos” e apensar de forma “não-mítica” sobre a própria origem e destino. E novamente sobre a origem do universo, em outras concepções, mas, como no início, com base na realidade circundante.


Por que sofremos ou vibramos com as personagens? Porque nos identificamos. É a nossa história e a nossa luta que está ali simbolizada. A jornada do herói é semelhante à nossa luta pela sobrevivência, pela justiça, pelo amor.


Mais que a minha e a sua verdade, é a nossa história universal em todos os quadrantes da terra. Por isso uma boa história encanta a todos. Para o contador de histórias, essa é a função básica do mito, embora os estudiosos (antropólogos, psicólogos, sociólogos) descrevam muitas outras interpretações e funções dos mitos.


“A mitologia tem sido interpretada pelo intelecto moderno como um primitivo e desastrado esforço para explicar o mundo e a natureza (Frazer); como um produto da fantasia poética das épocas pré-históricas, mal compreendido pelas sucessivas gerações (Müller); como um repositório de instruções alegóricas, destinadas a adaptar o indivíduo ao seu grupo (Durkheim); como sonho grupal, sintomático dos impulsos arquetípicos existentes no interior das camadas profundas da psique humana (Jung); como veículo tradicional das mais profundas percepções metafísicas do homem (Coomaraswamy) e como a revelação de Deus aos seus filhos (a Igreja).” Joseph Campbell.


“Dir-se-ia que os universos mitológicos são destinados a ser pulverizados mal acabam de se formar, para que novos universos nasçam de seus fragmentos.” Franz Boas.


Pensadores e pesquisadores como Claude Lévi-Strauss, Callois Roger e tantos outros estão certamente corretos, mas jamais completos. Parece que o estudo dos mitos ainda abrirá muitas portas para acompreensão do ser humano e das civilizações. A idéia dos mitos está por trás (ao menos de modo indireto) de empreendimentos humanitários e de atos heróicos, de crimes hediondos e de internações em manicômios.

ALÉM DE SERVIR DE DESCULPA E ESCUDO PARA TERROR DE ESTADO E LIMPEZA ÉTNICA.

(Ilustração: Quixote, de Canato)

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

FICÇÃO E REALIDADE



O que é realidade?

A que vemos com nossos olhos? A que apreendemos com nossos cinco sentidos? A que sentimos com nossas emoções?

Vivemos o nosso dia a dia na chamada vida real, nos afazeres e misteres a que nos dedicamos, desde os atos mais comezinhos e repetitivos até os alumbramentos diante de imprevistos.


Não somos capazes de definir o que é a realidade. Porque cada um de nós a vê sob o ponto de vista de seus olhos, com as conotações e denotações de sua capacidade interpretativa, resultante de uma trajetória de vida e de um conjunto de convicções pessoais, mesmo aquelas que achamos ser de toda uma coletividade.

Cada ser humano é único, sob esse ponto de vista. E isto é já coisa mais do que aceita e divulgada.


O mesmo acontecimento, testemunhado por mais de uma pessoa, terá a versão exata do número de espectadores desse acontecimento. Os testemunhos nunca serão exatamente os mesmos, porque nunca vemos exatamente o que o outro viu.

Tal constatação tem impacto importante na arte. Em especial, nas artes que dependem do olhar, especialmente as cênicas.

No palco, um drama é visto de maneiras diferentes na proporção do número de pessoas que estejam na plateia. Não há realismo suficiente para todos, no teatro. Portanto, não há e não pode haver “teatro realista” ou “drama realista”.

O que chamamos de “realismo” constitui-se numa tentativa de aproximação com a realidade filtrada pelo olhar e pelas idiossincrasias do autor, do diretor, do iluminador, do cenarista, do ator, ou seja, de todos os envolvidos na montagem do espetáculo, sujeito, ao final, ao olhar de cada espectador.

É inútil a tentativa de buscar a “realidade” através da dramaturgia. E quanto mais próxima essa dramaturgia estiver dessa realidade, mais entrópico será o teatro dali resultante. Porque nosso olhar de crítico (ou espectador, já que todo espeta dor é um crítico) não quer “a realidade”, mas a visão de realidade de quem faz o espetáculo. Ou seja, enquanto espectador/crítico, não vou ao teatro para ver “a realidade” de uma vingança, mas a interpretação que Shakespeare (ou qualquer outro autor) deu a essa vingança, chame-se a peça HAMLET ou A CRIAÇÃO DE COUVES. E mais: à interpretação do autor, eu sei, estão agregadas as leituras de todos os envolvidos no espetáculo, condicionado também à época em que é apresentado.

Com certeza absoluta, pode-se dizer que o HAMLET levado ao palco do Globe Theater é completamente diferente, mesmo que sobre as mesmas palavras, do que é apresentado em qualquer outro palco do mundo, através do tempo. O Shakespeare de hoje foi absorvido e é apresentado sob pontos de vista que agregam a cultura e, mesmo que fosse pequena, a evolução do olhar dos últimos quatrocentos anos. E usamos, aqui, a palavra evolução no seu sentido mais darwiniano possível.

O que é realidade, afinal?


(Ilustração: Paula Rego - mulher cão)